Pular para o conteúdo principal

Iglecias: E agora, José?

Abaixo, análise do professor Wagner Iglecias sobre a pesquisa Datafolha que mostrou Dilma Rousseff a apenas 4 pontos de José Serra na corrida pela sucessão do presidente Lula. Em seguida, a análise deste blogueiro.

A frase que dá titulo a este artigo não é exatamente inédita, não é rima nem é solução, mas cai como uma luva sob o momento do candidato tucano José Serra, provável postulante da oposição à sucessão do presidente Lula. E cabe-lhe especialmente após a divulgação, neste sábado, da nova pesquisa Datafolha, que mostra Dilma Rousseff tirando-lhe preciosos pontos de intenção de votos e surgindo-lhe no seu encalço, ao passo que os demais candidatos permanecem estacionados bem mais atrás.

Caso estivessemos numa corrida de Fórmula 1 daria pra dizer que estamos numa daquelas provas em que alguém dispara na frente, lidera por várias voltas e, quando percebe, vê um concorrente crescendo em seu retrovisor até chegar a uma distância que, como dizem os especialistas, é meramente visual, na qual os milésimos de segundo já não fazem tanta diferença. É mais ou menos esta a situação do governador Serra hoje. Lançando-se candidato à presidência da República, joga a última grande cartada de sua carreira política e se vencer alcança um sonho que muitos lhe atribuem desde a juventude e reconduz o consórcio PSDB-DEM ao Palácio do Planalto, provavelmente (re)introduzindo uma série de prioridades que o Brasil teve na década de 1990 mas que foram deixadas em segundo plano na Era Lula. Mas se Serra for ultrapassado por Dilma e vê-la cruzar na frente a linha de chegada em outubro, praticamente encerra suas perspectivas políticas futuras e vê seu correligionário Geraldo Alckmin, que é PSDB mas é de uma outra turma, com grandes chances de voltar a governar o estado de São Paulo.

Aécio, por sua vez, parece ao grande público como que recolhido em copas, mas quem sabe pode ser o regra três para este momento dificil do tucanato. No entanto, se Serra desistir do vôo presidencial e a oposição lançar o governador mineiro talvez já seja muito tarde para a composição dos palanques estaduais. Tarde logo para Aécio, que muita gente diz ter mais condições que Serra para costurar alianças regionais e ampliar tanto à esquerda quanto à direita o arco de forças políticas que poderiam apoiar uma candidatura oposicionista.

Some-se ao complicado momento tucano a trajetória "ladeira abaixo" do DEM, tradicional parceiro do PSDB em tantas eleições e governos, assim como a liderança que os candidatos a governador que apóiam ou são apoiados pelo Planalto estão mantendo nas pesquisas de intenção de voto em estados importantes como Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Sul etc. e perceba-se como está sendo dificil este primeiro trimestre para Serra e para a oposição em geral. Além de tudo o calendário político e eleitoral corre, e urge que se tomem decisões, acertadas e rápidas. Diante de tantas dificuldades, de certeza mesmo apenas a relevância da velha pergunta: e agora, José?

Wagner Iglecias é doutor em Sociologia e professor da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...