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Mostrando postagens de março, 2021

300 mil mortos e a guerra das vacinas

Abertura da Newsletter da LAM Comunicação. A segunda onda da pandemia pegou o Brasil de jeito. Em 75 dias houve um salto de 200 mil para 300 mil mortes em decorrência da doença, que agora afeta pessoas mais jovens, em “idade útil”, como gostam de dizer os economistas, ou seja, gente que faz parte da População Economicamente Ativa (PEA). Tudo isto acontecendo em paralelo à campanha de vacinação, mais lenta do que se esperava. Em termos políticos, o agravamento da situação já derrubou o ministro da Saúde e levou o governo federal a ceder e aceitar que é necessário articular ações em conjunto com os governadores e secretários de Saúde dos estados. Mais ainda, o próprio presidente mudou sua postura, aparece usando máscara e parou de tratar como “gripezinha” a doença provocada pelo vírus, que por sinal já matou mais do que a AIDS em décadas, sem que tenha sido criada uma vacina contra ela. As vacinas, por sinal, provocaram uma verdadeira guerra entre o presidente Jair Bolsonaro e o governo

Aluga-se um amigo: inteligência artificial cria parceiros eletrônicos

“Você é uma pessoa muito importante e pode sempre contar comigo.” Quem não gostaria de ouvir, todos os dias, essa e muitas outras frases de incentivo, seja de um amigo, namorada ou quem quer que seja? Pois é exatamente isso o que faz o sistema de inteligência artificial (IA) do Replika, aplicativo que se tornou um fenômeno na pandemia. Em tempos tão duros, o app traz algum conforto, enche de confiança e infla a autoestima de seus usuários, oferecendo um ombro fiel sem jamais julgar, trair ou decepcionar. A relação entre uma pessoa de carne e osso e um chatbox, como é chamado o programa de computador que simula um ser humano, foi retratada em filmes de sucesso como Ela (2013), no qual o protagonista, o escritor Theodore (Joaquin Phoenix), acaba se apaixonando por Samantha, um sistema de computador narrado pela voz sedutora da atriz Scarlett Johansson. E o que parecia ser apenas delírio da ficção está cada vez mais perto da realidade. O Replika ultrapassou a marca de 15 milhões de downlo

O retorno da inflação

Depois de seis anos, a alta da taxa básica de juros, decidida pelo Banco Central na semana passada, veio mais forte do que o mercado esperava. Pressionado por uma inflação que chegou a 5%, aproximando-se do teto da meta, o Comitê de Política Monetária já anuncia que o aperto monetário vai prosseguir nas próximas reuniões. As más notícias domésticas, no entanto, não são a única fonte da alta dos juros no Brasil: com bons números da recuperação econômica nos Estados Unidos, o avanço da vacinação no país de Joe Biden e a sanção do pacote de auxílio de US$ 1,9 trilhão, investidores começam a exigir um retorno maior dos títulos americanos, suscitando especulações sobre o retorno da inflação também lá. “O pacote e a vacinação melhoram a perspectiva de crescimento americano. Os juros sobem porque há um sinal de que os capitais vão tomar o rumo dos EUA. Com isso, investidores passam a ver um país como o Brasil como mais arriscado”, afirma o economista José Júlio Senna, chefe do Centro de Estud

Amir Labaki: Oscar reafirma renovação

O devastador impacto da pandemia de covid-19 sobre a indústria de cinema tem como rara consequência positiva haver emprestado novo impulso ao processo de “aggiornamento” da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood e de seu prêmio máximo anual, o Oscar. A lista de indicados para a disputa da 93ª edição do Oscar demarca uma aceleração no movimento visando tornar o prêmio mais independente e internacional, assim como mais diverso em gênero e etnias. A reforma provocada no fim da última década pelas campanhas #OscarsSoWhite e #MeToo, aplaudida nesta coluna pelo menos nas últimas três edições, ganhou tração neste ano, mas a lista de concorrentes não representa um novo movimento ou uma surpreendente ruptura, escreve Amir Labaki no Valor, em texto publicado dia 26/3. Continua abaixo.   Duas mulheres entre os indicados a melhor direção, 9 dos 20 intérpretes concorrentes representando etnias antes marginalizadas e maior presença de produções independentes na disputa de mel

Christian Dunker escreve a biografia da depressão

 Christian Dunker - conhecido psicanalista, professor titular do Instituto de Psicologia da USP e presença na mídia - organiza de forma criativa essa abrangente história da depressão, ao organizá-la como uma biografia com episódios intitulados de forma sugestiva, que atiçam a curiosidade do leitor. Inicia a biografia com os nobres “antecedentes familiares” da depressão: a melancolia e a tristeza (acídia), descritos por Aristóteles e por monges medievais, bem como por escritores como Richard Burton (“A Anatomia da Melancolia”, de 1621).  O “nascimento” da depressão se dá em 1785, quando William Cullen retira a melancolia de suas origens ilustres e a inscreve no domínio da medicina, transformando-a numa das “doenças dos nervos”. O aparecimento da “depressão” coincide com a instalação do romantismo nas artes, o que dá oportunidade a Dunker de estabelecer aproximações entre o transtorno e vários artistas, como Turner, Edvard Munch, Edward Hopper, Lewis Carroll, Samuel Beckett e Van Gogh, e

Com Anthony Hopkins, “Meu Pai” concorre a 6 Oscars

Octogenário afetado pela demência já não reconhece as pessoas ao seu redor ou mesmo o apartamento onde mora. Seus dias são cada vez mais confusos, como se ele estivesse preso a uma realidade estranha. Até o relógio, que o idoso nunca sabe onde deixou, parece querer enganá-lo. Quando pensa ter sido chamado na cozinha para tomar o café da manhã porque ainda está de pijama, já é hora do jantar. E ele nem se lembra do que aconteceu naquele dia. Acompanhar o estrago da demência, da perspectiva de quem se sente o tempo todo desorientado, é o que torna “Meu Pai” uma obra humana e desconcertante. Indicado a seis prêmios Oscar, incluindo o de melhor filme e o de melhor ator, com Anthony Hopkins, o drama é inspirado no que o francês Florian Zeller testemunhou em família. Nos anos 1990, sua avó perdeu progressivamente as capacidades cognitivas, principalmente a memória, resenha Elaine Guerini no Valor, em 26/3. Continua abaixo. “A ideia é colocar o espectador nesse labirinto, no qual ele terá de

“A vacinação iniciou uma guerra geopolítica”, diz Boaventura de Sousa Santos

O coronavírus é a expressão das dificuldades e contradições de nosso tempo, e é com a pandemia que inauguramos, tardiamente, o século XXI. Essa visão, que permeia o pensamento do sociólogo português Boaventura de Sousa Santos, está esmiuçada no livro “O Futuro Começa Agora: Da Utopia à Pandemia” (Boitempo, 400 págs., R$ 77). Produzido no ano passado, antes da chegada da vacina, o livro foi escrito, nas palavras do autor, “entre o medo e a esperança”. Em entrevista ao Valor, Boaventura diz que o início da vacinação confirma sua abordagem de que a pandemia veio dar uma nova transparência e agravar as desigualdades no mundo. “O vírus é caótico, mas não democrático - basta ver como as taxas de letalidade variam não só de país para país, como também dentro de cada país consoante o rendimento e a condição social das pessoas.” Na sua opinião, a vacinação iniciou uma guerra geopolítica com várias dimensões que têm a ver, por um lado, com a medicina ocidental, dominada pelas grandes empresas mu

“Com a nossa velocidade de vacinação, não há perspectiva de crescimento”, diz José Júlio Senna, do Ibre

Para o economista José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getulio Vargas (FGV-Ibre), o contraste entre as perspectivas positivas da economia americana e as negativas da brasileira podem piorar um cenário que já é nebuloso para o país. Com os capitais dirigindo-se para a maior economia do planeta e o real se desvalorizando, as perspectivas para a inflação e a taxa Selic são ruins. Entre as causas do descolamento estão não só o lento avanço da vacinação, como problemas de mais longo prazo, como o desequilíbrio fiscal e a produtividade estagnada. A recente elevação da taxa de juros pelo Copom expressa a percepção de que, com o ambiente econômico se deteriorando mais rapidamente do que era previsto, existe o risco de que o Banco Central perca o controle das expectativas de inflação, escreve Diego Viana em 26/3, no Valor, na abertura da entrevista com Senna, que continua a seguir. Valor: A Selic subiu mais do que o mercado esp

Brasil está escancarado ao capitalismo de vigilância

O primeiro e-mail com pedido de entrevista para este texto foi enviado às 9h15 da manhã da segunda-feira 15 de março. Antes das 10h, chegou mensagem de uma assessoria sugerindo um especialista em vazamento de dados. Naquela tarde, ainda entrou na caixa postal uma newsletter sobre criptomanias. As mensagens se sucederam até o dia em que esta coluna começou a ser escrita, na sexta-feira 19. Chegou de tudo. Das últimas sobre evolução de pagamentos digitais à oferta de conteúdo compartilhado sob medidas para públicos específicos, passando por consultores de produtos algorítmicos para consumo digital e especialistas em potencializar vendas no Instagram. A leitura de “A Era do Capitalismo de Vigilância - A Luta por Um Futuro Humano na Nova Fronteira do Poder”, de Shoshana Zuboff (Intrínseca, 2021), mal chegara ao fim e já se desdobrava em aulas práticas, na tela do computador. A cada mensagem, ressoava a autora: “Esqueça o clichê que afirma que, se é de graça, ‘o produto é você’. Você não é

Vira, Lira, mira e tira

O analfabetismo e o alienamento político no Brasil nos últimos anos foram substituídos ou rivalizados por um tipo de comportamento orgulhoso que opera por meio de comandos simples, toscos, sem vergonha do próprio desconhecimento. A ignorância não se resume à falta de saber. É insensibilidade, truculência, brutalidade, desumanidade. Está no poder, nas ruas e nas redes sociais, onde conseguiu transformar o verbo compartilhar em informação falsa e ameaça à vida. Em 1999, nos tempos de deputado do baixo clero, Jair Bolsonaro, em sua fixação pela morte e pelo autoritarismo, defendeu um novo golpe militar e uma guerra civil para matar “uns 30 mil”, “começando com [o então presidente] FHC”. Durante a atual pandemia, em que o adjetivo de genocida vai grudando na imagem do ocupante do Planalto, os óbitos pelo coronavírus passaram dos 300 mil, depois de um ano de descaso, escreve Cristian Klein em artigo publicado no Valor na sexta, 26/3. Continua a seguir. Devido às subnotificações, o massacre

Estudos para um pedido de impeachment

Eu queria ir pra rua e queria que você fosse comigo. Estou cansada de bater panela e assinar manifesto. Não sou banqueiro nem economista famoso para que minha assinatura (ou a retirada dela) cause qualquer mudança ou comoção. Tem alguém na minha rua matando toda a vizinhança, e eu estou amarrada e amordaçada dentro de casa. E quando chegarem ao meu quintal e começarem a matar a minha família? Eu não estou fazendo nada nem você. Não, desculpa, falar mal do governo na sua bolha de WhatsApp, na sua bolha que lê a sua coluna no jornal, na sua bolha que te segue no Twitter não está adiantando, escreve Tati Bernardi em mais uma coluna matadora na Folha de S. Paulo, publicada sexta, dia 26/3. Vale a leitura, continua a seguir. Minha filha ontem me contou um sonho. Ela chegava na escola e encontrava todas as crianças doentes. Daí ela chorava, mas ninguém a levava para casa. Ela tem três anos, vive cercada de tanto privilégio que eu até me preocupo, penso se já não passou da hora de lhe apresen

A democracia fica mais segura com Bolsonaro sob ameaça

Jair Bolsonaro só entende a linguagem da ameaça, seja como agente, seja como alvo. E, nesse particularíssimo sentido, agiu bem Arthur Lira, presidente da Câmara. O “mau militar” (segundo Ernesto Geisel) está, como chefe do Executivo, abaixo da crítica: não fosse o morticínio em massa, ele não valeria nem uma boa lista de insultos. Com uniforme, seria inútil à guerra porque lhe falta raciocínio lógico, e todo tiro sairia pela culatra. Com o terno, não serve à paz. Está talhado para a arruaça e a briga de gangues. Não por acaso, o Exército o chutou. Ocorre que a política o capturou, e a Lava Jato o elegeu presidente. “Ah, foi o povo...” Eu sei. Segundo circunstâncias que não eram de sua escolha, escreve Reinaldo Azevedo em sua coluna na Folha de S. Paulo, publicada na sexta, 26/3. Continua a seguir. Até a semana passada, Bolsonaro buscava nos intimidar com um autogolpe. Lembro à margem: tinha parado com a tara “putchista” depois da prisão de Fabrício Queiroz. Voltou a roncar papo quando

O paradoxo do centro

Lula versus Bolsonaro. As sondagens indicam um segundo turno moldado pela mesma polarização política de 2018. Mas isso, como sabe qualquer especialista em pesquisas, é o som do passado —e eleições são sobre o futuro. Tanto o ex como o atual presidente comandam minorias consolidadas, potencialmente capazes de impulsioná-los ao turno derradeiro, mas não de garantir-lhes o triunfo diante de uma terceira opção. A paisagem é mais ampla que o cenário numérico: objetivamente, o chamado "centro" tem uma oportunidade singular de bater um e outro em 2022. Em tese, a missão exige apenas uma campanha eficaz de esclarecimento político. Não se trata de apontar, no plano ideológico, as simetrias verdadeiras e falsas (pois existem as duas) entre as candidaturas polares. Eleições só são sobre ideologia para a minoria que se imagina politizada. Trata-se de identificar e descrever dois fracassos históricos inapeláveis, escreve Demétrio Magnoli em sua coluna na Folha de S. Paulo, publicada sábad

Netflix: 200 milhões de lares, dez anos no Brasil e sucesso no Oscar

Após falar por quase quarenta minutos em videoconferência com VEJA, o americano Reed Hastings propõe: “Você conhece Los Angeles? Vou mostrar algo bacana”. O executivo de 60 anos — que em 1997 foi um dos fundadores da Netflix e seria o motor da transformação da empresa de entrega de DVDs pelo correio em gigante do streaming — caminha então até uma janela e vira a câmera para mostrar a vista de seu apartamento. Bem adiante se vê um ícone da cidade do cinema: a torre da Capitol Re¬cords, localizada a poucos quarteirões da Calçada da Fama. “Sou um cara afortunado”, diz. O comentário é despretensioso, mas ganha novo sentido nos dias que correm. Enquanto a indústria do cinema amargou perdas pesadas na pandemia, a Netflix seguiu impávida em sua rota de expansão com as pessoas em casa: adentrou 2021 com mais de 200 milhões de assinantes globais e prepara ambiciosos investimentos em mercados como o Brasil — onde completará dez anos no próximo 5 de setembro. Não bastasse o sucesso de público, ag