O que vai abaixo é o artigo do autor dessas Entrelinhas para o Correio da Cidadania. Um balanço do estranho ano de 2008, em primeira mão para os leitores do blog.
Definitivamente, não é nada fácil fazer uma análise retrospectiva sobre 2008. No fundo, foram dois anos em um: o primeiro começou dia 1° de janeiro de 2008 e terminou talvez em 15 de setembro, quando o Lehman Brothers, quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, pediu concordata.
Sim, é claro que a crise financeira global não começou em 15 de setembro de 2008, mas aquele dia já pode ser considerado um marco histórico porque a partir dali o mercado financeiro entrou em parafuso, ampliando em muitas vezes o pânico já reinante. Foi também a partir daquela data que o sistema de crédito, especialmente nos EUA mas também na Europa, simplesmente parou de funcionar. As linhas existentes foram paralisadas pelo temor de que o governo norte-americano poderia permitir que instituições financeiras de peso simplesmente quebrassem. Dias depois, porém, o governo dos EUA anunciou o primeiro de uma série de planos de resgate, no valor de US$ 700 bilhões, que seria rejeitado na Câmara de Representantes em 29 de setembro e depois aprovado em outubro, com um novo formato.
Detalhes sobre o desenrolar da crise após 15 de setembro, porém, não são o foco deste artigo, mesmo porque essa história ainda está em curso e, como já foi apontado, não começou em 2008, ao contrário, seria preciso retroceder bastante para explicá-la – trabalho este muito mais adequado aos historiadores e economistas do futuro. O que importa aqui é analisar, em retrospectiva, como foi o ano de 2008 na política brasileira e também um pouco na economia, uma vez que neste ano essas duas esferas estiveram especialmente entrelaçadas, tendência que deverá se repetir em 2009.
Assim, e tendo em vista o marco do agravamento dos problemas na economia mundial a partir de setembro, é possível tentar entender o que ocorreu aqui dentro analisando dois cenários bastante distintos – pré e pós-agravamento da crise financeira global.
No campo econômico, entre janeiro e outubro o Brasil viveu um período de crescimento bastante expressivo. O consumo das famílias aumentou, a criação de empregos formais bateu recorde mês após mês, o desemprego também cravou marca histórica, caindo para 7,5% no final do ano, o investimento das empresas cresceu substancialmente e tudo isto podia ser percebido nas ruas, especialmente nas capitais, abarrotadas de automóveis novos e com edifícios sendo construídos em toda parte. A atividade foi tão pujante nos três primeiros trimestres do ano que já garantiam crescimento no Produto Interno Bruto superior a 5% , mesmo que não houvesse avanço algum no último trimestre de 2008. Sim, já começavam a aparecer problemas por aqui, como a queda do superávit comercial, uma vez que a economia mundial vinha desacelerando à espera do que viria pela frente, mas os resultados da economia nacional eram até surpreendentemente melhores do que o clima bem mais moderado lá fora, desde o início do ano, poderia ensejar.
Política: Lula nas alturas e as eleições municipais
Como reflexo do crescimento cada vez mais forte da economia, a popularidade do presidente Lula bateu sucessivos recordes em 2008, terminando em mais de 80% no final do ano, já com a crise em curso e começando a “bater” aqui no Brasil. Tal taxa é maior do que a obtida por todos os presidentes brasileiros desde a redemocratização – o recorde anterior era de José Sarney, que no auge do plano Cruzado teve seu governo aprovado por 72% dos brasileiros. No Nordeste, Lula consegue espantosos 90% de apoio popular e a rejeição ao seu governo não chega a 5%. É muito, para qualquer parâmetro comparativo que se utilize.
Além da altíssima popularidade do presidente, dois outros fatos são importantes para uma análise sobre a política nacional em 2008. Em primeiro lugar, as eleições municipais, que transcorreram de forma tranqüila, inusitadamente tranqüila, alguém poderia dizer. Mais uma vez ficou claro que a política nacional hoje é marcada pela despolitização. Em qualquer democracia, a campanha eleitoral e a eleição são os momentos em que os partidos se organizam para exporem as suas diferenças e revelarem o seu pensamento em relação à realidade do país. Não é o que tem acontecido nas últimas disputas eleitorais no Brasil e a deste ano foi especialmente emblemática deste movimento. Do Oiapoque ao Chuí, pouquíssimos candidatos se arriscaram a bater no governo federal. A esmagadora maioria seguiu a estratégia de “municipalizar” o pleito, restringindo o debate aos temas locais. Mesmo nas poucas cidades em que a eleição ganhou relevância nacional (São Paulo, Salvador, Belo Horizonte), foi mais pela insistência da mídia do que dos candidatos. Senão vejamos.
Na capital mineira, o que estava em debate era a criação de uma frente plural que unia PSDB, PT e uma enorme gama de partidos em torno de um candidato desconhecido do público, o empresário Márcio Lacerda (PSB). O processo foi desde o início conturbado, mas o governador Aécio Neves (PSDB) e o prefeito Fernando Pimentel (PT) conseguiram impor a seus partidos a candidatura de Lacerda com um vice oriundo do PT. Aécio fez o PSDB engolir o sapo de não lançar candidatura própria nem participar formalmente da aliança por capricho da direção nacional petista, que proibiu o acordo. O que parecia uma jogada de risco do governador e prefeito se revelou mesmo uma jogada de risco: Lacerda venceu a eleição, mas passou maus momentos e teve que suar a camisa (e usar o cofrinho) contra outro desconhecido, o deputado Leonardo Quintão (PMDB), um jovem político de futuro promissor, que com um estudado jeitão caipira conquistou o eleitorado que desaprovou a estranha aliança tucano-petista.
Durante toda a campanha, a imprensa questionou e especulou sobre a jogada de Aécio, que para muitos estaria sinalizando uma possível solução político-partidária para 2010, superando as divergências entre PT e PSDB em torno, naturalmente, de seu nome como cabeça de chapa para a disputa presidencial, ainda que fora do ninho tucano, no mesmo PMDB que acabou sendo a pedra no sapato da disputa municipal em Belo Horizonte. O sucesso relativo da estratégia de Aécio Neves acabou botando um pouco de água no chope de quem já dava como favas contadas a saída do governador mineiro para o PMDB e uma candidatura presidencial em 2010, com apoio do presidente Lula. De qualquer forma, não deixa de ser interessante notar que BH foi, paradoxalmente, a eleição mais “nacionalizada” do país por obra dos caciques locais, que avalizaram a tão questionada aliança em torno de Lacerda.
São Paulo: PSDB rachado, acertos de Kassab e erros de Marta
Em São Paulo, foi a imprensa quem tratou de nacionalizar a eleição. Os candidatos Gilberto Kassab (DEM), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marta Suplicy (PT) pouco utilizaram os apelos da política nacional, e mesmo assim só o fizeram na fase final da campanha. Desde o início, porém, a mídia imprimiu à disputa paulistana o caráter de “grande prova para a popularidade de Lula e sua capacidade de transferência de votos em 2010”. Bobagem, até porque, como diria o filósofo futebolista, “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa” – ou seja, 2008 é 2008, 2010 é 2010. No fundo, do processo eleitoral paulistano dá para tirar, sim, algumas lições válidas para a política nacional, apesar e até mesmo em função da falta de apetite dos candidatos para o debate mais profundo sobre os problemas do Brasil.
Em primeiro lugar, a insistência do tucano Geraldo Alckmin de sair candidato, a despeito dos reiterados apelos do governador José Serra para que o PSDB apoiasse Kassab, revela que as tensões no tucanato ainda não estão devidamente sanadas. A derrota de Alckmin foi certamente um alívio e uma vitória para Serra, que saiu reforçado do pleito de 2008 com a vitória do democrata Kassab – não é a primeira vez que Serra vence quando seu partido perde, diga-se de passagem –, porém as recentes declarações de Aécio Neves de que a candidatura presidencial tucana não está escolhida mostra que Serra ainda terá que vencer alguns obstáculos para ser o candidato à presidência de um PSDB unido, coisa que não ocorre desde 1998, quando Fernando Henrique foi reeleito.
Por outro lado, a polarização da eleição entre Kassab e Marta mostrou que a população entendeu o debate eleitoral como eminentemente local, isto é, de uma proposta de administração, a atual, contra outra, a anterior. O esperto Gilberto Kassab chegou a elogiar Lula diversas vezes e se concentrou em bater forte na candidata, apostando na estratégia de maximizar a alta rejeição que a ex-prefeita apresentava. O jingle “bate na madeira, Marta de novo, nem de brincadeira” é a expressão acabada desta estratégia. Deu certo, pois do outro lado a campanha de Marta não sabia muito bem para que lado atirar quando percebeu que o apoio de Lula seria discreto e não resolvia a questão da rejeição da candidata. No final, os marqueteiros perderam a cabeça e apelaram para insinuações sobre a suposta homossexualidade do prefeito (“ele é casado, tem filhos?”), despolitizando de vez a campanha.
Antes de entrar no caso de Salvador, vale a pena um rápido comentário sobre o comportamento das oposições de esquerda ao governo Lula, hoje representadas majoritariamente pelo PSOL, na eleição municipal deste ano. Para ser sucinto, foi algo entre o ridículo e o covarde. Dois exemplos bastam para que o leitor tenha a dimensão da falta de arrojo das esquerdas: em São Paulo, o candidato do PSOL não conseguiu nem sequer se posicionar a favor de uma medida nitidamente favorável aos mais pobres – o pedágio urbano -, com medo de perder os votos dos proprietários de veículos; no último mês de campanha, já sob o que os jornalões classificavam de “maior crise da história do capitalismo”, os candidatos do PSOL simplesmente ignoravam a questão, prosseguindo nas críticas pontuais aos adversários e tentando explicar que iriam fazer auditorias nas dívidas municipais para liberar verbas e investi-las nos necessários programas sociais. O primeiro caso é apenas ridículo, o segundo revela o medo das esquerdas de realizar o debate que de fato importa.
Salvador: quem bate em Lula, apanha nas urnas
A capital da Bahia é um ótimo exemplo de como a eleição municipal pode ser nacionalizada “às avessas” e demonstra a enorme força do presidente Lula no Nordeste. Faltando pouco mais de um mês para as eleições, o candidato do DEM, ACM Neto, herdeiro da oligarquia que dominou o Estado até 2006, era o favorito na eleição. O segundo colocado era o tucano Antonio Imbassahy, ex-prefeito da capital soteropolitana. Em terceiro estava o petista Walter Pinheiro e apenas em quarto lugar aparecia o prefeito João Henrique (PMDB), filho de João Durval, adversário histórico do avô de ACM Neto.
A campanha começou a ganhar emoção no momento em que o tucano Imbassahy, percebendo a ascensão de Pinheiro e João Henrique, partiu para o ataque e decidiu que sua chance era tirar o candidato democrata da disputa. A campanha do PSDB, e não a do PT ou PMDB, foi quem primeiro levou ao ar a gravação de ACM Neto prometendo “dar uma surra em Lula”. A partir daí, Neto, como é chamado na Bahia, começou a perder apoio, e teve que justificar o feito na televisão: “Exagerei na dose, reconheço. Hoje, mais amadurecido, não repetiria aquelas palavras”, desculpou-se o candidato no horário político em uma frase dúbia, que desloca a culpa pela trapalhada a, talvez, “doses a mais”. Tarde demais, de qualquer forma: a partir de setembro ACM Neto perdeu pontos a cada pesquisa e assistiu à ultrapassagem de Pinheiro e João Henrique, que de resto atropelaram também o tucano Imbassahy. O prefeito acabou reeleito, mas o que vale aqui destacar é que embora a campanha não tenha sido das mais politizadas no país, ganhou o caráter nacional pelo debate em torno da figura do presidente. E restou provado que pelo menos no Nordeste, quem bate em Lula acaba apanhando nas urnas.
Fazendo um balanço geral das eleições deste ano, é possível destacar três grandes vitoriosos ao final do processo: o PMDB, que na frieza dos números foi o grande vencedor da eleição (conquistou o maior número de prefeituras, de vereadores e empatou com o PT nas capitais – ambos comandarão 6, mas as peemedebistas têm mais peso político); José Serra, que conseguiu eleger o seu candidato à prefeitura da maior capital do país e com isto consolidou a sua própria candidatura à presidência do Brasil (especialmente pelo naufrágio de seu “companheiro” Alckmin) e por fim o PT, que mais uma vez cresceu bastante (36%, saltando de 410 para 558 prefeituras), em mais um passo para se tornar uma legenda de alcance nacional.
Apesar da vitória pessoal de Serra, a oposição sofreu um baque forte na eleição deste ano. Os dois principais partidos, DEM e PSDB, perderam espaço. No caso dos democratas, a queda foi grande: em 2004, 794 cidades estavam sob o comando do DEM, número que passou para 501 – queda de quase 37%, isto é, mais de um terço das prefeituras. Já o PSDB, que comandava 870 cidades caiu para 788 (-9,43%). Evidentemente, a análise quantitativa esconde a excepcional vitória democrata em São Paulo, cidade que o partido jamais havia conquistado pelo voto, nas urnas. Já o PSDB pela primeira vez ficou sem nenhum prefeito nas capitais dos três Estados mais importantes do país (SP, Rio e MG)– só venceu em Curitiba, São Luís, Cuiabá e Teresina.
Crise e política
Eleições à parte, a última questão a ser analisada é o impacto da crise mundial na política brasileira em 2008. Ainda é difícil perceber a influência das turbulências internacionais na cena política porque os efeitos econômicos também não foram ainda sentidos na intensidade que se imagina que serão no próximo ano. O que se pode dizer é que entre setembro e dezembro, o noticiário foi dominado pelo pessimismo – todos os dias o leitor, ouvinte e telespectador se deparava com uma notícia pior do que a do dia anterior. A maior parte das notícias, é certo, diziam respeito ao que se passava lá fora, mas à medida que o tempo foi passando começaram a aparecer na mídia os efeitos da crise no Brasil, como a queda abrupta na venda de automóveis, a diminuição do crédito ao consumidor e às empresas e o início das demissões que um ciclo de diminuição da atividade econômica naturalmente provoca. Nada disto, porém, parece ter tirado o ânimo dos brasileiros, que em dezembro avaliaram a gestão do presidente Lula com mais de 80% de “ótimo” e “bom”, fundindo a cabeça dos analistas mais conservadores, que já esperavam uma queda na popularidade do presidente.
Ainda não há dados conclusivos sobre o comportamento da economia no último trimestre de 2008, o que se pode dizer até agora é que de fato ocorreu uma queda forte na atividade econômica em outubro e novembro. Os dados para dezembro só serão conhecidos em 2009, mas pelo que se vê nas ruas e se escuta nas entrevistas dos líderes dos sindicatos patronais, o 13° e o Natal devem sustentar algum crescimento no período, elevando assim a estimativa do PIB de 2008 para alguma coisa acima de 5,5%. Assim, ainda que o ritmo de crescimento tenha sido freado no final do ano, os efeitos políticos da bonança econômica persistiram e o presidente Lula termina 2008 em alta com o povo que governa. Sim, talvez ele também tenha conseguido passar para o distinto público a impressão de que reagiu rápido e à altura da crise, com medidas importantes para a classe média e empresas em dificuldades, mas ainda é cedo para julgar se a alta popularidade já poderia ser atribuída não ao bom desempenho da economia, mas à condução da crise, como já começam a dizer alguns analistas. Evidentemente, este é o sonho de consumo dos petistas: atravessar a crise sem macular a espetacular popularidade do presidente – neste caso, só um milagre poderia impedir Lula de fazer seu sucessor. Mas isto é assunto para o próximo artigo, sobre as perspectivas de 2009.
Um bom Natal a todos os pacientes leitores!
Definitivamente, não é nada fácil fazer uma análise retrospectiva sobre 2008. No fundo, foram dois anos em um: o primeiro começou dia 1° de janeiro de 2008 e terminou talvez em 15 de setembro, quando o Lehman Brothers, quarto maior banco de investimentos dos Estados Unidos, pediu concordata.
Sim, é claro que a crise financeira global não começou em 15 de setembro de 2008, mas aquele dia já pode ser considerado um marco histórico porque a partir dali o mercado financeiro entrou em parafuso, ampliando em muitas vezes o pânico já reinante. Foi também a partir daquela data que o sistema de crédito, especialmente nos EUA mas também na Europa, simplesmente parou de funcionar. As linhas existentes foram paralisadas pelo temor de que o governo norte-americano poderia permitir que instituições financeiras de peso simplesmente quebrassem. Dias depois, porém, o governo dos EUA anunciou o primeiro de uma série de planos de resgate, no valor de US$ 700 bilhões, que seria rejeitado na Câmara de Representantes em 29 de setembro e depois aprovado em outubro, com um novo formato.
Detalhes sobre o desenrolar da crise após 15 de setembro, porém, não são o foco deste artigo, mesmo porque essa história ainda está em curso e, como já foi apontado, não começou em 2008, ao contrário, seria preciso retroceder bastante para explicá-la – trabalho este muito mais adequado aos historiadores e economistas do futuro. O que importa aqui é analisar, em retrospectiva, como foi o ano de 2008 na política brasileira e também um pouco na economia, uma vez que neste ano essas duas esferas estiveram especialmente entrelaçadas, tendência que deverá se repetir em 2009.
Assim, e tendo em vista o marco do agravamento dos problemas na economia mundial a partir de setembro, é possível tentar entender o que ocorreu aqui dentro analisando dois cenários bastante distintos – pré e pós-agravamento da crise financeira global.
No campo econômico, entre janeiro e outubro o Brasil viveu um período de crescimento bastante expressivo. O consumo das famílias aumentou, a criação de empregos formais bateu recorde mês após mês, o desemprego também cravou marca histórica, caindo para 7,5% no final do ano, o investimento das empresas cresceu substancialmente e tudo isto podia ser percebido nas ruas, especialmente nas capitais, abarrotadas de automóveis novos e com edifícios sendo construídos em toda parte. A atividade foi tão pujante nos três primeiros trimestres do ano que já garantiam crescimento no Produto Interno Bruto superior a 5% , mesmo que não houvesse avanço algum no último trimestre de 2008. Sim, já começavam a aparecer problemas por aqui, como a queda do superávit comercial, uma vez que a economia mundial vinha desacelerando à espera do que viria pela frente, mas os resultados da economia nacional eram até surpreendentemente melhores do que o clima bem mais moderado lá fora, desde o início do ano, poderia ensejar.
Política: Lula nas alturas e as eleições municipais
Como reflexo do crescimento cada vez mais forte da economia, a popularidade do presidente Lula bateu sucessivos recordes em 2008, terminando em mais de 80% no final do ano, já com a crise em curso e começando a “bater” aqui no Brasil. Tal taxa é maior do que a obtida por todos os presidentes brasileiros desde a redemocratização – o recorde anterior era de José Sarney, que no auge do plano Cruzado teve seu governo aprovado por 72% dos brasileiros. No Nordeste, Lula consegue espantosos 90% de apoio popular e a rejeição ao seu governo não chega a 5%. É muito, para qualquer parâmetro comparativo que se utilize.
Além da altíssima popularidade do presidente, dois outros fatos são importantes para uma análise sobre a política nacional em 2008. Em primeiro lugar, as eleições municipais, que transcorreram de forma tranqüila, inusitadamente tranqüila, alguém poderia dizer. Mais uma vez ficou claro que a política nacional hoje é marcada pela despolitização. Em qualquer democracia, a campanha eleitoral e a eleição são os momentos em que os partidos se organizam para exporem as suas diferenças e revelarem o seu pensamento em relação à realidade do país. Não é o que tem acontecido nas últimas disputas eleitorais no Brasil e a deste ano foi especialmente emblemática deste movimento. Do Oiapoque ao Chuí, pouquíssimos candidatos se arriscaram a bater no governo federal. A esmagadora maioria seguiu a estratégia de “municipalizar” o pleito, restringindo o debate aos temas locais. Mesmo nas poucas cidades em que a eleição ganhou relevância nacional (São Paulo, Salvador, Belo Horizonte), foi mais pela insistência da mídia do que dos candidatos. Senão vejamos.
Na capital mineira, o que estava em debate era a criação de uma frente plural que unia PSDB, PT e uma enorme gama de partidos em torno de um candidato desconhecido do público, o empresário Márcio Lacerda (PSB). O processo foi desde o início conturbado, mas o governador Aécio Neves (PSDB) e o prefeito Fernando Pimentel (PT) conseguiram impor a seus partidos a candidatura de Lacerda com um vice oriundo do PT. Aécio fez o PSDB engolir o sapo de não lançar candidatura própria nem participar formalmente da aliança por capricho da direção nacional petista, que proibiu o acordo. O que parecia uma jogada de risco do governador e prefeito se revelou mesmo uma jogada de risco: Lacerda venceu a eleição, mas passou maus momentos e teve que suar a camisa (e usar o cofrinho) contra outro desconhecido, o deputado Leonardo Quintão (PMDB), um jovem político de futuro promissor, que com um estudado jeitão caipira conquistou o eleitorado que desaprovou a estranha aliança tucano-petista.
Durante toda a campanha, a imprensa questionou e especulou sobre a jogada de Aécio, que para muitos estaria sinalizando uma possível solução político-partidária para 2010, superando as divergências entre PT e PSDB em torno, naturalmente, de seu nome como cabeça de chapa para a disputa presidencial, ainda que fora do ninho tucano, no mesmo PMDB que acabou sendo a pedra no sapato da disputa municipal em Belo Horizonte. O sucesso relativo da estratégia de Aécio Neves acabou botando um pouco de água no chope de quem já dava como favas contadas a saída do governador mineiro para o PMDB e uma candidatura presidencial em 2010, com apoio do presidente Lula. De qualquer forma, não deixa de ser interessante notar que BH foi, paradoxalmente, a eleição mais “nacionalizada” do país por obra dos caciques locais, que avalizaram a tão questionada aliança em torno de Lacerda.
São Paulo: PSDB rachado, acertos de Kassab e erros de Marta
Em São Paulo, foi a imprensa quem tratou de nacionalizar a eleição. Os candidatos Gilberto Kassab (DEM), Geraldo Alckmin (PSDB) e Marta Suplicy (PT) pouco utilizaram os apelos da política nacional, e mesmo assim só o fizeram na fase final da campanha. Desde o início, porém, a mídia imprimiu à disputa paulistana o caráter de “grande prova para a popularidade de Lula e sua capacidade de transferência de votos em 2010”. Bobagem, até porque, como diria o filósofo futebolista, “uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa” – ou seja, 2008 é 2008, 2010 é 2010. No fundo, do processo eleitoral paulistano dá para tirar, sim, algumas lições válidas para a política nacional, apesar e até mesmo em função da falta de apetite dos candidatos para o debate mais profundo sobre os problemas do Brasil.
Em primeiro lugar, a insistência do tucano Geraldo Alckmin de sair candidato, a despeito dos reiterados apelos do governador José Serra para que o PSDB apoiasse Kassab, revela que as tensões no tucanato ainda não estão devidamente sanadas. A derrota de Alckmin foi certamente um alívio e uma vitória para Serra, que saiu reforçado do pleito de 2008 com a vitória do democrata Kassab – não é a primeira vez que Serra vence quando seu partido perde, diga-se de passagem –, porém as recentes declarações de Aécio Neves de que a candidatura presidencial tucana não está escolhida mostra que Serra ainda terá que vencer alguns obstáculos para ser o candidato à presidência de um PSDB unido, coisa que não ocorre desde 1998, quando Fernando Henrique foi reeleito.
Por outro lado, a polarização da eleição entre Kassab e Marta mostrou que a população entendeu o debate eleitoral como eminentemente local, isto é, de uma proposta de administração, a atual, contra outra, a anterior. O esperto Gilberto Kassab chegou a elogiar Lula diversas vezes e se concentrou em bater forte na candidata, apostando na estratégia de maximizar a alta rejeição que a ex-prefeita apresentava. O jingle “bate na madeira, Marta de novo, nem de brincadeira” é a expressão acabada desta estratégia. Deu certo, pois do outro lado a campanha de Marta não sabia muito bem para que lado atirar quando percebeu que o apoio de Lula seria discreto e não resolvia a questão da rejeição da candidata. No final, os marqueteiros perderam a cabeça e apelaram para insinuações sobre a suposta homossexualidade do prefeito (“ele é casado, tem filhos?”), despolitizando de vez a campanha.
Antes de entrar no caso de Salvador, vale a pena um rápido comentário sobre o comportamento das oposições de esquerda ao governo Lula, hoje representadas majoritariamente pelo PSOL, na eleição municipal deste ano. Para ser sucinto, foi algo entre o ridículo e o covarde. Dois exemplos bastam para que o leitor tenha a dimensão da falta de arrojo das esquerdas: em São Paulo, o candidato do PSOL não conseguiu nem sequer se posicionar a favor de uma medida nitidamente favorável aos mais pobres – o pedágio urbano -, com medo de perder os votos dos proprietários de veículos; no último mês de campanha, já sob o que os jornalões classificavam de “maior crise da história do capitalismo”, os candidatos do PSOL simplesmente ignoravam a questão, prosseguindo nas críticas pontuais aos adversários e tentando explicar que iriam fazer auditorias nas dívidas municipais para liberar verbas e investi-las nos necessários programas sociais. O primeiro caso é apenas ridículo, o segundo revela o medo das esquerdas de realizar o debate que de fato importa.
Salvador: quem bate em Lula, apanha nas urnas
A capital da Bahia é um ótimo exemplo de como a eleição municipal pode ser nacionalizada “às avessas” e demonstra a enorme força do presidente Lula no Nordeste. Faltando pouco mais de um mês para as eleições, o candidato do DEM, ACM Neto, herdeiro da oligarquia que dominou o Estado até 2006, era o favorito na eleição. O segundo colocado era o tucano Antonio Imbassahy, ex-prefeito da capital soteropolitana. Em terceiro estava o petista Walter Pinheiro e apenas em quarto lugar aparecia o prefeito João Henrique (PMDB), filho de João Durval, adversário histórico do avô de ACM Neto.
A campanha começou a ganhar emoção no momento em que o tucano Imbassahy, percebendo a ascensão de Pinheiro e João Henrique, partiu para o ataque e decidiu que sua chance era tirar o candidato democrata da disputa. A campanha do PSDB, e não a do PT ou PMDB, foi quem primeiro levou ao ar a gravação de ACM Neto prometendo “dar uma surra em Lula”. A partir daí, Neto, como é chamado na Bahia, começou a perder apoio, e teve que justificar o feito na televisão: “Exagerei na dose, reconheço. Hoje, mais amadurecido, não repetiria aquelas palavras”, desculpou-se o candidato no horário político em uma frase dúbia, que desloca a culpa pela trapalhada a, talvez, “doses a mais”. Tarde demais, de qualquer forma: a partir de setembro ACM Neto perdeu pontos a cada pesquisa e assistiu à ultrapassagem de Pinheiro e João Henrique, que de resto atropelaram também o tucano Imbassahy. O prefeito acabou reeleito, mas o que vale aqui destacar é que embora a campanha não tenha sido das mais politizadas no país, ganhou o caráter nacional pelo debate em torno da figura do presidente. E restou provado que pelo menos no Nordeste, quem bate em Lula acaba apanhando nas urnas.
Fazendo um balanço geral das eleições deste ano, é possível destacar três grandes vitoriosos ao final do processo: o PMDB, que na frieza dos números foi o grande vencedor da eleição (conquistou o maior número de prefeituras, de vereadores e empatou com o PT nas capitais – ambos comandarão 6, mas as peemedebistas têm mais peso político); José Serra, que conseguiu eleger o seu candidato à prefeitura da maior capital do país e com isto consolidou a sua própria candidatura à presidência do Brasil (especialmente pelo naufrágio de seu “companheiro” Alckmin) e por fim o PT, que mais uma vez cresceu bastante (36%, saltando de 410 para 558 prefeituras), em mais um passo para se tornar uma legenda de alcance nacional.
Apesar da vitória pessoal de Serra, a oposição sofreu um baque forte na eleição deste ano. Os dois principais partidos, DEM e PSDB, perderam espaço. No caso dos democratas, a queda foi grande: em 2004, 794 cidades estavam sob o comando do DEM, número que passou para 501 – queda de quase 37%, isto é, mais de um terço das prefeituras. Já o PSDB, que comandava 870 cidades caiu para 788 (-9,43%). Evidentemente, a análise quantitativa esconde a excepcional vitória democrata em São Paulo, cidade que o partido jamais havia conquistado pelo voto, nas urnas. Já o PSDB pela primeira vez ficou sem nenhum prefeito nas capitais dos três Estados mais importantes do país (SP, Rio e MG)– só venceu em Curitiba, São Luís, Cuiabá e Teresina.
Crise e política
Eleições à parte, a última questão a ser analisada é o impacto da crise mundial na política brasileira em 2008. Ainda é difícil perceber a influência das turbulências internacionais na cena política porque os efeitos econômicos também não foram ainda sentidos na intensidade que se imagina que serão no próximo ano. O que se pode dizer é que entre setembro e dezembro, o noticiário foi dominado pelo pessimismo – todos os dias o leitor, ouvinte e telespectador se deparava com uma notícia pior do que a do dia anterior. A maior parte das notícias, é certo, diziam respeito ao que se passava lá fora, mas à medida que o tempo foi passando começaram a aparecer na mídia os efeitos da crise no Brasil, como a queda abrupta na venda de automóveis, a diminuição do crédito ao consumidor e às empresas e o início das demissões que um ciclo de diminuição da atividade econômica naturalmente provoca. Nada disto, porém, parece ter tirado o ânimo dos brasileiros, que em dezembro avaliaram a gestão do presidente Lula com mais de 80% de “ótimo” e “bom”, fundindo a cabeça dos analistas mais conservadores, que já esperavam uma queda na popularidade do presidente.
Ainda não há dados conclusivos sobre o comportamento da economia no último trimestre de 2008, o que se pode dizer até agora é que de fato ocorreu uma queda forte na atividade econômica em outubro e novembro. Os dados para dezembro só serão conhecidos em 2009, mas pelo que se vê nas ruas e se escuta nas entrevistas dos líderes dos sindicatos patronais, o 13° e o Natal devem sustentar algum crescimento no período, elevando assim a estimativa do PIB de 2008 para alguma coisa acima de 5,5%. Assim, ainda que o ritmo de crescimento tenha sido freado no final do ano, os efeitos políticos da bonança econômica persistiram e o presidente Lula termina 2008 em alta com o povo que governa. Sim, talvez ele também tenha conseguido passar para o distinto público a impressão de que reagiu rápido e à altura da crise, com medidas importantes para a classe média e empresas em dificuldades, mas ainda é cedo para julgar se a alta popularidade já poderia ser atribuída não ao bom desempenho da economia, mas à condução da crise, como já começam a dizer alguns analistas. Evidentemente, este é o sonho de consumo dos petistas: atravessar a crise sem macular a espetacular popularidade do presidente – neste caso, só um milagre poderia impedir Lula de fazer seu sucessor. Mas isto é assunto para o próximo artigo, sobre as perspectivas de 2009.
Um bom Natal a todos os pacientes leitores!
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