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Decifrando Lula

Primeiro, uma nota do blog de Reinaldo Azevedo. Depois o comentário deste blog:

LULA DIZ QUE GOSTAVA DE ENCHENTE “PORQUE NÃO TINHA DE TRABALHAR”. EU JURO! ELE DISSE ISSO MESMO!
segunda-feira, 25 de janeiro de 2010 | 19:11

Deixo a afirmação de Lula para o divertimento de vocês. Mais tarde, na madrugada, farei algumas considerações, vamos dizer, sociológicas a respeito do assunto. E vou explicar por que esta fala explica a flopada do filme Lula, o Filho do Brasil.
Como vocês viram, Lula discursou na cerimônia em São Paulo, onde foi agraciado com a Medalha 25 de Janeiro. Num dado momento de seu improviso, ele mandou ver:
“Aqui, eu fui morar na Vila Carioca, que dava enchente todo final de ano. Não é de hoje que dá enchente. Naquele tempo, eu trabalhava nos Armazéns Gerais Colúmbia… A gente, muitas vezes, NÃO IA TRABALHAR porque a [avenida] Presidente Wilson enchia e, OBVIAMENTE EU GOSTAVA PORQUE EU NÃO TINHA DE TRABALHAR”.
Ouçam esta fala tão edificante clicando aqui.


Mais uma vez, um colunista direitoso não percebe a esperteza do presidente. É preciso sempre explicar que Lula não fala para meia dúzia de intelectuais que jamais decidirão uma eleição e se julgam "formadores de opinião". Lula fala para quem decide - e quem decide é o povão. No discurso acima, há dois movimentos muito inteligentes: primeiro, o presidente revela, ou reitera, porque até já falou sobre isto antes, que viveu o drama das enchentes na própria pele. São poucos os políticos que podem dizer isto, comprovadamente. Serra nem sabe o que é tirar água com balde, Kassab tem andando pela periferia de botas... Mesmo uma Heloísa Helena, por exemplo, não viveu a maior parte das agruras pelas quais Lula passou. Quando o presidente fala, portanto, é com conhecimento de causa e o povão absorve, não soa falso.

Em segundo lugar, Lula diz que tinha o "lado bom" da enchente - não era preciso ir trabalhar. Ora, é exatamente isto que qualquer operário ou trabalhador da construção civil pensa, porque não há nenhum glamour em trabalhar nessas atividades - é de sobrevivência que se trata, não de gosto pelo ofício. Mesmo técnicos intermediários, como gerentes de bancos, funcionários de médio escalão em empresas públicas ou privadas, também têm este tipo de visão sobre o trabalho - é sempre melhor faltar do que estar no escritório batendo cartão. Lula não falou para os que gostam de seus trabalhos, mas para a imensa maioria que apenas tolera o meio de ganhar o pão de cada dia. Mas é deveras exigir demais que gente como Reinaldo Azevedo entenda este tipo de estratégia do presidente. O que ele faz é tentar provar que Lula "nunca trabalhou"... Dá até pena.

Comentários

  1. Luiz, é uma barriga do RA, que confiou numa transcrição da Folha Online que inverteu o sentido do discurso do Lula. Confere lá no Hermenauta o comentário que fiz no último post (não consegui copiar e colar aqui).

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  2. Está errado o meu comentário anterior, baseado numa legenda equivocada da Folha em cima de um vídeo com um áudio ruim. No blog do Planalto há um áudio bom que confirma a versão da transcrição da Folha.

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  3. ... sem contar que o Lula começou a trabalhar com quanto? 6 anos? Quer dizer que quando tinha 26 anos, já faziam vinte que trabalhava, o Lula! O que será que o Azevedo fazia nos seus 6 aninhos? e sem dúvida nunca trabalhou engraxando sapatos ou carregando tijolo... é que qualquer coisinha é boa para pessoas como Azevedo falar mal do Lula. Não dá para entender PORQUE, por que? O que que o Lula fez a esse pessoal? Por que tanto ódio?

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  4. O que Lula quis dizer é o seguinte: Só um operario que vive ou viveu na periferia que sofre ou sofreu muito com as enchetes pode dizer o que é uma enchente. Tudo o que se escreve sobre enchente é balela !

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  5. Decifrando Lula, parabéns pelo texto. Tá no cabresto.

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  6. O cérbero criado com "leite de caixinha", se é que me entendem, nunca trabalhou. Ou agora difamação e mentira são trabalho?

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  7. Lula é uma pessoa pequena, não tem a grandeza que o cargo exige. pra diretor de sindicato tá até bom, mas pra presidente, alguém que conduz uma nação, é um zero à esquerda.

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