Interessante o texto do jornalista Reinaldo Azevedo em seu blog no UOL. Vale a leitura!
O ex-presidente deve aceitar a prisão domiciliar? Carta divulgada nesta segunda dá a entender que ele a recusa. Vamos pensar.
Em "Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da República em todos os membros e inteira definição do que em todos os tempos é a Bahia", o poeta baiano Gregório de Matos (1636-1696 escreve lá pelas tantas: "Valha-nos Deus o que custa/ O que El-Rei nos dá de graça/ Que anda a Justiça na praça/ Bastarda, vendida, injusta".
Ou por outra: na crítica que fazia aos fidalgos locais e aos procuradores da Coroa Portuguesa no Brasil, lamentava que concessões que eram feitas pelo próprio Rei eram sonegadas pelos mandatários locais, a não ser depois de trocas ilícitas — daí lamentar o custo do que El-Rei dava de graça.
Agora, a Tirania de Curitiba — que República não é — pede a progressão da pena de Lula. E o faz como se operasse uma concessão, evidenciando, assim, a sua suposta generosidade com aquele que é o seu maior troféu. Afinal, todos nós sabemos a frenética articulação de bastidores que se fez para que Lula fosse encarcerado e mantido na cadeia. Mais: a questão virou matéria de articulações e natureza eleitoral.
Pois bem. Lula tem direito de deixar o regime fechado e passar para o semiaberto. Já cumpriu um sexto da pena. É o que prevê a Lei de Execução Penal. A progressão só não é automática porque, em caso de mau comportamento do preso, o juiz pode recusar o benefício. Lula é hóspede forçado, mas não rebelde. Comporta-se de acordo com mas regras.
Assim, não há por que não lhe ser concedido o benefício. Como praticamente inexiste o regime semiaberto no Brasil e, na verdade, ainda que existisse, isso poderia expor o ex-presidente a riscos efetivos, o mais provável que o resto da pena seja exercida em regime domiciliar.
Mas aí os problemas só estão no começo.
O que se exigiria dele? Lula já andou acenando que dispensa o benefício porque quer deixar a cadeia depois da absolvição. Se, antes, isso parecia impossível, depois de todas as tramoias que se conhecem da Lava Jato, pode-se argumentar que ao menos a anulação da sentença — absolvição é outro processo — é uma obrigação moral do Supremo se vier a julgar o Recurso Extraordinário. Antes disso, no entanto, há o julgamento da suspeição de Sergio Moro. Ora, depois de tudo o que se sabe, o mínimo que se espera é que se cumpra a lei.
Então vamos ver. O Supremo pode simplesmente declarar a nulidade da sentença, o que me parece que seria o correto, com base na suspeição de Sergio Moro. Em outro procedimento, pode absolver o presidente em Recurso Extraordinário. É verdade! Em terceira instância, não se examinam provas. Mas se pode constatar a inexistência delas. E, no caso do apartamento, as ditas-cujas inexistem. É simples assim. Não acreditem em mim se não quiserem. Acreditem nas palavras de Sergio Moro.
O homem escreveu nos embargos de declaração:
"Este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobrás foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente. Aliás, já no curso do processo, este Juízo, ao indeferir desnecessárias perícias requeridas pela Defesa para rastrear a origem dos recursos, já havia deixado claro que não havia essa correlação (itens 198-199). Nem a corrupção, nem a lavagem, tendo por crime antecedente a corrupção, exigem ou exigiriam que os valores pagos ou ocultados fossem originários especificamente dos contratos da Petrobrás."
Então não resta dúvida de que se tratou de uma condenação sem provas. Ademais, não havendo relação de causa e efeito entre a suposta vantagem ilegal (o apartamento) e os contratos da OAS com a Petrobras, então Moro nem mesmo era juiz da causa.
Diálogos revelados pelo site The Intercept Brasil evidenciam as manobras espúrias feitas pela Lava Jato para mandar para Curitiba o caso do apartamento de Guarujá. O caso entrará para a historia como uma das manobras mais vergonhosas envolvendo Ministério Público e Justiça para condicionar a condenação de alguém.
Não se trata de ser "de direita" ou "de esquerda" para reconhecê-lo. Basta ser decente.
"Como, Reinaldo, então não concordar com a sua tese é ser indecente?"
Não se trata de uma tese minha, de B ou de C. Trata-se de reconhecer a ordem dos fatos. E tenho escrito isso desde sempre no que diz respeito a esse processo, desde que ficou conhecida a denúncia do Ministério Público Federal. Há coisas que são questão de gosto, viés, análise etc. Há outras que dizem respeito à ordem dos fatos apenas. Você não tem licença, leitor amigo, para discordar da Lei da Gravidade. A menos que seja um idiota.
No caso em questão, desde que o debate esteja na esfera do direito, discordar da evidência de que Lula foi condenado sem provas corresponde a uma espécie de idiotia ideologicamente caracterizada. Ou por outra: só se pode fazê-lo por mero proselitismo ideológico. Como, nesse caso, então, defender a condenação e a prisão supõe a violação do devido processo legal e de direitos fundamentais, então estamos falando mesmo é de safadeza.
O que fará Lula no que lhe couber escolher? Em seu lugar, aceitaria a prisão domiciliar se esta se essa possibilidade se materializar antes das outras. Isso não impede que os demais recursos tramitem. Quanto a recusar a possibilidade de ir para casa com tornozeleira eletrônica, aí creio que está coberto de razão. A questão fica para a história. Afinal, a tornozeleira poderia significar que falharam os demais caminhos para fazer justiça. Podendo escolher nesse caso, é compreensível que escolha a cadeia. Porque aí fica devidamente caracterizada a situação de quem entrou na prisão como um político preso e nela permanece como preso político.
Ainda que um preso político do sistema judicial brasileiro, tomado pelo fundo nefasto da ideologia e da politização.
O ex-presidente deve aceitar a prisão domiciliar? Carta divulgada nesta segunda dá a entender que ele a recusa. Vamos pensar.
Em "Juízo anatômico dos achaques que padecia o corpo da República em todos os membros e inteira definição do que em todos os tempos é a Bahia", o poeta baiano Gregório de Matos (1636-1696 escreve lá pelas tantas: "Valha-nos Deus o que custa/ O que El-Rei nos dá de graça/ Que anda a Justiça na praça/ Bastarda, vendida, injusta".
Ou por outra: na crítica que fazia aos fidalgos locais e aos procuradores da Coroa Portuguesa no Brasil, lamentava que concessões que eram feitas pelo próprio Rei eram sonegadas pelos mandatários locais, a não ser depois de trocas ilícitas — daí lamentar o custo do que El-Rei dava de graça.
Agora, a Tirania de Curitiba — que República não é — pede a progressão da pena de Lula. E o faz como se operasse uma concessão, evidenciando, assim, a sua suposta generosidade com aquele que é o seu maior troféu. Afinal, todos nós sabemos a frenética articulação de bastidores que se fez para que Lula fosse encarcerado e mantido na cadeia. Mais: a questão virou matéria de articulações e natureza eleitoral.
Pois bem. Lula tem direito de deixar o regime fechado e passar para o semiaberto. Já cumpriu um sexto da pena. É o que prevê a Lei de Execução Penal. A progressão só não é automática porque, em caso de mau comportamento do preso, o juiz pode recusar o benefício. Lula é hóspede forçado, mas não rebelde. Comporta-se de acordo com mas regras.
Assim, não há por que não lhe ser concedido o benefício. Como praticamente inexiste o regime semiaberto no Brasil e, na verdade, ainda que existisse, isso poderia expor o ex-presidente a riscos efetivos, o mais provável que o resto da pena seja exercida em regime domiciliar.
Mas aí os problemas só estão no começo.
O que se exigiria dele? Lula já andou acenando que dispensa o benefício porque quer deixar a cadeia depois da absolvição. Se, antes, isso parecia impossível, depois de todas as tramoias que se conhecem da Lava Jato, pode-se argumentar que ao menos a anulação da sentença — absolvição é outro processo — é uma obrigação moral do Supremo se vier a julgar o Recurso Extraordinário. Antes disso, no entanto, há o julgamento da suspeição de Sergio Moro. Ora, depois de tudo o que se sabe, o mínimo que se espera é que se cumpra a lei.
Então vamos ver. O Supremo pode simplesmente declarar a nulidade da sentença, o que me parece que seria o correto, com base na suspeição de Sergio Moro. Em outro procedimento, pode absolver o presidente em Recurso Extraordinário. É verdade! Em terceira instância, não se examinam provas. Mas se pode constatar a inexistência delas. E, no caso do apartamento, as ditas-cujas inexistem. É simples assim. Não acreditem em mim se não quiserem. Acreditem nas palavras de Sergio Moro.
O homem escreveu nos embargos de declaração:
"Este Juízo jamais afirmou, na sentença ou em lugar algum, que os valores obtidos pela Construtora OAS nos contratos com a Petrobrás foram utilizados para pagamento da vantagem indevida para o ex-Presidente. Aliás, já no curso do processo, este Juízo, ao indeferir desnecessárias perícias requeridas pela Defesa para rastrear a origem dos recursos, já havia deixado claro que não havia essa correlação (itens 198-199). Nem a corrupção, nem a lavagem, tendo por crime antecedente a corrupção, exigem ou exigiriam que os valores pagos ou ocultados fossem originários especificamente dos contratos da Petrobrás."
Então não resta dúvida de que se tratou de uma condenação sem provas. Ademais, não havendo relação de causa e efeito entre a suposta vantagem ilegal (o apartamento) e os contratos da OAS com a Petrobras, então Moro nem mesmo era juiz da causa.
Diálogos revelados pelo site The Intercept Brasil evidenciam as manobras espúrias feitas pela Lava Jato para mandar para Curitiba o caso do apartamento de Guarujá. O caso entrará para a historia como uma das manobras mais vergonhosas envolvendo Ministério Público e Justiça para condicionar a condenação de alguém.
Não se trata de ser "de direita" ou "de esquerda" para reconhecê-lo. Basta ser decente.
"Como, Reinaldo, então não concordar com a sua tese é ser indecente?"
Não se trata de uma tese minha, de B ou de C. Trata-se de reconhecer a ordem dos fatos. E tenho escrito isso desde sempre no que diz respeito a esse processo, desde que ficou conhecida a denúncia do Ministério Público Federal. Há coisas que são questão de gosto, viés, análise etc. Há outras que dizem respeito à ordem dos fatos apenas. Você não tem licença, leitor amigo, para discordar da Lei da Gravidade. A menos que seja um idiota.
No caso em questão, desde que o debate esteja na esfera do direito, discordar da evidência de que Lula foi condenado sem provas corresponde a uma espécie de idiotia ideologicamente caracterizada. Ou por outra: só se pode fazê-lo por mero proselitismo ideológico. Como, nesse caso, então, defender a condenação e a prisão supõe a violação do devido processo legal e de direitos fundamentais, então estamos falando mesmo é de safadeza.
O que fará Lula no que lhe couber escolher? Em seu lugar, aceitaria a prisão domiciliar se esta se essa possibilidade se materializar antes das outras. Isso não impede que os demais recursos tramitem. Quanto a recusar a possibilidade de ir para casa com tornozeleira eletrônica, aí creio que está coberto de razão. A questão fica para a história. Afinal, a tornozeleira poderia significar que falharam os demais caminhos para fazer justiça. Podendo escolher nesse caso, é compreensível que escolha a cadeia. Porque aí fica devidamente caracterizada a situação de quem entrou na prisão como um político preso e nela permanece como preso político.
Ainda que um preso político do sistema judicial brasileiro, tomado pelo fundo nefasto da ideologia e da politização.
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