Pular para o conteúdo principal

José Serra e o "pós-Lula"

O que vai abaixo é o artigo do autor deste blog para o Correio da Cidadania. Em primeira mão para os leitores do Entrelinhas.

José Serra (PSDB) está apoiando a candidatura de Tião Viana (PT-AC) à presidência do Senado. E trabalha para convencer senadores de seu partido e também do DEM a deixar de lado a busca por nomes alternativos, como o de Pedro Simon (PMDB-RS), lançado pelo também peemedebista e ex-presidente da Casa Renan Calheiros (AL). Na disputa da Câmara dos Deputados, José Serra está fechado com a candidatura de Michel Temer (PMDB-SP), que também tem o apoio do PT. Nas últimas semanas, José Serra saiu na foto ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva várias vezes, em diferentes eventos e foi recebido no gabinete presidencial pelo menos duas vezes. Fechou um negócio de bilhões com Lula, a venda da Nossa Caixa ao Banco do Brasil, e chegou a participar de entrevista coletiva ao lado do ministro Guido Mantega, da Fazenda, na qual fez elogios às medidas tomadas pelo governo para enfrentar a crise financeira mundial.

A movimentação de Serra deve deixar um pouco confusa a militância tucana. Afinal, agora que a crise econômica redentora para as ambições tucanas de voltar ao Planalto chegou, não seria a hora de cair matando no presidente Lula? Por que, então, Serra, o principal pré-candidato do PSDB à presidência em 2010 está "amaciando" tanto e até estabelecendo parcerias com Lula? Seria puro cálculo político, jogo de cena visando obter recursos para as obras que alavancarão a sua campanha? Neste caso, por que Lula colocaria a azeitona na empada de Serra? Quando duas raposas como Lula e Serra se entendem, não se poderá jamais dizer que só um lado saiu ganhando – o governador vai receber o din din da Nossa Caixa, mas o presidente ficou credor de diversas ações políticas de Serra, eleição do Senado inclusa, segundo o que vai nos bastidores brasilienses.

Voltando então à pergunta inicial – por que Serra anda tão pouco oposicionista – a resposta não é simples e parte dela reside na análise que os tucanos fazem do comportamento da economia brasileira nos próximos dois anos. Uma entrevista concedida por Luiz Carlos Mendonça de Barros ao ultraconservador Reinaldo Azevedo é emblemática. Mendonção foi ministro de Fernando Henrique, era da ala "desenvolvimentista", ou seja distante de Pedro Malan e próximo de José Serra. Segundo o economista, o Brasil vai crescer entre 2% e 2,5% no próximo ano, uma queda expressiva em relação a 2008, mas a crise vai bater mais forte nas classes médias e alta e nas regiões Sul e Sudeste. Os pobres e muito pobres, os nordestinos e nortistas serão os que sentirão menos os efeitos da crise. Assim, explica Mendonção, a crise financeira não deve abalar muito a popularidade do presidente Lula, que dificilmente cairá abaixo dos 50%, mesmo que a crise piore muito a economia brasileira. O pior para os tucanos é que a boa avaliação do presidente tende a cair mais entre os mais ricos e classe média, público que já seria majoritariamente "tucano" ou pelo menos oposicionista. No povão, que de fato importa para decidir uma eleição, o efeito seria muito reduzido.

Ora, com tudo isto posto, não é preciso ser nenhum gênio para entender a estratégia de Serra, cuja ambição para ser presidente do país é algo que o diferencia de qualquer outro brasileiro. O governador de São Paulo percebeu que não dá para bater de frente com Lula e tenta agora uma aproximação tática com o presidente. Aécio Neves, governador de Minas, já tinha percebido isto bem antes de Serra, e se posicionava como o político capaz de promover a união, tendo patrocinado uma inusitada aliança em Belo Horizonte que uniu, ainda que informalmente, PT e PSDB. José Serra agora também parece ter adotado a postura do "pós-Lula" para se eleger em 2010. Não critica o governo, fala bem do presidente e chega até a propor medidas rigorosamente iguais às tomadas por Lula, como foi o caso da ajuda de R$ 4 bilhões às montadoras – Lula deu quatro, Serra copiou e mandou mais quatro.

É evidente que se o mundo mudar e a crise virar o país de ponta cabeça, atingindo em cheio a popularidade de Lula, Serra estará entre os primeiros a bradar contra todos os erros e incompetências do governo federal – cuja atuação até agora, é bom ressaltar, ele mesmo avaliza.
"Política é como nuvem: você olha e vê um formato, mas quando olha de novo já vê outro formato". A frase, atribuída a mais de um político mineiro (Magalhães Pinto e Tancredo Neves, ninguém sabe quem de fato cunhou a expressão), reflete bem o atual momento brasileiro. Tudo indica, e os tucanos concordam com este cálculo, que Lula chegará em 2010 forte, como um eleitor de peso, isto se não for ele próprio candidato à presidência – tempos de crise sugerem soluções criativas. Se assim for, Serra (ou Aécio) farão uma campanha sem grandes críticas ao governo, apostando na fórmula vitoriosa de 2006, quando ambos se elegeram com votações expressivas em seus estados sem falar patavinas do que fariam depois de eleitos. E sem criticar ninguém.

Se assim for, por fim, apenas o PSOL e quem sabe o DEM, caso tenha coragem de lançar uma candidatura própria e deixar de orbitar em torno dos tucanos, terão discurso de oposição. O "pós-Lula" no fundo é o grande sonho do presidente, conciliador por natureza. Resta saber se a crise vai deixar este sonho acontecer.

Comentários

  1. "Resta saber se a crise vai deixar este sonho acontecer" ou se Lula é bobo, ingênuo, e não uma raposa política como todos parecem ter percebido afinal.

    ResponderExcluir
  2. É, Luiz, e agora até a imprensa do interior está entrando nos planos do Serrinha paz e amor...

    Diretores de jornais reúnem-se com Serra

    Diretores dos 12 maiores jornais do Interior paulista reuniram-se esta semana com o governador José Serra (PSDB). O encontro ocorreu na residência do diretor do jornal "Valeparaibano", Fernando Mauro Salerno, na Capital, e serviu também para mostrar a Serra as atividades da Associação Paulista de Jornais (APJ)(...).
    Durante um jantar descontraído, Serra lembrou do seu passado como editorialista da "Folha de S. Paulo" e fez uma defesa intransigente da imprensa regional. "A informação, um dos pilares da liberdade, é questão essencial. O requisito para a liberdade, o conhecimento. Quem não conhece, um prisioneiro", disse o governador.
    Depois, Serra engatou a marcha, elencou as principais ações do governo tucano no Estado e anunciou que os investimentos públicos ao longo de seus quatro anos de mandato devem atingir a marca de R$ 60 bilhões, notadamente nas áreas de infra-estrutura, educação e saúde.
    Para ele, um dos eixos do desenvolvimento paulista será a nova agência de fomento concebida para financiar as pequenas e médias empresas - uma espécie de Banco de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) paulista. "Destinamos R$ 1 bilhão para esta agência de fomento para financiar a pequena e a média empresa em São Paulo. Vai ser uma alavanca muito importante para o Estado. Inclusive trazer financiamentos do Banco Mundial, do BID. Isso vai ter uma importância enorme para o interior, principalmente para as regiões que sofrem com a guerra fiscal", falou.
    Além de Serra, também estiveram presentes o presidente da Assembléia Legislativa, deputado Vaz de Lima (PSDB), o líder do governo na Assembléia, deputado Barros Munhoz (PSDB), o secretário de Comunicações, Bruno Caetano, e o secretário da Casa Civil, Aloysio Nunes Ferreira.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe