Pular para o conteúdo principal

Datafolha, cartomantes e realejos

Está cheio de gente por aí vaticinando que a eleição presidencial acabou, vai dar Dilma Rousseff mesmo, não tem mais jeito. E está cheio de gente por aí dizendo também que o Datafolha não vale nada porque em 2006 Lula estava bem à frente de Geraldo Alckmin neste mesmo momento da campanha, e dali para frente Alckmin subiu muito e Lula não ganhou um único voto. Ou então, o que é pior, que o Datafolha só deu o que deu porque não "captou" a performance de Serra no Jornal Nacional.

Bem, há argumentos para todos os gostos e este blog lamenta dizer que estão quase todos furados.

Em primeiro lugar, a eleição não está decidida ainda. O horário eleitoral na televisão e no rádio é fundamental e decisivo. Se a propaganda de Dilma for um desastre, se a candidata chamar eleitor de burro, como fez Ciro Gomes, se for flagrada com R$ 2 milhões em cash, como ocorreu com Roseana Sarney, é óbvio que perde a eleição, talvez até no primeiro turno. Se nada disto ocorrer, porém, a tendência é mesmo de Dilma vencer o pleito, pois tem sido assim em eleições presidenciais desde 1989 - quem largou na frente no início do horário eleitoral, ganha a eleição. Foi assim com Collor, Fernando Henrique, duas vezes, e Lula, duas vezes.

Os argumentos oposicionistas chamam atenção pelo ridículo. Alckmin nada tem a ver com Serra e só subiu nas pesquisas graças à lambança dos "aloprados", às vésperas do primeiro turno. E também, em parte, à ausência de Lula nos debates finais, da rede Globo. O que aconteceu em 2006 foi um acidente: Lula teve de enfrentar o segundo turno graças aos erros do PT, muito mais do que aos acertos da oposição, que já nem esperava a passagem para o segundo escrutínio e ficou meio mês pensando no que fazer...

Agora, o cenário é bem diferente e a lógica desta eleição é simples: o povão quer continuar na mesma toada, gostou do que viveu nos últimos anos. E a cada dia que passa, Dilma Rousseff é associada, por Lula, pela mídia, pelos demais atores do processo, como a candidata do presidente. Serra tentou uma estratégia, inteligente, até, de não bater em Lula e se apresentar como mais preparado para tocar o barco. Ocorre que a associação de seu nome com o de Fernando Henrique Cardoso derruba esta idéia de "continuismo pela oposição", e, ademais, o que o povão queria mesmo era a permanência de Lula, de maneira que ele se tornou o Grande Eleitor deste processo.

Ao contrário do que imaginam os mais exaltados, não há nada de errado nisto. É do processo democrático o presidente lutar para fazer o seu sucessor. É o que Lula tem feito. Quem não o fez, porque não queria a vitória de Serra, foi Fernando Henrique Cardoso. Fosse Pedro Malan o candidato, FHC estaria em cada birosca pedindo votos para Malan...

Tudo somado, a coisa está mais para Dilma, mas Serra ainda tem chances, cada vez mais remotas. O maior risco para o tucano é Marina começar a levantar uma onda de simpatia no campo da oposição. Se nas próximas pesquisas Marina cresce e Serra cai, pode haver um fenômeno semelhante ao que elegeu Luiza Erundina, mas desta vez apenas provocando a desidratação da candidatura do PSDB. Na melhor das hipóteses, Serra consegue "desconstruir" Dilma logo nos primeiros dias, correndo o risco de uma estratégia que utiliza o ataque como arma e deixa a adversária como vítima. E por fim cumpre lembrar que o tempo agora corre a favor de Dilma, contra José Serra.

Comentários

  1. O fenômeno Erunda provavelmente não se repetirá. Por dois fatores: era eleição de um turno só e, o principal, o marketing político no Brasil, vamos dizer,estava engatinhando, os profissionais do negócio estavam só começando a entender a cabeça do eleitor, mesmo porque era somente a segunda eleição nas capitais em uns 30 anos. Qto ao Serra, ele se fu pq precisava chegar no horário eleitoral na frente. Não chegou e as eleições estaduais se encarregarão de enterrar o tucano, puxando pro alto quem lidera e afundando quem tá em baixa. Em Estados importantes,o candidato a governador do campo Dilma tem até o triplo das intençoes de voto (PE e RJ), o dobro (MG e BA) ou simplesmente lideram (RS). Em outros, o candidato do campo Serra não chega sequer a 5% (AM, CE). A única exceção são os sempre conservadores SP e PR.

    ResponderExcluir
  2. Só não concordo com um detalhe em sua análise. FFHH não fez campanha para Serra porque preferia ter como candidato Pedro Malan. Até acho que Serra contava sim com a simpatia do ex-presidente, não fosse isso e o presidenciável tucano teria sido Tasso Jereissati, como o finado PFL queria depois do caso Lunus. FFHH não fez campanha pra Serra simplesmente porque não tinha prestígio. Se ele aparecesse no horário eleitoral em 2002 seria um cabo eleitoral ao contrário, subtraindo votos e não somando.

    ResponderExcluir
  3. Esrou sentindo muita falta de seus posts

    ResponderExcluir

Postar um comentário

O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.

Postagens mais visitadas deste blog

Rogério Andrade, o rei do bicho

No dia 23 de novembro do ano passado, o pai de Rodrigo Silva das Neves, cabo da Polícia Militar do Rio de Janeiro, foi ao batalhão da PM de Bangu, na Zona Oeste carioca, fazer um pedido. O homem, um subtenente bombeiro reformado, queria que os policiais do quartel parassem de bater na porta de sua casa à procura do filho — cuja prisão fora decretada na semana anterior, sob a acusação de ser um dos responsáveis pelo assassinato cinematográfico do bicheiro Fernando Iggnácio, executado com tiros de fuzil à luz do dia num heliporto da Barra da Tijuca. Quando soube que estava sendo procurado, o PM fugiu, virou desertor. Como morava numa das maiores favelas da região, a Vila Aliança, o pai de Neves estava preocupado com “ameaças e cobranças” de traficantes que dominam o local por causa da presença frequente de policiais. Antes de sair, no entanto, o bombeiro confidenciou aos agentes do Serviço Reservado do quartel que, “de fato, seu filho trabalhava como segurança do contraventor Rogério And...

Dica da semana: Nine Perfect Strangers, série

Joia no Prime traz drama perturbador que consagra Nicole Kidman  Dizer que o tempo não passou para Nicole Kidman seria tão leviano quanto irresponsável. E isso é bom. No charme (ainda fatal) de seus 54 anos, a australiana mostra que tem muita lenha para queimar e escancara o quanto as décadas de experiência lhe fizeram bem, principalmente para composição de personagens mais complexas e maduras. Nada de gatinhas vulneráveis. Ancorando a nova série Nine Perfect Strangers, disponível na Amazon Prime Video, a eterna suicide blonde de Hollywood – ok, vamos dividir o posto com Sharon Stone – empresta toda sua aura de diva para dar vida à mística Masha, uma espécie de guru dos novos tempos que desenvolveu uma técnica terapêutica polêmica, pouco acessível e para lá de exclusiva. Em um lúdico e misterioso retiro, a “Tranquillum House”, a exotérica propõe uma nova abordagem de tratamento para condições mentais e psicossociais manifestadas de diferentes formas em cada um dos nove estranhos, “...

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda...