Pular para o conteúdo principal

Os desafios de Obama

O que vai abaixo é o artigo do autor destas Entrelinhas para o Correio da Cidadania. Em primeira mão para os leitores do blog.

O presidente eleito dos Estados Unidos vai começar o seu governo em uma situação que lembra um pouco a que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfrentou no início do primeiro mandato, em 2003, guardadas as devidas proporções. Naquela época, Lula pegou o Brasil em crise, com o dólar valendo quase R$ 4, uma inflação de dois dígitos, saindo de controle, o risco-país em quase dois mil pontos. O primeiro ano de governo foi dedicado a conquistar a confiança dos mercados e a política econômica adotada para conter a inflação quase provocou uma recessão - o crescimento do PIB naquele ano foi praticamente nulo (0,5%). Para a sorte de Lula, o que veio a seguir foram cinco anos de bonança, com taxas de crescimento expressivas. Politicamente, o presidente brasileiro utilizou com habilidade a idéia de que havia recebido uma herança maldita do governo tucano de Fernando Henrique Cardoso mas que, apesar dos tantos problemas, botou a casa em ordem e faz o país crescer.

Barack Obama, qualquer néscio percebe, já tem a seu favor o mesmo argumento da herança maldita. O tamanho da bomba que vai cair em seu colo, porém, é muito mais assustador. Politicamente, isto tem duas implicações: o novo presidente pode passar para a história como aquele que "resolveu" ou pelo menos minorou os efeitos da maior crise do capitalismo desde 29, se não for ainda mais grave do que a de 29; ou pode simplesmente ser engolido pelos problemas na economia e terminar o mandato com imagem muito negativa, isto se terminar o mandato.

O grande desafio de Obama, portanto, está no campo econômico, mas talvez a solução dos problemas atuais esteja fora do seu alcance. Em outras palavras, não está claro se os instrumentos disponíveis hoje pelo governo norte-americano são suficientes para lidar com a situação. Isto porque por um lado a desregulamentação da economia iniciada no governo Reagan e acentuada nos últimos 8 anos sob George W. Bush retirou do Estado diversos mecanismos que permitiriam uma intervenção mais acentuada e também porque, por outro lado, boa parte da solução dos problemas está na esfera privada, isto é, não depende de ações do governo norte-americano.

Sim, da mesma fora do que ocorreu com Lula, Obama vai precisa de sorte. Se a crise financeira mundial se agravar e se transformar em uma depressão econômica, é quase certo que só depois do seu mandato, pelo menos deste primeiro, os problemas serão resolvidos ou minorados. Os mais pessimistas chegam a dizer que em caso de depressão, dias melhores só viriam em um prazo superior a 8 anos. Por outro lado, se Barack Obama tiver sorte e a crise evoluir "apenas" para uma recessão, ele pode terminar o mandato como o presidente que solucionou a tal herança maldita, e põe maldita nisto, do seu antecessor George W. Bush. Desnecessário dizer que neste caso o segundo mandato só não estaria assegurado se sua gestão fora da esfera política se mostrasse um desastre absoluto.

Se na economia Obama vai precisar agir com firmeza e torcer bastante para que o setor privado retome a confiança no sistema e volte a investir, no campo político há muito para ser feito, até porque o legado de Bush filho nesta seara também não é dos melhores. Na política interna, o novo presidente não deverá enfrentar grandes problemas, pois a maioria conquistada com as eleições deste ano pelos democratas na Câmara e Senado foi expressiva, reduzindo as possibilidades dos republicanos obstruirem matérias de interesse do governo nas duas casas. Além disto, Obama já sinalizou que tem jogo de cintura para negociar com os rivais para garantir a sua governabilidade. No fundo, os grandes problemas políticos que Bush vai deixar para Obama resolver estão no campo da diplomacia (ou falta dela). A guerra do Iraque, o modo de lidar com o terrorismo (isto inclui o presídio de Guantánamo), as sempre difíceis relações com os países muçulmanos do Oriete Médio - o Irã, em particular, e o embargo a Cuba são algumas das questões relevantes que estarão na mesa de Obama no Salão Oval da Casa Branca. E dá para avançar muito em todas essas questões, independentemente do que ocorra na esfera econômica.

Se realmente fizer um governo baseado nos slogans que adotou - Change e Yes, we can -, Barack Obama terá que romper com o atual status quo da diplomacia americana e promover mudanças em pelo menos alguns dos pontos elencados acima. Suspender o embargo a Cuba, por exemplo, tem alto custo político entre os eleitores de Miami e entre os conservadores de modo geral. Terá Obama coragem de enfrentar as resistências? Conversar com o regime de Teerã também não será nada fácil para o governo democrata, pois como reza o velho e surrado ditado, o Oriente Médio é um grande barril de pólvora e qualquer desatenção pode se transformar em conflito armado. Talvez a medida mais fácil para Obama seja mesmos acabar com a base de Guntánamo e mandar os supostos terroristas presos ali para julgamento em seus países. É uma medida até simples e que deve angariar simpatia para o presidente entre os eleitores de esquerda, dos EUA e do resto do mundo.

É claro que Obama pode surpreender o mundo e se destacar com uma política externa mais ousada, com mudanças mais profundas, mas este blog não esperaria muito tal movimento. A vitória de Obama já foi um marco simbólico considerável, mas a verdade é que não dá cavalo de pau em um Titanic como os EUA. O primeiro problema de Obama será conseguir desviar do enorme iceberg da crise financeira, coisa que Bush e sua equipe até agora não conseguiram fazer. Depois, na área política, será realmente interessante ver como Obama maneja o leme. Muito do futuro de todos nós no planeta depende desses movimentos.

Comentários

  1. Foi o Serra quem escreveu o editorial de hoje do Estadão, né? Que nojo, quanta manipulação e parcialidade...

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe