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Da facada ao soluço

Era o 12o dia em que o presidente Jair Bolsonaro aparecia com um soluço interminável, que atrapalhava seus discursos, sua tradicional live e criava constrangimentos na fala matinal ou noturna no já famoso cercadinho. Tanto apoiadores como opositores do presidente perceberam que havia algo errado com sua saúde. Nas redes, o relato era de que Bolsonaro sentia um incômodo grande, com muitas dores. “Gritava de dor.” A primeira-dama Michelle Bolsonaro pediu que o marido fosse finalmente ao hospital. Era o começo da manhã do dia 14 de julho, e Bolsonaro perderia uma importante reunião com Rodrigo Pacheco, Luiz Fux e Arthur Lira.  O ministro Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal, vinha tentando apaziguar a tensão entre o presidente e o ministro do STF Luís Roberto Barroso, a quem Bolsonaro atribui a culpa de não ser implantado o voto impresso para as próximas eleições – ou voto auditável, como apregoa a nova “narrativa” do governo com acusações pessoais e sem provas contra Barroso (Pleno News: Bolsonaro: Barroso defende “bandeiras” que “beiram a pedofilia”, 15.622 interações no Facebook). A reunião não aconteceu, e Bolsonaro foi para São Paulo. Começou, então, um roteiro que já se repetiu diversas vezes em que o presidente esteve internado para quaisquer uma de suas intervenções cirúrgicas pós-facada, escrevem Pedro Bruzzi e Leonardo Barchini no site da revista Piauí, em texto publicado dia 16/7. Continua abaixo.


Normalmente, as primeiras notícias mais elucidativas sobre o quadro de saúde de Bolsonaro são dadas pelos filhos. As redes sociais são utilizadas coordenadamente. Todo o aparato de comunicação governista vira monotemático. Mas o “estouro” da boiada mesmo foi dado por Bolsonaro. Sua publicação com a foto em um hospital bateu os recordes do dia em língua portuguesa nas três redes – Twitter (189,5 mil interações), Instagram (2,15 milhões de interações) e Facebook (1,05 mil interações). Doravante, bolsonaristas ao menos tinham algum conteúdo que não o de defesa das acusações de corrupção e desídia na compra das vacinas. 

Portais alinhados ao bolsonarismo publicaram matérias em profusão pedindo orações aos fiéis seguidores e conclamando as redes para que todos #OremPeloPresidente, principal hashtag subida pelos apoiadores do governo, que obteve 113 mil menções no Twitter (entre 14 e 15 de julho), com 45,9 mil usuários individuais tuitando. O pico foi em 14 de julho, com mais de 93 mil publicações. Ontem (15) arrefeceu, registrando pouco mais de 19 mil postagens.

Seguiu-se nas redes do clã Bolsonaro a estratégia de exposição pública da internação de Bolsonaro, sempre com fotos. A vitimização como estética gera engajamento nas redes. 

Ainda assim, todo esse esforço e articulação nas redes parecem ter tido efeito limitado. O número de menções a Bolsonaro não explodiu. É difícil competir com temas “mundanos”. Era a volta da Copa Libertadores, rodada de oitavas de final. Times populares, como Flamengo, com estreia do novo técnico – simpático a Bolsonaro – e Palmeiras entrariam em campo. Essas variáveis costumam influenciar bastante a performance das redes.

Ao fim e ao cabo, Bolsonaro conseguiu um pico de 892 mil menções nas redes – de fato chamou alguma atenção. Mas a título de comparação, o presidente foi mais falado no dia 26 de junho deste ano, após a participação dos irmãos Miranda na CPI da Pandemia, quando acusaram o governo de corrupção (1,17 milhão de menções). Não chegou perto também do dia 29 de maio, quando eclodiram as maiores manifestações contra Bolsonaro após o início da pandemia. Nesse dia, a atenção das redes ao presidente foi praticamente o dobro, com mensagens de cunho predominantemente negativo (1,76 milhões de menções).

Olhando especialmente para o debate público no Twitter, não houve trégua a Bolsonaro. Chamaram atenção também as piadas e memes em tom negativo contra o presidente, que circularam em profusão nas redes. O grafo abaixo apresenta o debate no Twitter no dia 14. O agrupamento azul (28,7%) corresponde aos perfis bolsonaristas, que se solidarizaram e amplificaram a narrativa vitimista do presidente. Já os outros dois, vermelho (51,7%) e rosa (19,6%), são de oposição, com a diferença que o primeiro traz perfis do debate político do dia a dia, enquanto o segundo é composto por atores de fora desse tema.

Exemplo de publicações

@Rconstantino

“A probabilidade é de Bolsonaro ter tido dores decorrentes das cirurgias por conta da facada do simpatizante do Psol. Mas eu faria um exame toxicológico se fosse o presidente, para descartar envenenamento. De defensores de Cuba tudo é possível. Bolsonaro deve redobrar os cuidados.”

@reinaldoazevedo

“Bolsonaro quer usar a facada que elegeu para reeleger. Exposição grotesca do corpo do presidente prova q essa gente não tem limites. Afirmei aqui e em toda parte q eles tentariam apelar a algum fator extrapolítico para tentar reverter a derrocada. MÁRTIRES SÃO OS 537 MIL MORTOS “

No dia 15 (quinta), a situação não mudou muito. Os mesmos personagens e os mesmos argumentos circularam novamente, mas em número muito menor. A saúde de Bolsonaro não foi a pauta do dia: mesmo com toda a mobilização coordenada da base bolsonarista, a hashtag #QuemMandouMatarBolsonaro alcançou apenas 41 mil menções até o início da noite. Foi até suplantada por outra: #FundaoDe6biNAO, que obteve até o mesmo horário 48 mil menções.

No grafo de menções a Bolsonaro no dia 15, o agrupamento bolsonarista (azul) correspondeu a 29,5%, enquanto a oposição se apresentou ainda dividida em dois grupos, o vermelho (43,9%) e rosa (26,6%), no mesmo formato do dia anterior.

Exemplo de publicações

@gen_heleno

“No dia de hoje, visitei o presidente Bolsonaro, no Hospital Vila Nova Star, em SP. Ele passa bem, mas continuará a fazer alguns exames e avaliações. Sua recuperação tem sido acima do esperado, graças a Deus e às orações dos amigos e amigas.”

@GuilhermeBoulos

“Bolsonaro está internado e tuitando. Mourão na África do Sul. O Brasil é governado por Carluxo!”

Nos moldes da maior parte da campanha de 2018, sua internação permite que ele fale menos e, consequentemente, sofra menos desgaste. É provável que Bolsonaro tenha mais alguns dias para esperar a poeira baixar durante sua internação, ainda que a oposição – agregada de um público jovem e alheio à política – não o poupe de críticas nas redes. 

A discussão sobre o fundo eleitoral também pode ser mais uma boia para que o presidente saia das cordas e pare de ter que se explicar sobre as turvas compras (ou a falta) de vacinas. Essa pauta do Fundão, por exemplo, permitiria que ele se recolocasse como o maior símbolo antissistema, ou ao menos fingisse ser. É um assunto que agrada ao senso comum e constrange o sistema político nas redes. Os votos contraditórios da LDO de deputados de sua base, contudo, já mostram a dificuldade que terá para enfrentar o Centrão e defender o fim do Fundão. O buzz nas redes sobre a nova internação de Bolsonaro parece ter sido tão efêmero no debate público que cá estamos já querendo medir a pauta seguinte. Próximo!



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