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Mostrando postagens de janeiro, 2021

Os filmes estão sendo abalados pelas séries ante nossos olhos atônitos

No tempo em que a arte escrita tinha importância, discutia-se forma e conteúdo. Ficou assente que uma não existe sem a outra. Já a avaliação da relação entre eles continua problemática porque não existem conteúdos e formas fixas: a história os altera. A forma permanece ao longo do tempo, apesar do seu conteúdo ter origem datada. “Guerra e Paz” remete a almas e destinos do passado e do presente. Dizia uma coisa em 1865 e diz outras tantas a leitores de hoje, à luz da história que se passou e se passa agora. Na forma, “Guerra e Paz” é um romance, o gênero literário capital no século 19, o herdeiro da épica grega na era burguesa. Hoje, o romance não é tudo isso. Foi trocado por outras formas e gêneros, escreve Mario Sergio Conti em sua coluna na Folha de São Paulo, publicada sábado, 30/1 . Continua a seguir. A literatura perdeu espaço para o cinema no século 20. E, na migração interna entre os gêneros, o lugar do romance foi ocupado, lenta e contraditoriamente, pelo filme de ficção. Esse

Manaus é a prova de que já não dispomos de um governo funcional

Jair Bolsonaro comete crimes de responsabilidade diversos desde que subiu a rampa do Planalto. Dezenas de pedidos de impeachment protocolados na Câmara ainda aguardam encaminhamento, pois Rodrigo Maia sabe que o destino do presidente não será decidido no tabuleiro das leis, mas no da política. A tragédia de Manaus marca uma reviravolta no cenário: depois das mortes por asfixia, o impeachment transitou do éter dos sonhos para a esfera das possibilidades. A histeria do impeachment é, hoje, a maior ameaça ao impeachment. O Congresso não impedirá o presidente pelo chiclete ou pelo leite condensado. Os escândalos culinários provavelmente indicam um rastro de esquemas corruptos ligados a superfaturamentos, fornecedores fantasmas e lavagem de dinheiro. Contudo, a investigação do labirinto demandaria meses, obscurecendo o crime maior que tem o potencial de abreviar o pesadelo nacional, escreve Demétrio Magnoli em sua coluna na Folha, publicada sábado, 30/1. Continua a seguir. Manaus é a prova

Esquerdofêmea

Minha filha ama cor-de-rosa, e eu não sei mais o que fazer a respeito dessa tremenda falta de noção de sua parte. Comprei uma camiseta azul estampada com skatistas irados, e ela falou: “É feia demais”. Na loja, foi direto na saia plissada pink com bolotas salmão: “Olha que linda, mamãe”. Eu então sentei no chão e expliquei: “Sim, muito bonita, mas todas as cores são legais, e você pode ter bermudas e shorts se quiser, não se sinta obrigada a ter saia porque alguma amiga sua ou mãe de amiga ou tia ou avó ou alguém no desenho ou no filme falou que é o que você deve usar. Você pode usar o que quiser”. Rita tem três anos. Não entendeu nada do meu discurso. Me achou tão chata e louca quanto eu me acho. Agarrou a saia (que de fato era belíssima, e eu só conseguia pensar em como EU MESMA queria pra mim aquela porra de saia divina) e mostrou para o pai: “Quero essa!”. E pronto, escreve Tati Bernardi em sua coluna na Folha, publicada dia 30/1. Continua a seguir. Comprei uma ponte de madeira gra

Lira não é só o antirreforma; ele é a contrarreforma

É evidente que considero desastrosa para o país a eventual vitória do deputado Arthur Lira (PP-AL) na disputa pela presidência da Câmara. E de várias maneiras. Com ele, eleger-se-ia não só a antirreforma, mas a contrarreforma. Se já há dificuldade para emplacar no Congresso qualquer coisa que possa lembrar, de longe, uma pauta liberal, o parlamentar encarnaria esse antiliberalismo na sua modalidade reacionária. Uma mágoa de Jair Bolsonaro com Rodrigo Maia (DEM-RJ) faz sentido. O atual presidente da Câmara, de fato, criou obstáculos civilizatórios para que o outro levasse adiante sua agenda fúnebre na Casa --que Lira, se vencer, promete retomar, escreve Reinaldo Azevedo em sua coluna na Folha de S. Paulo, publicada na sexta, 29/1. Bolsonaro admite —com o despudor com que anseia enfiar leite condensado na parte terminal do aparelho digestivo da imprensa— que resolveu meter a mão grande na disputa. Seu escolhido é uma espécie de Eduardo Cunha redivivo nos transes da ventura e nos dons do

A Escavação, da Netflix, revela tesouros do mundo anglo-saxão

Do navio propriamente dito, só restava o fantasma — um decalque perfeito, na terra, do carvalho comido pelo solo ácido ao longo de 1 400 anos. Mas, onde um dia estivera a câmara funerária, um tesouro ia surgindo aos poucos: moedas, joias e fragmentos entre os quais, bem mais tarde, se revelariam uma espada e um capacete riquíssimos — coisa para reis. Ainda hoje não se sabe quem foi o figurão que mereceu o trabalho de ter seu próprio navio usado como tumba (a embarcação de 27 metros teve de ser arrastada por terra, por longa distância). Mas o achado de 1939 na propriedade de Sutton Hoo, no condado inglês de Suffolk, mudou a ideia que se fazia do passado distante nas Ilhas Britânicas: o que veio à luz, ali, era uma Alta Idade Média — o período que vai dos séculos V ao X — de comércio, exploração e ritual vibrantes, e com artesania tão elaborada que os ourives do Museu Britânico penam para fazer réplicas dessas riquezas. Sutton Hoo está para o mundo anglo-¬saxão mais ou menos como a tumba

Quem é que clica em anúncios?

“Metade do meu gasto com propaganda é desperdiçada; o problema é que não sei qual metade.” Já atribuído a diversas figuras no mundo dos negócios e da publicidade, o adágio encontrou um novo proponente. Tim Hwang, ex-executivo do Google, alerta que o altamente automatizado mercado de publicidade on-line se baseia em premissas falsas e caminha para o colapso. Hwang publicou em outubro o livro “Subprime Attention Crisis: Advertising and the Time Bomb at the Heart of the Internet” (A Crise de Atenção Subprime: Publicidade e a Bomba-Relógio no Coração da Internet). Nele, argumenta que a mídia programática, como é conhecido o sistema de anúncios orientados por algoritmos e negociados em leilões virtuais, esconde ineficiências graves. Essa dinâmica opaca, mas supervalorizada, seria parecida com a das hipotecas “subprime” que geraram a crise de 2008, escreve Por Patrick Brock, de Oslo, Noruega, para o Valor. Continua a seguir. Em entrevista ao Valor via Zoom de Nova York, Hwang diz que sua esp

Vale tudo pelo equilíbrio fiscal?

A partir da segunda metade dos anos 1990, depois da estabilização da inflação crônica brasileira, passou a haver uma sistemática preocupação de evitar que as contas do setor público saíssem de controle. A preocupação com o descontrole das contas públicas advém da vinculação entre o déficit fiscal e a expansão monetária. Até o fim do século passado, a macroeconomia hegemônica considerava que o descontrole dos gastos públicos e a excessiva expansão da moeda estavam por trás de todo processo inflacionário. Como gato escaldado tem medo de água fria, no Brasil depois da estabilização, a preocupação com o equilíbrio das contas públicas passou a pautar a política macroeconômica. No momento em que se discute a suspensão do auxílio emergencial à população em nome do equilíbrio fiscal, justamente quando a epidemia de covid recrudesce, é fundamental entender que a verdadeira responsabilidade fiscal não é o equilíbrio orçamentário em todas as circunstâncias e a qualquer custo. Nas atuais circunstâ

Fim do auxílio congestiona a miséria

Em dois domingos consecutivos de janeiro, o historiador Raphael Ruvenal, de 31 anos, saiu de casa, em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, às 5h45 para, depois de três horas de trem, ônibus e barca, chegar a um colégio estadual em Niterói, a mais de 50 km dali, onde foi fiscal do Enem. Apesar de as provas só terem início às 13h30, todos os fiscais deveriam se apresentar às 8h45. Liberado às 19h, Raphael chegou em casa às 22h. Por cada um dos dias do Enem, recebeu R$ 90. Descontado o transporte, sobraram R$ 73. Se as provas tivessem acontecido dez dias depois, seus vencimentos teriam sido 25,5% menores por causa do reajuste no transporte metropolitano já confirmado para o início de fevereiro. O ganho líquido só não foi mais reduzido porque a direção da escola ofereceu lanche para a jornada de 16 horas, escreve Maria Cristina Fernandes em sua coluna no Valor, publicada dia 29/1. Continua a seguir. Para ser selecionado como fiscal, ele teve que se submeter a um curso on-line de 20 horas e

Jair Bolsonaro vai conseguir terminar o mandato?

Da abertura da Newsletter da LAM Comunicação, boa leitura a todos e todas, ótima semana! “A política é como nuvem. Você olha e ela está de um jeito. Você olha de novo e ela já mudou”, dizia o falecido ex-governador de Minas Gerais Magalhães Pinto. A frase cabe como uma luva para uma análise mais detida sobre o cenário nacional. O que valia até anteontem hoje não vale mais: na semana que passou cresceu muito a pressão pelo impedimento constitucional do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), tanto à esquerda quanto à direita. Quem diria que MBL, VPR e o Partido Novo chamassem manifestação pedindo o afastamento do atual mandatário, que duas semanas atrás parecia firme e forte ante a uma oposição fragilizada e sem rumo? Pois aconteceu e com isto Bolsonaro perdeu um dos seus pilares de apoio, ao lado dos militares, claro, do empresariado, do Centrão e de seus seguidores de ultradireita radicalizados. Parte da direita já vinha perdendo confiança no presidente e agora lhe faz oposição abert

Dica da Semana: Paletó e eu: memórias do meu pai indígena, livro, Aparecida Vilaça

Entre o fundo o mar e o reino do céu  “Ele morreu no interior de Rondônia e eu continuei aqui, tentando imaginar o seu corpo, os fios de barba brancos soltos no queixo, os braços fortes. Lembro de cada um desses detalhes com muita nitidez e não consigo imaginar nenhuma dessas partes sem vida. Elas se mexem, brilham, falam comigo.” Em tom literário que não esbarra em academicismo nenhum, Aparecida Vilaça conta, em Paletó e eu, a sua vivência entre os indígenas Wari. Em especial a relação que vai tecendo com Paletó, um dos índios que conhece no Rio Negro e que acaba adotando a autora como filha. O livro começa com a morte de Paletó, já com 85 anos e padecendo de Parkinson. Aparecida conta então um pouco do ritual de passagem dos Wari, que, enquanto a família do morto canta chorando, os outros da aldeia comem a sua carne, para que seus parentes não se lembrem dele, e assim, não sofram com a memória. O espírito do morto parte então para um mundo das águas, no fundo do mar. No caso de Palet

O último golpe de Arsène Lupin

O último golpe de Arsène Lupin é tão espetacular como aqueles narrados pelo escritor francês Maurice Leblanc em seus famosos relatos sobre o carismático ladrão de luvas brancas parisiense — o “gentleman-ladrão”, com o cavalheiresco sempre à frente, é claro— na série de aventuras que o transformou no início do século passado no alter ego épico de Sherlock Holmes. Desta vez, a fama não vem por um roubo idealizado pelo próprio Lupin, mas pela homenagem que recebe no novo sucesso da Netflix. Lupin, estrelado por Omar Sy, está a caminho de bater todos os recordes, e não só na França. De acordo com uma projeção chamativa da plataforma norte-americana divulgada na terça-feira, até 5 de fevereiro, quando se completarem 28 dias desde a estreia dos cinco primeiros capítulos, em 8 de janeiro, a série terá sido vista em pelo menos 70 milhões de domicílios em todo o mundo. Se assim for —são dados que o Netflix expõe unilateralmente e que não foram auditados—, vai ultrapassar as já extraordinárias a