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No ano de Dilma, o câncer de Lula

Artigo de restrospectiva, escrito para o Correio da Cidadania.
Feliz Natal e um excelente 2012 para todos.


“O futuro da política brasileira está nos prontuários do Hospital Sírio Libanês”, escreveu o jornalista Elio Gaspari em uma pequena nota cifrada em sua coluna, no final deste ano. O colunista da Folha e do Globo é um sujeito bem informado e a nota fazia referência óbvia não apenas à enfermidade que acometeu o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, mas também ao câncer linfático que a presidenta Dilma Rousseff tratou dois anos atrás.

Dilma venceu a batalha das quimioterapias, ganhou a eleição e assumiu a presidência em um momento particularmente complicado, com o agravamento da crise econômica internacional. Alguns analistas gostam de falar em crise da Europa, mas a verdade é que se trata de um mesmo processo, iniciado em 2008/09 com a falência de um sistema creditício criado no coração do capitalismo, os Estados Unidos.


Até agora, no entanto, a crise não bateu forte nos chamados países emergentes, isto é, na periferia do sistema. Lula passou por isto também e saiu razoavelmente incólume em sua arriscada marolinha, que na verdade significou um ano de estagnação econômica – resultado bastante positivo dentro do contexto, é bom que se diga.


Diferentemente da gestão Lula, o governo Dilma parece mais ágil e menos ortodoxo na reação à crise, tomando medidas corajosas de estímulo à produção em um “timing” apropriado, com redução na taxa de juros e redução de tributos para combater os efeitos da estagnação externa.


No momento, apesar da esperada retração também na economia brasileira, a estratégia parece estar dando certo, o consumo interno continua puxando o crescimento do país, o que se reflete nas taxas altas de aprovação ao governo e à presidenta. Se isto vai funcionar em 2012 é tema do próximo artigo, o que vale aqui é perceber que, em 2011, Dilma foi bem sucedida na seara econômica, mantendo o país nos eixos e inclusive desafiando o discurso e a pressão do mercado financeiro por uma política econômica mais ortodoxa.


Observando o novo governo desta ótica, a política propriamente dita parece ter simplesmente desaparecido. E no fundo, é isto mesmo, mas o fato não é novo, diz respeito muito mais ao governo do presidente Lula e sua inesgotável capacidade de promover consensos e reduzir o espaço da oposição – à direita e à esquerda.


Oposição em transe (e em crise)


Dilma herdou e parece ter conseguido aprimorar a tática lulista. A grande novidade em 2011 foi a total desarticulação da oposição. Na verdade, olhando mais de perto, o movimento em curso é de rearticulação das forças oposicionistas. À direita, nasceu pelas mãos do prefeito paulistano Gilberto Kassab um novo partido. Segundo seu fundador, o PSD não é “nem de centro, nem de direita e nem de esquerda”, mas o fato é que seu nascimento já provocou enorme desidratação no DEM, antigo PFL, e, em menor medida, no PSDB.


Ao DEM restou, além de uma certa vergonha de aderir ao governo Dilma, um espaço periférico nos grotões, atualmente dominados pelo PT. O PSDB vive uma crise de identidade, sem liderança após a submersão de José Serra em virtude de mais uma derrota eleitoral no plano nacional. Como o “sucessor natural”, Aécio Neves (sim, a fila anda) também não ocupou espaço algum. Restou ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso o papel de porta-voz do tucanato.


O problema é que FH está hoje mais empenhado em discutir a questão das drogas ou das cotas raciais – com posicionamento inclusive contraditório em relação ao de seu partido – do que EM fazer oposição a uma presidenta que lhe tem feito deferências e convidado para convescotes de menor importância, mas suficientes para tolher qualquer ímpeto crítico por parte do grão tucano. Também não se nota no governador de São Paulo, Geraldo Alckmin, disposição para o confronto, ao menos até este momento – talvez estejam lhe tomando tempo e energia as questões internas e locais, tendo em vista o enorme imbróglio em que o PSDB se meteu na escolha do candidato a prefeito em 2012.


Por fim, surge o PSD, que sob a liderança de Kassab conseguiu em tempo hábil não apenas as assinaturas necessárias para validar o partido para as próximas eleições como o ingresso de lideranças importantes, como a ruralista Kátia Abreu, o governador de Santa Catarina, Raymundo Colombo, e o vice-governador de São Paulo, Guilherme Afif Domingos. Na prática, o PSD vai se tornando a quarta força política do país, atrás de PT, PMDB e PSDB, ao menos quando se considera a sua expressão parlamentar na Câmara Federal.


Na verdade, o partido de Kassab terá seu primeiro teste nas urnas no próximo ano, mas, para além de qualquer resultado eleitoral, vale ressaltar o significado político de seu nascimento: trata-se de mais uma alternativa no espectro de centro-direita, porém sem a pecha um tanto antiquada do DEM. E, o que é mais importante, trata-se de uma legenda que no fundo é um porto seguro para eventual ruptura de José Serra com o tucanato – cenário que alguns analistas já dão como provável. Neste caso, obviamente, a legenda abrigaria o sonho presidencial de Serra, aparentemente seu único projeto político (ou de vida) e que tem sido bombardeado pelos tucanos ligados a Aécio Neves.


Noves fora zero, fecha-se assim o quadro da oposição à direita da presidenta Dilma: persistência da crise de identidade dos adversários, que não conseguem, desde 2002, apresentar um discurso alternativo sem apelar para temas morais (aborto, em especial) ou para o velho discurso udenista da oposição.


Mídia contra Dilma e a “faxina do lulismo”


Com as forças de direita desnorteadas, quem forçou o embate com o petismo neste ano foi a parcela mais conservadora da imprensa nacional. Desde o primeiro dia do governo Dilma, a revista Veja, em especial, parece ter adotado uma estratégia um tanto arriscada, qual seja, a de seguir com o discurso udenista anti-corrupção, com alvos na Esplanada dos Ministérios, porém creditando os “malfeitos” como uma suposta herança do seu antecessor.


Em parte, a imprensa conservadora atingiu o objetivo de derrubar ministros – média de um a cada dois meses em 2011, se mais nenhum cair até o fechamento deste artigo, o que não seria improvável.


Ao mesmo tempo, porém, está sendo gestado um novo mito, o da “faxineira” Dilma, presidente dura e honesta, que repele qualquer tipo de corrupção e toca seu governo com o pulso firme característico das mulheres bravas, chefes que metem medo nos subordinados.


Como há uma reforma ministerial pela frente em janeiro, o “governo Dilma” irá finalmente começar e será interessante acompanhar, em 2012, o tratamento que a mídia conservadora vai dispensar para a nova fase da gestão da primeira mulher a sentar na cadeira de presidente da República.


Pauta ambiental e a falta de pauta da esquerda

Seguimos, por fim, para a oposição à esquerda de Dilma. No fundo, os problemas que se apresentam para a ultra-esquerda são parecidos com os da oposição de direita, com pequenas variações. Da mesma forma que Lula tomou do PSDB diversas práticas e alguns discursos, esvaziando o tucanato como alternativa, o ex-presidente demarcou terreno no campo da esquerda, colocando o verniz vermelho em seu governo.


A questão não é de conteúdo, mas de forma. Lula consolidou uma imagem de homem de esquerda e, ainda que já não seja, é assim visto. Um brasileiro médio vai sempre afirmar que Lula e Dilma estão posicionados à esquerda no espectro político, de forma que soa até um pouco ridículo para a ultra-esquerda fazer ataques ácidos ao “direitismo” petista. O discurso cola com muito poucos e as forças de esquerda, como as de direita, não conseguiram endereçar um discurso consistente e alternativo ao que o PT de Lula e Dilma oferecem.


Se a falta de pauta é óbvia, restou à oposição de esquerda neste ano de 2011 uma aliança com os ambientalistas/conservacionistas, comandados no Brasil pela ex-ministra Marina Silva. Curiosamente, o embate político mais interessante do ano opôs Marina e o agora ministro dos Esportes, Aldo Rebelo (PCdoB). Este colunista entende pouco da matéria e prefere não entrar no mérito da discussão em si, mas cabe a observação de que o relatório de Aldo foi bem defendido pelo deputado comunista e, em que pesem as acusações de alinhamento com os ruralistas, não é possível duvidar nem da integridade e muito menos da firmeza ideológica de Rebelo. Ruralista, ele realmente não é.


O comportamento dos marineiros, aliados às forças de esquerda durante o embate, infelizmente lembrou as práticas da direita, com tentativa de desqualificar o relator ou a senadora Kátia Abreu, esta sim, de fato defensora dos produtores rurais. Ao fim e ao cabo, quem acabou levando a melhor foi o governo, que queria aprovar logo o relatório de Rebelo com o menor número de modificações possíveis.

Com a derrota, ficou nítida a falta de agenda da esquerda, que pouco propôs proativamente, caminhando a reboque da pauta ambiental. Tudo isto em um cenário de crise internacional do capitalismo, isto é, com um prato cheio logo ao lado para que reflexões e críticas mais profundas fossem apresentadas.


Lula e Dilma, Dilma e Lula


Política, em alguns momentos, lembra o futebol. Quem pede recebe, quem se desloca tem preferência. Ou, como também afirmou este grande filósofo da bola chamado Neném Prancha: “O importante é o principal, o resto é secundário”. No momento, Dilma e Lula, para lembrar a frase de Elio Gaspari sobre a importância dos prontuários do Sírio Libanês, são a centralidade da política nacional, para o bem ou para o mal. Com uma oposição fragilizada e incapaz, o PT vai ampliando seu projeto de poder e forjando seus próprios mitos.


Em 2014, se Lula recuperar a saúde – e todos nós desejamos o pronto reestabelecimento do ex-presidente -, o PT terá duas boas opções para permanecer no poder mais quatro anos: o homem que venceu o câncer, depois de vencer a miséria e toda sorte de infortúnios, vindo a se tornar presidente em um período de crescimento da economia nacional; e a mulher que moralizou a política nacional e, se tudo funcionar bem até lá, dirigiu o transatlântico Brasil nos mares turbulentos da crise internacional. São dois mitos fortes, que inclusive podem servir em cenários diversos – um agravamento da crise pede o carisma de Lula; uma situação mais tranquila na economia sustenta a candidatura de Dilma.


Difícil vislumbrar algo com potencial de derrubar o projeto político de poder, ao menos no curto prazo e ressalvada a hipótese de uma hecatombe na economia mundial. Mantidas as atuais condições de temperatura e pressão, o protagonismo da política nacional permanece com Dilma e Lula. No Sírio Libanês, portanto...

Comentários

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