Uma metáfora para os tempos de pandemia
Uma boa dica para quem está em isolamento social – sim, tem gente que não está nada isolado, como já é possível perceber nas ruas das grandes cidades brasileiras – é o filme espanhol O Poço, em exibição no Netflix. Dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia, a fita é uma alegoria muito simples da sociedade capitalista, mas com um final surpreendente e dúbio, deixando para quem está assistindo a tarefa de interpretar (ou depois ir ao Google e buscar as diferentes interpretações do desenlace).
O enredo conta a história de pessoas que estão confinadas em um lugar, o Poço, uma espécie de prisão vertical em que as celas possuem um buraco no meio, pelo qual passa uma mesa inicialmente repleta de comida. Tudo no filme, aliás, gira em torno do consumo de comida e, claro, da sobrevivência diária. Há algumas regras no local: menores de 16 anos não entram, cada um leva um único objeto, não é possível guardar comida para depois – todos devem comer durante o tempo que a plataforma esteja na cela, o que dura poucos minutos, de forma que as celas dos andares mais baixos comem as sobras dos mais altos, até que em um certo ponto não haja sobra alguma. E a última regra: a cada mês, todos mudam aleatoriamente de andar.
Gorgen (Iván Massagué) é o protagonista que acompanhamos ao longo de angustiantes 94 minutos. Ele está á voluntariamente, para parar de fumar e ler o livro que levou como seu objeto, o clássico Don Quixote. Trimagazi (Zorion Eguileor) é seu primeiro companheiro de cela, que explica o funcionamento do Poço de uma forma bastante direta e pragmática: “há os de cima, há os debaixo e há os que caem” – na verdade, se jogam. Outra personagem central na trama é Miharu (Alexandra Masangkay), mulher cuja angústia é não saber onde está sua filha, o que a leva a viajar na plataforma procurando a suposta criança.
Aliás, cabe uma advertência para almas sensíveis: é preciso ter estômago forte para assistir o filme, há diversas cenas de canibalismo e muito sangue, mas muito mesmo, jorra ao longo da hora e meia de duração de O Poço.
Uma primeira leitura do filme aponta para uma mensagem pessimista, de inviabilidade do ser humano e da vida em sociedade. O final misterioso, porém, e sem spoilers aqui, aponta em uma outra direção. Do andar mais profundo, Gorgen – depois de fracassar na tentativa, ao lado de um novo companheiro de cela, Baharat (Emilio Buale), de levar um mínimo de racionalidade ao consumo da comida disponível, para que todos pudessem se alimentar – reencontra Trimagazi e envia ao primeiro andar uma mensagem de esperança contra a estupidez humana, a mesma presente hoje no comportamento de muita gente diante da crise provocada pela pandemia do coronavírus.
“Farinha pouca, meu pirão primeiro”, como tanto se viu no Santa Luzia, supermercado da elite paulistana, no início do período de quarentena. Se há algo que o filme traz e tem um forte paralelo com o momento que vivemos, é a crítica ferina ao comportamento humano em relação ao consumo. E é por isto que vale muito ver O Poço, ainda que fechando os olhos nas cenas mais violentas. Portanto, #ficaadica!
(Por Luiz Antonio Magalhães em 5/4/2020)
Uma boa dica para quem está em isolamento social – sim, tem gente que não está nada isolado, como já é possível perceber nas ruas das grandes cidades brasileiras – é o filme espanhol O Poço, em exibição no Netflix. Dirigido por Galder Gaztelu-Urrutia, a fita é uma alegoria muito simples da sociedade capitalista, mas com um final surpreendente e dúbio, deixando para quem está assistindo a tarefa de interpretar (ou depois ir ao Google e buscar as diferentes interpretações do desenlace).
O enredo conta a história de pessoas que estão confinadas em um lugar, o Poço, uma espécie de prisão vertical em que as celas possuem um buraco no meio, pelo qual passa uma mesa inicialmente repleta de comida. Tudo no filme, aliás, gira em torno do consumo de comida e, claro, da sobrevivência diária. Há algumas regras no local: menores de 16 anos não entram, cada um leva um único objeto, não é possível guardar comida para depois – todos devem comer durante o tempo que a plataforma esteja na cela, o que dura poucos minutos, de forma que as celas dos andares mais baixos comem as sobras dos mais altos, até que em um certo ponto não haja sobra alguma. E a última regra: a cada mês, todos mudam aleatoriamente de andar.
Gorgen (Iván Massagué) é o protagonista que acompanhamos ao longo de angustiantes 94 minutos. Ele está á voluntariamente, para parar de fumar e ler o livro que levou como seu objeto, o clássico Don Quixote. Trimagazi (Zorion Eguileor) é seu primeiro companheiro de cela, que explica o funcionamento do Poço de uma forma bastante direta e pragmática: “há os de cima, há os debaixo e há os que caem” – na verdade, se jogam. Outra personagem central na trama é Miharu (Alexandra Masangkay), mulher cuja angústia é não saber onde está sua filha, o que a leva a viajar na plataforma procurando a suposta criança.
Aliás, cabe uma advertência para almas sensíveis: é preciso ter estômago forte para assistir o filme, há diversas cenas de canibalismo e muito sangue, mas muito mesmo, jorra ao longo da hora e meia de duração de O Poço.
Uma primeira leitura do filme aponta para uma mensagem pessimista, de inviabilidade do ser humano e da vida em sociedade. O final misterioso, porém, e sem spoilers aqui, aponta em uma outra direção. Do andar mais profundo, Gorgen – depois de fracassar na tentativa, ao lado de um novo companheiro de cela, Baharat (Emilio Buale), de levar um mínimo de racionalidade ao consumo da comida disponível, para que todos pudessem se alimentar – reencontra Trimagazi e envia ao primeiro andar uma mensagem de esperança contra a estupidez humana, a mesma presente hoje no comportamento de muita gente diante da crise provocada pela pandemia do coronavírus.
“Farinha pouca, meu pirão primeiro”, como tanto se viu no Santa Luzia, supermercado da elite paulistana, no início do período de quarentena. Se há algo que o filme traz e tem um forte paralelo com o momento que vivemos, é a crítica ferina ao comportamento humano em relação ao consumo. E é por isto que vale muito ver O Poço, ainda que fechando os olhos nas cenas mais violentas. Portanto, #ficaadica!
(Por Luiz Antonio Magalhães em 5/4/2020)
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