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Sobre o caso Ágatha 2 - um desastre anunciado

A cobertura intensa na mídia da morte da menina Ágatha Félix, de 8 anos, assassinada no Complexo do Alemão, Rio de Janeiro, por um tiro disparado por policial militar e a comoção por ela provocada são naturais, mostram que ainda existe um sentimento difuso de indignação na população quando casos assim acontecem.
O caso Ágatha não é o primeiro nem o mais chocante episódio de abuso das forças policiais, basta lembrar o massacre do Carandiru, em São Paulo, ou a desocupação do Pinheirinho, no interior do mesmo Estado, que culminaram em verdadeiras chacinas e chocaram o mundo.
O Rio de Janeiro, no entanto, apresenta algumas peculiaridades que fazem deste um episódio recorrente. No excelente livro O Dono do Morro - um homem e a batalha pelo Rio, do jornalista britânico Misha Glenny (disponível na Amazon em amzn.to/2mG4FfB), está contada a história de Nem da Rocinha e também a guerra travada entre traficantes de drogas e seus exércitos (as facções criminosas) e as forças do Estado.
O livro acompanha a trajetória de Nem, mas o período mais interessante e que cabe aqui comentar compreende os anos de 2003 até 2013. Foi então, durante a gestão do presidente Lula, do governador Sergio Cabral e do prefeito Eduardo Paes, que começou a ser gestada uma nova política de segurança pública, com as chamadas UPPs - Unidades de Polícia Pacificadora -, criação do então secretário estadual José Mariano Beltrame, e as ocupações dos complexos de favelas dos morros cariocas.

De 2010 a 2019: a história se repete

O Brasil crescia de vento em popa, com sensível melhoria na economia para os mais pobres. As favelas se modernizavam e o tráfico era o elo dinâmico deste desenvolvimento - a venda de cocaína havia disparado com a fordização da produção na Colômbia, obra de Pablo Escobar, e organização de uma linha completa para importação e comercialização da droga nos principais centros urbanos do Brasil, bem como exportação para Europa, a cargo de Fernandinho Beira Mar e, na sequência, do PCC de Marcola, em São Paulo.
Beltrame e Cabral perceberam muito bem o momento e aproveitaram para no fundo fechar um acordo tácito com o tráfico, depois de alguns embates violentos. O marco deste movimento foi a ocupação, em novembro de 2011, do Complexo do Alemão, em uma operação que contou com uma tropa de 2,7 mil homens, sendo 1,2 mil policiais militares, 400 policiais civis, 300 policiais federais e 800 militares do Exército. No primeiro dia, a ação policial foi transmitida ao vivo por helicópteros da TV Globo, mostrando cenas impressionantes de um pequeno exército de traficantes em fuga na mata sendo alvejados por helicópteros da polícia.
Após a ocupação, começaram as obras do PAC, plano de Lula para acelerar o crescimento, e menina dos olhos da então candidata Dilma Rousseff. A mais notória delas foi a construção de uma rede de teleféricos  no Complexo do Alemão.
Além de grande apoio da mídia, a política de Cabral e Beltrame era vendida para o mundo como a vitória da civilização sobre  barbárie, logo seriam realizados dois eventos mundiais, Olimpíadas e Copa do Mundo, e a propaganda era a alma do negócio.
Porém, e há sempre um porém, tudo descambou depois de 3 anos da ocupação da Rocinha, maior favela do Rio de Janeiro, ocupada sem uma única vítima, muito mais em função das ordens de Nem de não reação pela sua tropa do que pela ação das forças policiais.
Em 14 de julho de 2013 desaparecia o pedreiro Amarildo, após ter sido detido por policiais militares e conduzido da porta de sua casa, na Rocinha, em direção a sede da Unidade de Polícia Pacificadora do bairro. Seu desaparecimento tornou-se símbolo de casos de abuso de autoridade e violência policial e soterrou a popularidade da dupla Cabral e Beltrame, que deixaria o cargo de secretário na esteira do escândalo,  de proporções internacionais, como agora é o de Ágatha Félix.

Concluindo

É bem verdade que Cabral não caiu e foi para o ostracismo por conta da falência de sua política de segurança pública, mas em razão da corrupção desenfreada que operou ao longo de quase uma década no comando do poder estadual. Também é certo que Wilson Witzel só ganhou as eleições na esteira do combate a este tipo de malfeito e da absoluta impaciência da população com políticos tradicionais no pleito do ano passado. 
Ocorre que Witzel foi eleito com um programa de segurança pública muito mais hard, para dizer o mínimo, em que a truculência não apenas é tolerada como estimulada. Em um ambiente assim, não seria de se esperar outra coisa.
Ágatha não é a primeira nem será a última, é apenas mais uma vítima, infelizmente, de tempos complicados que ainda perdurarão por um longo período no Rio e no Brasil.
by LAM, 23/09/2019


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