Luciano Buarque de Holanda escreve resenha no Valor sobre a série mais comentada nos últimos dias, vale a leitura.
Há cinco anos, o documentarista Eric Goode investigava o tráfico de cobras venenosas na Flórida quando, por acaso, esbarrou num tema mais urgente. Um dos entrevistados lhe chamou num canto e disse: “Olha só o que comprei!”.
Notório conservacionista, Goode não pôde acreditar no que viu. Na van do sujeito havia um raro leopardo das neves, espremido numa gaiola sob um calor de 37°C. A partir daí, ele mergulhou numa cruzada pessoal para descortinar o submundo dos cativeiros de grandes felinos nos EUA, incrivelmente abundantes.
A figura central de “A Máfia dos Tigres” é Joe Exotic, codinome perfeito para o infame proprietário do G.W. Zoo, um zoológico de beira de estrada do Oklahoma. Trata-se de um personagem que a ficção não seria capaz de inventar com a mesma riqueza de detalhes.
Gay assumido, casado com dois rapazes musculosos, Joe se divide como “entertainer”, astro do YouTube e cantor country. Ostenta um extravagante “mullet”, combinado num figurino de caubói metaleiro.
Além de colecionar centenas de feras selvagens, como tigres, leões, leopardos, ursos e babuínos, também possui um vasto arsenal de armas militares, pronto para apontar para os militantes de defesa animal que teimam em invadir seu território.
Em sua órbita, gravitam toda sorte de desajustados sociais. Joe tem como política pessoal contratar apenas excluídos - ex-presidiários, gente com passado de drogas etc. Como veremos, esse será um meio de manter sua folha de pagamento no nível mais baixo possível, uma vez que seus funcionários ficam gratos apenas por receberem uma segunda chance, instalados em decrépitos “motor homes”.
“A Máfia dos Tigres” vem sendo vendido como um equivalente de “Blackfish” à situação dos grandes felinos em cativeiro nos EUA. O citado documentário de 2013 teve um profundo impacto ecossocial, levando o SeaWorld a abolir seus shows com orcas. De fato, Goode não falha em denunciar os maus-tratos e as condições insalubres dos cativeiros.
Os felinos de Joe Exotic, por exemplo, sobrevivem numa dieta à base de carnes vencidas, coletadas dos lixos de grandes supermercados. Mais grotesca ainda é a revelação de que muitos tigres, numa certa idade em que deixam de ser lucrativos, acabam “desaparecendo” na calada da noite.
A minissérie, porém, desenvolve-se sob a cartilha do gênero “true crime”, com seu devido percentual de sensacionalismo. Cada um dos sete episódios reserva ao fim uma revelação chocante, não necessariamente relevante à mensagem ecológica.
Desde os primeiros minutos, sabemos que Joe Exotic encontra-se numa prisão federal. O que o levou a uma sentença de 22 anos, no entanto, permanece um mistério, revelado a conta-gotas. A narrativa se sustenta no suspense, na cadeia de eventos bizarros.
Joe não é o único criador excêntrico de “A Máfia dos Tigres”. Goode entrevista Doc Antie, guru da ioga animal, que circula em seu parque montado num elefante. Ele tem oito mulheres, todas elas funcionárias bem mais jovens, rigorosamente submetidas a figurinos decotados e implantes de silicone.
Colecionador particular, Mario Tabraue é uma lenda no meio. Chefe confesso de um cartel de cocaína, ele se compara ao Tony Montana de “Scarface” com orgulho e não hesita em contar que um de seus inimigos foi retalhado e carbonizado dentro de sua propriedade.
Na contramão de todos, encontramos Carole Baskin, ativista dos direitos animais que mantém uma reserva destinada a felinos resgatados. Para Joe Exotic e o resto da concorrência, ela é uma dissimulada, que mantém o mesmo tipo de negócio, amparada pelo pseudoaltruísmo e por estagiários dispostos a trabalhar de graça. No segundo episódio, a integridade de Carole entra em xeque, devido a sombra do misterioso desaparecimento de seu ex-marido.
Febre na Netflix, “A Máfia dos Tigres” ganhou um episódio especial, intitulado “The Tiger King and I”. Apresentado pelo ator Joel McHale (“Community”), o programa reúne personagens do documentário em entrevistas inéditas, realizadas após o sucesso da minissérie. A história de Joe Exotic também deve virar um longa-metragem produzido por Ryan Murphy (“American Crime Story”) e estrelado por Rob Lowe.
Há cinco anos, o documentarista Eric Goode investigava o tráfico de cobras venenosas na Flórida quando, por acaso, esbarrou num tema mais urgente. Um dos entrevistados lhe chamou num canto e disse: “Olha só o que comprei!”.
Notório conservacionista, Goode não pôde acreditar no que viu. Na van do sujeito havia um raro leopardo das neves, espremido numa gaiola sob um calor de 37°C. A partir daí, ele mergulhou numa cruzada pessoal para descortinar o submundo dos cativeiros de grandes felinos nos EUA, incrivelmente abundantes.
A figura central de “A Máfia dos Tigres” é Joe Exotic, codinome perfeito para o infame proprietário do G.W. Zoo, um zoológico de beira de estrada do Oklahoma. Trata-se de um personagem que a ficção não seria capaz de inventar com a mesma riqueza de detalhes.
Gay assumido, casado com dois rapazes musculosos, Joe se divide como “entertainer”, astro do YouTube e cantor country. Ostenta um extravagante “mullet”, combinado num figurino de caubói metaleiro.
Além de colecionar centenas de feras selvagens, como tigres, leões, leopardos, ursos e babuínos, também possui um vasto arsenal de armas militares, pronto para apontar para os militantes de defesa animal que teimam em invadir seu território.
Em sua órbita, gravitam toda sorte de desajustados sociais. Joe tem como política pessoal contratar apenas excluídos - ex-presidiários, gente com passado de drogas etc. Como veremos, esse será um meio de manter sua folha de pagamento no nível mais baixo possível, uma vez que seus funcionários ficam gratos apenas por receberem uma segunda chance, instalados em decrépitos “motor homes”.
“A Máfia dos Tigres” vem sendo vendido como um equivalente de “Blackfish” à situação dos grandes felinos em cativeiro nos EUA. O citado documentário de 2013 teve um profundo impacto ecossocial, levando o SeaWorld a abolir seus shows com orcas. De fato, Goode não falha em denunciar os maus-tratos e as condições insalubres dos cativeiros.
Os felinos de Joe Exotic, por exemplo, sobrevivem numa dieta à base de carnes vencidas, coletadas dos lixos de grandes supermercados. Mais grotesca ainda é a revelação de que muitos tigres, numa certa idade em que deixam de ser lucrativos, acabam “desaparecendo” na calada da noite.
A minissérie, porém, desenvolve-se sob a cartilha do gênero “true crime”, com seu devido percentual de sensacionalismo. Cada um dos sete episódios reserva ao fim uma revelação chocante, não necessariamente relevante à mensagem ecológica.
Desde os primeiros minutos, sabemos que Joe Exotic encontra-se numa prisão federal. O que o levou a uma sentença de 22 anos, no entanto, permanece um mistério, revelado a conta-gotas. A narrativa se sustenta no suspense, na cadeia de eventos bizarros.
Joe não é o único criador excêntrico de “A Máfia dos Tigres”. Goode entrevista Doc Antie, guru da ioga animal, que circula em seu parque montado num elefante. Ele tem oito mulheres, todas elas funcionárias bem mais jovens, rigorosamente submetidas a figurinos decotados e implantes de silicone.
Colecionador particular, Mario Tabraue é uma lenda no meio. Chefe confesso de um cartel de cocaína, ele se compara ao Tony Montana de “Scarface” com orgulho e não hesita em contar que um de seus inimigos foi retalhado e carbonizado dentro de sua propriedade.
Na contramão de todos, encontramos Carole Baskin, ativista dos direitos animais que mantém uma reserva destinada a felinos resgatados. Para Joe Exotic e o resto da concorrência, ela é uma dissimulada, que mantém o mesmo tipo de negócio, amparada pelo pseudoaltruísmo e por estagiários dispostos a trabalhar de graça. No segundo episódio, a integridade de Carole entra em xeque, devido a sombra do misterioso desaparecimento de seu ex-marido.
Febre na Netflix, “A Máfia dos Tigres” ganhou um episódio especial, intitulado “The Tiger King and I”. Apresentado pelo ator Joel McHale (“Community”), o programa reúne personagens do documentário em entrevistas inéditas, realizadas após o sucesso da minissérie. A história de Joe Exotic também deve virar um longa-metragem produzido por Ryan Murphy (“American Crime Story”) e estrelado por Rob Lowe.
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