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Mostrando postagens de maio, 2021

O legado de Paulo Mendes da Rocha, homem e arquiteto livre

Diz-se que a melhor forma de se medir a notoriedade pública de alguém é perguntar a um taxista se conhece determinada pessoa. Fiz esse exercício várias vezes quando regressava ao Brasil, na viagem do aeroporto ao hotel. Perguntava de diversas formas se conheciam o arquiteto Paulo Mendes da Rocha, e a resposta era invariavelmente a mesma: não conheciam. Contentava-me com a satisfação de saber que conheciam seu trabalho, suas obras, muitas delas já referências coletivas da cidade. Paulo Mendes da Rocha era orgulhosamente um “arquiteto brasileiro”, “do mundo novo”, como tantas vezes o ouvi dizer com um certo sentido de otimismo, escreve o português Nuno Sampaio em bela homenagem ao arquiteto brasileiro morto nesta semana, em texto publicado no site Brazil Journal. Continua a seguir. No ano passado, quando doou à Casa da Arquitectura - Centro Português de Arquitectura, localizado aqui em Matosinhos, a totalidade do seu acervo profissional com cerca de 8.000 desenhos, 3.000 fotografias e sl

Pessimismo exagerado da oposição pode favorecer Bolsonaro até 2022

O Brasil sob Jair Bolsonaro tem sempre algo de bom, diz uma piada sarcástica que corre nas redes sociais: a situação desta semana é sempre melhor do que a da semana que vem. O gracejo faz pensar na atitude da esquerda e da oposição. Em geral, esperam que Bolsonaro vá cair de podre ou assim vá chegar à eleição. A mera sugestão de que pode não ser assim provoca acusações de delírio otimista a respeito da economia e da Covid. Mas pode haver condições objetivas para que o governo esteja em melhor situação daqui a seis meses ou um ano –se vai estar, depende também do confronto político. O pessimismo exagerado é uma espécie de otimismo negligente que pode custar caro a quem queira derrotar Bolsonaro em 2022. Tentar fazê-lo antes disso já parece fora de questão. O plano é aquele clichê: “deixa sangrar”. Vai sangrar? Pode ser até pior, dadas as incertezas. Há riscos imponderáveis, do tamanho de um vírus mutante que talvez venha a matar ainda mais e reiniciar a epidemia do zero, driblando as va

O Brasil na encruzilhada: 2022, por Eduardo Giannetti

Quanta ruína comporta uma nação? O século XX foi pródigo em experimentos atrozes: a Alemanha se autodestruiu duas vezes; o Japão amargou duas bombas atômicas; a Revolução Cultural chinesa deixou um rastro de 2 milhões de mortos. Mas não menos espantosa que a ruína foi a capacidade de recuperação. Das cinzas e dos escombros desses infortúnios renasceram a força, a esperança e a conquista de dias melhores. Assim como a natureza aviltada, as sociedades humanas são portadoras de energias regenerativas das quais mal desconfiamos. O Brasil desceu aos infernos. Nada que se compare, é certo, aos piores desastres do século passado, mas o suficiente para ensombrecer os horizontes e abalar a confiança em nosso futuro comum. O rol de reveses e frustrações vai longe: a tragédia da Covid-19 agravada pelo negacionismo ignorante e cruel do governo federal; o desemprego e a fome arruinando a vida de milhões de famílias; a democracia fustigada e fragilizada pela ameaça de confronto entre os Poderes; os

FHC erra ao se esquecer de Bolsonaro como obra da política tradicional

Como a gente se engana. Fernando Henrique Cardoso, por exemplo. Intelectualmente, ele ficou famoso aqui e no exterior pelos primeiros livros, nos quais investigou a dependência dos países periféricos. Em “Empresário Industrial e Desenvolvimento Econômico no Brasil”, escrito às vésperas de 1964, ele dispensou os esquemas doutrinários e fez uma análise empírica e pontiaguda do empresariado. A ruptura com o dogmatismo, inclusive o marxista, foi uma novidade, um valor em si. A inovação se desdobrava do real à teoria. A dominação econômica dos países centrais não era automática, dizia ele. Era mediada pela luta de classes, pela situação social e política concreta, propiciando intervenções políticas diversas. O quadro interno, porém, era desalentador: o operariado tinha pouco peso político e a burguesia industrial era subalterna à das metrópoles. Daí a sua conclusão, ao fechar o livro, ser indagativa: “No limite a pergunta será, então, subcapitalismo ou socialismo?”, escreve Mario Sergio Con

Renan Calheiros ensaia passo desastroso ao tentar quantificar mortes evitáveis por Covid

Na pandemia, todos os governos do mundo cometeram erros. O governo Bolsonaro, porém, cometeu sucessivos crimes contra a saúde pública. A missão da CPI é documentá-los, acusando o presidente perante os tribunais da opinião pública e da história. Mas Renan Calheiros ensaia um passo desastroso: quantificar as mortes evitáveis derivadas de ações ou omissões do governo federal. Enfeitiçado pelas redes sociais, o relator ameaça converter as conclusões numa pantomima política."Vamos ouvir a academia, a ciência e receber os estudos das mortes evitáveis", declarou, como quem dirige-se a uma consulta com um oráculo. Qual é o endereço da Ciência? Estudos baseados em modelos estatísticos nunca faltaram na pandemia. No caso dos modelos de longo prazo, as divergências sobre óbitos sempre situaram-se nos umbrais do infinito. Todos se recordam de Osmar Terra, que sem estudo algum profetizou poucos milhares de mortes. Muitos se esqueceram dos especialistas que, apoiados no Imperial College, p

Novas oportunidades para as pessoas acima dos 50 anos

Durante muitos anos, em suas crônicas e entrevistas, com alguma persistência Nelson Rodrigues falava - e zombava - do “poder jovem”. Quando pediam seu conselho aos mais novos, lançava: “Jovens, envelheçam”. O aforismo do dramaturgo pode ser contestado, mas representa quase um espectro de um tempo; hoje, ultrapassar a barreira dos 50 anos é para os fortes. Preconceito, falta de oportunidade de trabalho, desvalorização e infantilização são apenas algumas “novidades” com as quais quem envelhece se depara. Mas há uma reação contra isso. O publicitário Gui Bamberg, 69, sempre se incomodou com as abordagens dos anúncios em que pessoas mais velhas eram tratadas de forma certeira: “ou infantiloide ou velhinhos”. “Essa geração foi encoberta pela geração teen de forma violenta”, avalia. Quem lembra do “tio da Sukita”, um comercial que fez enorme sucesso nos anos 1990, recorda que era fácil rir do tiozinho sem graça, deslocado e envergonhado. Bamberg idealizou o projeto Venha Viver a Vida - uma p

Jornalista Milton Coelho da Graça morre aos 90 anos

O jornalista Milton Coelho da Graça morreu na madrugada deste sábado. Ele tinha 90 anos e morreu em decorrência de complicações provocadas pela covid-19. Seu corpo será cremado neste domingo, apenas na presença dos familiares mais próximos. O jornalista abraçou a profissão e o trabalho de apuração como poucos. Formado em Direito, Economia e Administração pela Uerj, foi nas páginas de jornais e revistas que ele encontrou sua paixão profissional e se transformou em um dos principais defensores da ética e da liberdade de expressão no país. Seu conhecimento não ficou restrito ao trabalho nas redações. Também foi professor em cursos de Comunicação, nos quais compartilhou suas experiências com estudantes de jornalismo, informou o jornal O Globo em matéria publicada dia 29/5 no site do jornal. Continua a seguir.  Pelos veículos de comunicação em que passou, exerceu várias funções: foi repórter, redator, editor, diretor de redação e correspondente internacional. A convite do jornalista Evandro

Irresponsabilidade é um método de ação política para Bolsonaro

Os governos democráticos, por definição, devem responder ao público e assumir as responsabilidades pelos atos governamentais, por meio de informações fidedignas que possam ser acessadas de forma transparente e que sirvam para a fiscalização da sociedade e de instituições públicas independentes. Há na língua inglesa um termo para esse processo: “accountability”, cuja tradução mais usada no Brasil tem sido responsabilização, porque, além da prestação de contas, espera-se que os governantes sejam responsabilizáveis por suas políticas públicas. Dito isto, pode-se dizer que a irresponsabilidade é a marca do presidente Bolsonaro, tornando-se um método de ação política para todo o bolsonarismo. Cabe lembrar que a “accountability” foi rara ao longo da história brasileira porque a democracia demorou para florescer nestas terras. Somente com a Constituição de 1988 é que os governantes se viram obrigados a responder constantemente ao público. Comparado ao que ocorrera em toda a trajetória republi

Vacinação está acima do indivíduo, diz diretor do Instituto Butantan

Se nada inesperado acontecer, o diretor do Instituto Butantan, Dimas Covas, se apresentará à CPI da Covid do Senado depois de ter feito sua reza e a meditação matinal baseada na leitura de alguns textos filosóficos, que não envolvem assuntos políticos ou terrenos. É um ritual diário. “Manter a virtude viva no meio do caos é uma tarefa difícil se não examinamos nossa consciência diariamente para lembrarmos e corrigimos nossas ações”, diz. Médico hematologista, professor e pesquisador, ele diz acreditar ter resolvido o dilema que, com frequência, opõe ciência e religião. Depois de ter sido ateu e leitor de Karl Marx (1918-1883) e Sigmund Freud (1856-1939), tornou-se um católico fervoroso. Covas está tranquilo à espera da hora de depor. Tem acompanhado a CPI pelos meios de comunicação e vê sua convocação como testemunha como consequência do papel central do Butantan na vacinação contra a covid. Os fatos são públicos e ele os repete: “O Brasil não planejou adequadamente a compra das vacina

Sobre autocríticas e líderes

Coerência é uma qualidade muito perigosa na política. Tem sido habitual exigir do interlocutor político que faça autocrítica. Por falar nisso, o tema é sempre uma oportunidade de voltar ao livro Depoimento, autobiografia de Carlos Lacerda. Ele explica por que tentara fazer a Frente Ampla com João Goulart e Juscelino Kubitschek, adversários figadais dele poucos anos antes. Simples, diz, lá atrás o perigo tinha sido um. Agora era outro. O ex-governador da Guanabara talvez tenha sido propositalmente vago. Ou tentou ser delicado no uso das palavras. Lá atrás o inimigo dele era um, Jango, e agora passara a ser outro, o regime militar. Alianças políticas são feitas por critérios de conveniência, e visando a derrotar o inimigo principal. Mas sempre com um olho no peixe e outro no gato, escreve Alon Feuerwerker na Veja desta semana. Continua abaixo. Daí a velha máxima: nunca esteja tão ligado a alguém que não possa romper com ele, nem tão conflitado com alguém que não possa se aliar a ele. A e

Governo se aproveita da pandemia para dar um golpe silencioso e lento

O que causa estranheza na versão brasileira desta pandemia é que não está tendo, entre nós, os efeitos pedagógicos e civilizadores que tiveram em outros países os grandes desastres: guerras, terremotos, tsunamis e, mesmo, epidemias, como a peste negra. Esses eventos extraordinários desmontam a estrutura da sociedade, anulam a eficácia de suas regras sociais, invalidam valores que formam o substrato da consciência social, dos relacionamentos e da própria atitude perante a vida. Eles fragilizam as referências da estabilidade e da continuidade social. Causam rupturas sociais que são desafios de criatividade e de remodelação das sociedades. Em todas essas situações, cada sociedade expõe seus próprios mecanismos, quase sempre inconscientes, de despertamento de uma sociabilidade de emergência. Com muita rapidez a sociedade se reinventa, às vezes em questão de minutos ou de poucas horas, escreve José de Souza Martins no Valor, em texto publicado dia 21/5 no jornal. Continua a seguir. Essa car

Um pai

Bruno Covas, prefeito de São Paulo, morreu vivendo. Morreu criando novas lembranças. Morreu não deixando o câncer levar a sua vontade de resistir.  Mesmo em estado grave, mesmo em tratamento oncológico, juntou todas as suas forças para assistir ao jogo do seu time Santos, na final da Libertadores, no Maracanã, ao lado do filho.  Foi aquela loucura por carinho a alguém, superando o desgaste da viagem e o suor frio dos remédios.  Na época, ele acabou criticado nas redes sociais por ter se exposto. Afinal, o que é o futebol perto da morte?  Nada, mas não era somente futebol, mas o amor ao seu adolescente Tomás, de 15 anos, cultivado pela torcida em comum. Não vibravam unicamente pelos jogadores, e sim pela amizade invencível entre eles, escreve Fabrício Carpinejar em texto publicado nas redes sociais. Linda homenagem, vale muito a leitura, continua a seguir.  Nos noventa minutos, Bruno Covas defendia o seu legado, a sua memória antes do adeus definitivo, para que seu filho contasse com a

Numa mochila ensanguentada no Jacarezinho, a aula de Brasil contemporâneo

Eram todos bandidos. Foi assim que o vice-presidente Hamilton Mourão explicou a chacina no Jacarezinho, no Rio de Janeiro, na operação policial mais letal da história da cidade. Se num primeiro momento o Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos se pronunciou e emitiu uma nota de críticas ao ocorrido, o Governo logo fez questão de lembrar à pasta que o nome que ela traz —direitos humanos— era só uma fachada. A nota foi, misteriosamente, retirada do ar. É imperativo combater o crime, assim como também imperativo lembrar que não há pena de morte prevista em lei para roubo, tráfico e mesmo assassinato. Mas, em enormes regiões do país, ela existe. Naquele dia, quando a polícia entrou pelas ruelas da favela, não foram apenas os assassinatos que foram deixados como legado. Uma foto me deu náusea. A imagem era de uma mochila de escola de uma garota de nove anos e que estava no local da chacina. Seus livros estavam ensanguentados, testemunhas da violência, escreve Jamil Chade no site do

A corrida eleitoral de 2022 começou

Quando o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recuperou seus direitos políticos em março, após a anulação da condenação imposta pela Operação Lava Jato, a equação eleitoral para 2022 mudou. O presidente Jair Bolsonaro, que apostava em jogar parado, teve uma certeza: a confluência de fatores que levaram a sua eleição em 2018 estava longe de se repetir. Nesta semana, ele reuniu centenas de motoqueiros para passear pelas avenidas de Brasília. Quatro dias depois, na quinta-feira 13, reeditou cenas típicas de sua última campanha, sendo recebido por centenas de apoiadores no aeroporto de Maceió. Numa espécie de efeito dominó, os demais pré-candidatos, que tentavam antagonizar com o mandatário, mudaram de estratégia. Começaram a buscar similaridades entre eles na tentativa, até agora frustrada, de construir pontes para a formação de uma terceira via viável. Alguns, inclusive, como o ex-ministro da Justiça Sergio Moro e o apresentador Luciano Huck, deram sinais de abandonar a corrida antes