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Oito anos esta noite

Oito anos atrás o Brasil vivia o final de um sonho de alguns verões, mas não sabia disto.
Em dezembro de 2011, quando este blog encerrou as atividades, o PIB ainda crescia e o país se tornava a sexta maior economia do planeta. No campo político, a presidente gozava de uma ampla popularidade, que só veio a começar se erodir em 2013, com as manifestações de rua que sacodiram o Brasil e se tornaram um marco divisório - depois delas, ruiu o projeto de poder do Partido dos Trabalhadores.
O resultado de 2013, olhando em perspectiva como todo bom engenheiro de obra feita, é muito claro: propiciou o clima para a chegada da ultra-direita no poder com JB e sua trupe de filhos, "filósofos" e militares. Por incrível que pareça, os últimos são os mais confiáveis e simpáticos, hard to believe, but true.
Os movimentos de 2013, no entanto, não foram isolados nem circunscritos à realidade brasileira. Foi uma onda mundial, que varreu do mapa governos de esquerda ou liberais, no sentido norte-americano da palavra. Obama é apenas a vítima mais célebre, também na Europa houve uma hecatombe, com o surgimento de gabinetes de direita (ou o crescimento de bancadas parlamentares extremistas) até em países como a Suécia e Dinamarca, berço do welfare state na década de 1970.
No Brasil, em especial, a polarização na política ganhou um ar de Fla-Flu e o antipetismo se fortaleceu na esteira de uma gestão inábil e até patética da presidenta, incapaz de qualquer tipo de diálogo dentro do seu próprio partido. Com o crescimento das redes sociais e grupos de whatsapp, o jogo político mudou e o debate passou a ser diário, alimentado por robôs e fake news impulsionadas pelo poder econômico, como se viu nas últimas eleições - o tal véio da Havan se tornou celebridade e segue negando qualquer responsabilidade pelo disparo em massa de notícias contra Fernando Haddad no pleito de 2018, embora todo mundo saiba o que houve de verdade.
Um balanço desses anos turbulentos precisa levar em consideração a Operação Lava Jato, que ao lado do povo na rua, foi decisiva para a chegada da direita ao poder central, em especial após prender o mais popular líder político do país, que amanhã, por sinal, terá cumprido um sexto da pena e, em tese, poderia pleitear o regime semi-aberto e voltar às ruas. 
Se Lula volta ou não, ninguém sabe, até porque ele mesmo tem dito que só sai da PF de Curitiba inocentado, o que não parece lá muito provável. Mas o fato é que ele segue sendo a variável mais importante para 2022, quando JB deve tentar a reeleição, especialmente se a economia estiver se recuperando, e teremos mais um pleito com diversas candidaturas, talvez semelhante ao de 1989: João Doria, Luciano Huck, Ciro Gomes e talvez o próprio Lula deverão estar presentes na urna eletrônica, além de outros menos cotados (Guilherme Boulos e Sérgio Moro, por exemplo). 
Lula é a principal variável porque sem ele e salvo um desastre econômico do atual governo, que não parece provável, o PT terá poucas chances de voltar ao Palácio do Planalto se não compor com outras forças de centro-esquerda, abrindo mão da cabeça de chapa, fato inédito até aqui - em todas as eleições o PT competiu, apenas em uma sem Lula.
Tudo somado, é interessante observar o que vai acontecer na Argentina dia 27 de outubro. O país vizinho muitas vezes já antecipou na política e economia o que viria a acontecer por aqui em seguida - efeito Orloff, chamavam - e aparentemente a derrota de Macri deve ser avassaladora, encerrando o ciclo da direita liberal e limpinha nos pampas. Por aqui temos uma direita sujinha e pouco articulada no poder, mas que por outro lado não tem o menor pudor de jogar pesado. Lula é o adversário preferido de Jair Bolsonaro? É o que ele diz querer, mas este blog suspeita que JB está querendo mesmo é rever Haddad em 2022. Mais fácil bater no poste do que em seu criador, que apesar dos pesares e de toda a campanha midiática em torno de seus malfeitos, ainda é um líder querido pelos mais pobres e imbatível no nordeste brasileiro. A ver.


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