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Uma boa análise sobre a oposição e o
cenário eleitoral: este filme já não passou?

Saiu no Valor Econômico de quinta-feira a excelente análise da repórter especial Maria Inês Nassif, reproduzida abaixo para os leitores do Entrelinhas. A jornalista apenas preferiu omitir, propositalmente ou não, que a situação hoje é muito parecida com a de 2006, quando o PSDB titubeou, não conseguiu decidir o candidato à presidência e depois amargou uma derrota em um cenário que a oposição imaginava bem favorável eleitoralmente - Lula vinha arranhado pelo "mensalão" e estava no ponto mais baixo de sua popularidade. Deu no que deu. Agora, com o presidente experimentando níveis inéditos de aprovação, as coisas caminham no PSDB praticamente do mesmo jeito - Aécio hoje é o Alckmin de ontem -, com a diferença básica de que também o DEM está dividido sobre a melhor opção para 2010. Vale a pena ler o texto na íntegra.

Rodrigo Maia não é do bloco do eu sozinho

Maria Inês Nassif

O presidente do DEM, deputado Rodrigo Maia (RJ), foi condenado por seus pares menos pelo conteúdo de suas declarações do que pelo fato de tê-las feito. O fato de o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), adiar a sua decisão de ser - ou não - candidato à Presidência da República tem provocado incômodos coletivos no partido de Maia. O DEM declarou que é aliado do PSDB seja qual for o candidato e propôs-se a abrir mão da vice-presidência de uma chapa, se o PSDB considerar eleitoralmente mais interessante uma chapa puro-sangue, com Serra na Presidência e o governador de Minas, Aécio Neves, na vice, em troca do apoio em seis Estados onde vai disputar o governo com mais chances que os tucanos. As demonstrações de apoio incondicional, todavia, não foram suficientes para fazer o aliado se definir. Com expressão eleitoral cada vez mais reduzida devido ao crescimento dos partidos que apoiam o presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Norte e no Nordeste, todavia, suas urgências são maiores do que as de seu parceiro.

O presidente do DEM disse que a oposição está no pior dos mundos porque não tem candidato, enquanto o governo tem candidata, a ministra Dilma Rousseff (PT), e ela avança eleitoralmente. Sem definição do nome nacional, a montagem dos palanques estaduais tem andado devagar, disse o parlamentar. Além disso, avaliou que o melhor candidato seria o governador de Minas, Aécio Neves (PSDB), pelo fato de conseguir transitar em posições que não sejam de simples confronto com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O problema de Maia ter falado isso é que ele é o presidente do DEM e por ele terão de passar as negociações com o partido de Serra. Nas eleições de 2002, o confronto entre o então presidente do PFL, Jorge Bornhausen, e o candidato tucano Serra, rachou os aliados e reduziu, em consequência, as chances de vitória do então candidato da situação do governo Fernando Henrique Cardoso. Desde então o DEM, ex-PFL, está apartado do poder e mantém a duras penas uma estrutura partidária com grandes dificuldades de sobrevivência na oposição. O partido encolheu nos últimos sete anos. E tem razões para acreditar que, se por um lado estar com o PSDB é o único caminho de que dispõe no momento para voltar a ser governo, ao mesmo tempo é uma grande parte de seu problema.

Essas não são posições e avaliações minoritárias no DEM. O desconforto com a falta de pressa na definição do candidato tucano é disseminado. E as reticências em relação a Serra se ampliam. Existem razões para isso. As pesquisas que o partido tem feito não autorizam a direção do DEM a imaginar que a candidatura de Serra vá ser um passeio. Não é nada, não é nada, Dilma Rousseff é a candidata de um presidente que tem por volta de 80% da aprovação nas pesquisas de avaliação do governo. Considera-se que o poder de transferência do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não foi exercido: somente agora, e depois de um tratamento de saúde relativamente longo, Dilma está agindo como candidata, e com uma desenvoltura inesperada para uma neófita em política eleitoral. O poder de Lula sobre o PT e uma disciplina partidária que não é comum, por exemplo, num PSDB, têm agido favoravelmente também no sentido de criar para a candidata palanques relativamente sólidos nos Estados. O fato de o governo ter conseguido formalizar, a quase um ano das eleições, um acordo entre o PT e o PMDB - mesmo que a direção do PMDB ainda deixe pendente a ratificação da convenção nacional ao acordo - já é uma façanha. O natural, nessa circunstância, será os índices de intenção de voto em Dilma subirem. Esse é o momento dela, que se aproxima sem qualquer resistência do outro lado, já que a oposição não tem candidato colocado. O outro ponto é que, como depositária da transferência de votos de um presidente popular, Dilma tende a ganhar votos quando a disputa se acirrar e se polarizar. Com base nesse raciocínio, cresce a preferência por Aécio Neves, candidato com menos vocação para o confronto.

A banda governista da disputa andou rápido e o presidente Lula é o melhor eleitor do pleito de 2010. O PSDB pouco andou, apesar das facilidades abertas pelo DEM e pelo PPS, seus aliados declarados. O trunfo da candidatura Serra, que são os votos tucanos em São Paulo - Estado que tem quase um quarto do eleitorado nacional e onde o PSDB tem uma certa hegemonia -, começa a ser também um incômodo para o DEM. São Paulo é o Estado em que o partido reúne condições de crescer a sua bancada - sem bancada forte, o partido não conseguirá reassumir o seu protagonismo na vida nacional, mesmo se o PSDB vencer as eleições presidenciais. Todo o esforço eleitoral do DEM, todavia, caminha sobre uma verdade inexorável: os dois partidos se aproximaram tanto ideologicamente que crescem somente à custa do outro. São interesses quase inconciliável os dos candidatos a deputado federal dos dois partidos. Se, do lado do PSDB "serrista" de São Paulo, o chefe segura a divisão, do lado não serrista, identificado como partidário do ex-governador Geraldo Alckmin, o conflito está latente.

Alckmin, segundo as pesquisas do DEM, é o candidato com grandes chances de vitória na disputa para o governo do Estado. Outras opções abrem espaço para o PT, que nunca ganhou o governo, ou com candidato próprio, ou apoiando o deputado Ciro Gomes (PSB). O problema é que a vitória de Alckmin tem o efeito colateral de afastar qualquer pretensão política do prefeito da capital. Alckmin vencendo, é quase o fim de carreira de Kassab: o ex-governador disputaria a reeleição em 2014 e abriria espaço para o demista apenas a partir de 2018. Até lá, qualquer projeção que tenha ganhado à frente da prefeitura já terá sumido da memória do cidadão paulista. Um caminho mais seguro poderia ser o de projetar estadualmente o prefeito, lançando-o candidato ao governo e rachando o palanque paulista de Serra, sem chances de vitória, mas produzindo bancada e "recall" para as eleições seguintes. O partido elegeu 65 deputados federais em 2006. Na melhor das hipóteses, e somente se Kassab for candidato ao governo, imagina-se fazer o mesmo número no ano que vem. Sem Kassab como candidato, a perda pode ser grande.

Maria Inês Nassif é repórter especial de Política. Escreve às quintas-feiras

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