Rennan Setti e Mariana Barbosa relatam na revista Época como
as empresas brasileiras estão se preparando para o período de isolamento social
enquanto esperam a prometida ajuda do governo. Boa reportagem, vale a leitura,
abaixo, na íntegra:
Em tempos felizes, quando a economia cresce a altas taxas,
todas as empresas tendem a ficar parecidas, com receitas cada vez maiores e
muita confiança no futuro. Quando uma crise de grandes proporções acontece,
como agora, cada empresa parece infeliz a sua maneira. Devido ao necessário
isolamento social para conter a disseminação do novo coronavírus, a previsão de
uma recessão global é quase uma unanimidade — e o Brasil deverá acompanhar essa
tendência. Por isso, o que se viu nos últimos dias foi uma corrida entre os
empresários para avaliar quanto têm em caixa, identificar gastos que podem ser
rapidamente cortados, negociar com os fornecedores e ver se há linhas de
crédito abertas nos bancos.
As maiores companhias já estão tomando decisões para
preservar o caixa, entre elas o adiamento da distribuição e o corte de
dividendos. Nos últimos dias, a Petrobras anunciou que só pagará em dezembro o
R$ 1,7 bilhão que distribuiria em maio aos acionistas, além de ter reduzido em
US$ 3,5 bilhões os investimentos deste ano. A empresa também vai cortar em até
30% o salário dos funcionários. A EDP Brasil, de energia elétrica, cortou em
mais de 70% o valor dos dividendos. Já a Renner vai propor aos acionistas um
corte pela metade, o mínimo obrigatório. “Essa crise é diferente de qualquer
outra. Esse choque brutal na demanda do consumidor, por causa do isolamento,
jamais foi visto. Muitas empresas estão faturando próximo a zero”, disse
Ricardo Carvalho, diretor sênior da Fitch, agência de classificação de risco de
crédito.
Um estudo da consultoria Economatica e da Fundação Instituto
de Pesquisas Econômicas (Fipe) mostrou que, entre 245 empresas abertas, 57
(23,3%) ficariam com caixa negativo após um mês sem gerar receita. Se o
faturamento secar ao longo de três meses, quase metade delas (48,6%) entraria
no vermelho. Diante desse quadro, a BRF, gigante da área de alimentos, contratou
uma linha de crédito de R$ 1,4 bilhão, com prazo de um ano. O objetivo é,
justamente, reforçar o caixa. Já a Petrobras anunciou que vai sacar US$ 8
bilhões de uma linha de crédito compromissada, uma espécie de cheque especial
corporativo. Embora estejam mais seletivos, os bancos têm financiado as
empresas maiores e com perfil de crédito mais sólido. Mas a boa vontade é
desigual. Em carta ao Banco Central, varejistas se queixaram que os bancos
subiram os juros de empréstimos em até 70%.
Na maior parte das empresas pequenas, a realidade é bem
diferente. Elas, em geral, não têm dinheiro para mais de um mês sem receitas.
Por isso, esperam, com urgência, a chegada do apoio prometido pelo governo. O
temor maior é ter de demitir de forma generalizada. Nas principais cidades
brasileiras, bares e restaurantes estão proibidos de receber clientes em seus
salões, o que já provocou a perda de 100 mil empregos. O impacto deverá
triplicar nas próximas semanas, projeta a Abrasel, associação do setor. No
segmento de turismo, a perda de receita é estimada em R$ 2,2 bilhões só na
primeira quinzena de março. Cerca de 115 mil empregos formais estão ameaçados,
segundo estimativa da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e
Turismo (CNC).
O governo anunciou políticas para manter as companhias
respirando por aparelhos enquanto a economia se recolhe para achatar a curva de
contágio. Mas a maioria ainda não se concretizou. “Elas vão na direção correta,
mas têm de chegar rápido antes que as empresas quebrem”, disse Sérgio
Lazzarini, professor do Insper. Para ele, o foco do pacote emergencial devem
ser as empresas menores, uma vez que as grandes já têm acesso aos bancos. Para
esse segmento, o governo promete medida provisória (MP) que viabiliza uma linha
de crédito de R$ 40 bilhões para o pagamento de funcionários por dois meses. Há
também o adiamento do pagamento de tributos por empresas do Simples Nacional. O
governo permitiu que as companhias reduzam em até 70% o salário e a jornada de
todos os seus funcionários. Segundo Paulo Solmucci Jr., presidente da Abrasel,
essa medida ajudará a impedir uma grande quebradeira. Muitos setores, como o de
aviação, pedem uma atenção especial. A expectativa é que o BNDES lance até o
fim de abril um instrumento financeiro para socorrer as aéreas, num programa
que pode ser replicado para outros setores. “Políticas direcionadas precisam
ser muito bem pensadas, para evitar que o BNDES acabe novamente sócio de um
monte de empresas pelos próximos anos. É importante salvar as companhias, mas
temos de avaliar caso a caso, pois alguns setores poderão passar por um choque
negativo permanente”, disse Lazzarini.
Enquanto a ajuda governamental não chega, as companhias
adaptam os negócios para reduzir os prejuízos. No varejo, a rota de fuga
natural tem sido o comércio eletrônico. A maior rede do varejo de brinquedos do
país, a Ri Happy, tenta compensar com uma aposta agressiva nas vendas on-line
parte das perdas com o fechamento de suas 284 lojas. A empresa transformou 25
unidades ociosas em mini-centros de distribuição (CDs). O objetivo é que eles
permitam entregar encomendas no mesmo dia nas principais cidades em que a Ri
Happy atua por meio de um novo canal de vendas virtual: o WhatsApp. Cada uma
dessas lojas convertidas em CDs ganhou um número e passou a contatar os
consumidores com base em dados de CRM (sigla em inglês para Gestão de
Relacionamento com o Cliente) e geolocalização. E o consumidor pode finalizar a
compra por meio do próprio aplicativo de mensagens. A Ri Happy também quer
impulsionar o faturamento com o e-commerce transformando sua mão de obra, em
grande parte parada por causa da pandemia, em seus revendedores virtuais.
Qualquer um dos 4 mil funcionários da empresa — das equipes que atuam em lojas
ao pessoal administrativo — poderá promover os produtos disponíveis no site da
Ri Happy em sua rede de contatos, ganhando uma comissão sobre cada venda
conquistada. “A gente planejava lançar esse modelo nos próximos meses, mas, com
a chegada da pandemia, aceleramos o projeto e lançamos agora”, explicou o
presidente da Ri Happy, Héctor Núñez, que disse não ter demitido nenhum
funcionário até agora.
Comentários
Postar um comentário
O Entrelinhas não censura comentaristas, mas não publica ofensas pessoais e comentários com uso de expressões chulas. Os comentários serão moderados, mas são sempre muito bem vindos.