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Mostrando postagens de fevereiro, 2021

Pelé encara seus dilemas com a ditadura na Netflix

A Netflix e os diretores britânicos David Tryhorn e Ben Nicholas toparam uma missão ambiciosa: trazer à luz uma versão ainda não contada da história do maior jogador de futebol de todos os tempos, celebridade mundial há mais de 50 anos e personagem de incontáveis livros, filmes, documentários e peças publicitárias. Nesta terça-feira (23), a plataforma lança o documentário Pelé, que narra a história do ex-jogador durante seu auge esportivo enquanto aposta nos conflitos pessoais e políticos do ex-craque, em especial sua relação ditadura brasileira, para se diferenciar das produções anteriores ―tudo comentado pelo próprio Rei do Futebol. A primeira cena do documentário, a abertura da Copa do Mundo de 70, no México, palco da coroação de Pelé como tricampeão mundial, deixa claro que o sucesso esportivo do brasileiro é o fio condutor do filme, mas não sem uma camada de tensão e as análises do ex-atleta sobre sua trajetória, agora com 80 anos. Na produção, não são abordadas apenas os quatro M

A sutil arte de ligar o BBB

Nas duas últimas semanas, Caio Piovesan, produtor da cantora Karol Conká, marcou reunião com jornalistas especializados em gestão de crise. O objetivo era traçar planos e estratégias para conter a crise então em curso à medida que a cantora se envolvia em brigas e intrigas no Big Brother Brasil. Quando ela fosse eliminada, já teria opções de nomes e caminhos para apresentar a ela. Karol foi eliminada do programa na terça, 23, com recorde de rejeição em um paredão triplo, com 99,17% dos votos.  Piovesan viajou de São Paulo ao Rio de Janeiro na segunda, 22, e estava nos Estúdios Globo quando Karol foi eliminada. O canal permite apenas uma pessoa para resgatar o eliminado – parentes e amigos não estão indo ao estúdio por questões sanitárias. A emissora nega que a cantora tenha sido orientada por qualquer pessoa da produção entre a saída do confinamento e a entrevista dada ao apresentador Tiago Leifert, ao vivo. Segundo a emissora, o intervalo comercial entre uma coisa e outra se deu pela

Vacina atrasada, variante acelerada

No fim do ano passado, o Ministério da Saúde confirmou o primeiro caso de reinfecção por Sars-CoV-2 no Brasil. Uma profissional de saúde da Paraíba, de 37 anos e sem comorbidades, apresentou dois episódios clínicos de Covid-19 em um intervalo de quatro meses. No primeiro, em junho de 2020, teve sintomas leves e sem complicações. No segundo, em outubro, relatou fadiga e perda de olfato e paladar. Pesquisadores da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), no Rio de Janeiro, analisaram as amostras coletadas na Paraíba e descobriram que a reinfecção havia sido causada por uma variante até então desconhecida do vírus – a sub-linhagem P.2, não alcançada pela ação de anticorpos de infecções anteriores. As mutações mostraram aos cientistas que a esperada imunidade coletiva – que, em tese, protegeria a população conforme mais gente fosse infectada – não era uma saída viável para a pandemia, pelo menos não a curto prazo. Por enquanto, a vacinação é a única solução à vista – mas ela precisa ser rápida. Es

Numa fábula de Kafka, a letargia que a pandemia provocou no Brasil

É parca a literatura acerca da peste iniciada há um ano. Era de se esperar. A catástrofe só piora, seu pico parece se afastar, não chegar nunca. Será preciso tempo, reflexão e fantasia para se obter relatos que revolvam a tragédia, que avaliem o peso de milhares e milhares de mortes, de milhões de vidas viradas de cabeça para baixo —como a sua. A literatura dá forma a sentimentos difusos, a pensamentos sem nome, e faz assim com que se perceba o que os indivíduos e a espécie são. Por isso a pandemia reavivou o interesse por “Decameron”, de Boccaccio, “Um Diário do Ano da Peste”, de Defoe, “A Peste”, de Camus.  Mas há um autor que, sem abordar expressamente calamidades bombásticas, diz muito dos dias que correm —dias de enclausuramento individual e anomia social. Talvez porque tenha escrito entre duas carnificinas, a Primeira e a Segunda Guerra. Ou porque, no interregno da grande guerra civil de 1914 a 1945, viu o que viríamos a ser: Kafka, escreve Mario Sergio Conti em sua coluna na FSP

Petrobras e Bolsonaro: a síndrome da mão pesada

A tarde do domingo, 21 de fevereiro, foi frenética entre os operadores, economistas e gestores do mercado financeiro brasileiro. Em ligações sucessivas, consultavam-se uns aos outros sobre o tamanho da queda que abriria a negociação das ações da Petrobras no dia seguinte. Por fim, ficou claro a todos que o valor da empresa cairia num precipício. Na segunda-feira 22, as ações da companhia despencaram 20%, um mergulho ainda maior do que aquele ocorrido na sexta-feira anterior, de 7,9%. Houve recuperação parcial nos pregões seguintes, é verdade, mas a última semana de fevereiro ficará marcada como a da ruptura. Uma crise de confiança se instalou em relação à economia brasileira. Os comportamentos de dólar, juros futuros e risco país não deixaram dúvidas. Todos apontando para cima. O mais doloroso é que se trata de uma crise autoinfligida. O atual momento poderia estar sendo favorável ao país. No mundo, o dólar está fraco, as commodities que exportamos estão em alta e há muito dinheiro est

Fora da bolha, Folha

Certa vez, escrevi aqui, em resposta ao excelente João Pereira Coutinho, que minhas críticas simétricas ao governo israelense e ao movimento de boicote e desinvestimento contra Israel não me colocavam “em cima do muro”. É que os supostos dois lados são o mesmo: uma frente tácita contra a paz em dois Estados. A Folha completa 100 anos diante de uma encruzilhada. Torço para que escolha o jornalismo —ou seja, a recusa às narrativas fáceis dos “dois lados”. O segredo da moderna Folha, criada por Otavio Frias Filho, encontra-se no ceticismo ativo. No aniversário centenário, Flavia Lima, a ombudsman, sugeriu renunciar “à ideia de ‘polarização’ para equiparar a extrema direita e a esquerda”, pois a segunda “não transpôs os limites democráticos e da civilidade” (Folha, 21.fev). De fato, há diferenças, escreve Demétrio Magnoli em sua coluna na FSP, publicada sábado, 27/2. Continua a seguir. No plano circunstancial, é incorreto equiparar o Bolsonaro que sonha com o AI-5 com o Lula que rejeitou d

A vida de Churchill nos mínimos detalhes

O político e militar inglês Winston Churchill (1874-1965) conquistou um lugar na história mesmo que não tivesse se esforçado para construir a reputação e criado todo um folclore pessoal. Tornaram-se célebres os discursos inflamados em que convocava os europeus a resistir ao nazismo, assim como a fala abrupta e passional, a gestualidade pitoresca e o uso ostensivo do charuto. Sua ação decisiva como primeiro-ministro britânico é analisada nos livros sobre as duas guerras mundiais de que participou. Paralelamente, ele se ocupou em pintar o autorretrato heroico. Gênio do marketing e pintor de paisagens por passatempo, também adorava escrever, em especial sobre si próprio. Trabalhou como articulista e correspondente de guerra para jornais londrinos e publicou 33 títulos ao longo da carreira, escreve Luís Antônio Giron no Valor, em ótima resenha publicada sexta, 26/2. Continua a seguir.  O primeiro, de 1898, detalhava sua participação nas Guerras dos Bôeres (1880-1902). A automitologia conti

A Sun

Assim como “Beginning”, “A Sun” começa com um ato de violência brutal - ainda que filmado de forma completamente diferente. A câmera acompanha personagens que chegam de moto, seguem correndo em direção ao alvo e mostra, ainda que em segundos, os detalhes do ataque e suas consequências. Selecionado por Taiwan para representar o país na corrida pelo Oscar de filme internacional, “A Sun” entrou na “shortlist” anunciada pela Academia de Hollywood e pode estar entre os finalistas ao prêmio, que serão anunciados em 15 de março, resenha Pedro Butcher no Valor, texto publicado 26/2.   É um filme que trabalha dentro de dois preceitos que lhe deixam em posição favorável: tematicamente, se insere nas obras que apostam no lema “tragédia pouca é bobagem”, submetendo seus personagens a uma série de intempéries sucessivas. Do ponto de vista formal, adota uma linguagem que pode ser considerada “acadêmica”, ainda que banhada por uma sensibilidade própria. O ato de violência inicial terá repercussões de

Busca por vida bucólica move mercado publicitário

O primeiro ano da pandemia provocou uma perda média de 30% nas receitas das agências de publicidade, mas o meio digital conseguiu se manter em território positivo. Neste ano, as plataformas digitais devem abocanhar ainda mais das verbas publicitárias - metade dos investimentos globais, segundo pesquisa da agência Dentsu. A voracidade das plataformas digitais parece, entretanto, estar encontrando seu limite. O monitor de sentimentos sociais do grupo TBWA, alimentado por mais de 300 escritórios espalhados em 97 países, já aponta uma certa intoxicação digital. “Já notamos uma tendência de busca por uma vida mais desconectada, mais bucólica, sem vigilância”, afirma Raquel Messias, chefe de estratégia da Lew’Lara\TBWA. O estudo anual do BackSlash, central de inteligência do grupo, mostra ainda que, mesmo no digital, a procura por aplicativos de espiritualidade ou que promovam conforto mental estão crescendo de maneira extraordinária. A procura pelo Headspace, um aplicativo para meditação, f

Desafios da educação profissional no Brasil

Cada vez mais, as mudanças no processo de produção, seja na indústria, seja na agricultura, tornam obsoleta a mão de obra nelas empregada e pedem trabalhadores com novas qualificações profissionais. Não é coisa simples. Muitos dos descartados ou substituíveis não têm a formação básica que lhes permita a reeducação profissional adequada ao reingresso na produção nas novas condições tecnológicas. Os que podem ser educados ou reeducados para a nova realidade da tecnologia da produção tendem a ser envolvidos por uma educação que os distancia da primeira socialização que lhes formou a base social da personalidade e do caráter. Essa base social de referência é decisiva para a consciência crítica e socialmente criativa em face das crescentes intervenções humanas no nosso modo de vida, escreve José de Souza Martins no Valor, em texto publicado 26/2. Continua a seguir.  Na sociedade brasileira, a socialização das novas gerações é familista e comunitária, demarcada por valores afetivos, centrada

Mudança na Petrobras pode mudar apoio dos mercados a Bolsonaro?

Abertura da Newsletter da LAM Comunicação desta semana.  Eleito presidente com uma suposta pauta liberal, apresentada durante a campanha eleitoral de 2018 pelo hoje ministro Paulo Guedes, Jair Bolsonaro mostrou na semana que passou, mais uma vez, pouco apreço, para dizer o mínimo, por esta agenda. Ao defender mudanças no comando da Petrobras, indicando o  general Joaquim Silva e Luna – ex-ministro de Michel Temer, vale lembrar -, para a presidência da companhia, Bolsonaro foi explícito em manifestar a sua vontade de intervir nos preços dos combustíveis, contrariando assim os princípios básicos de tudo que prega a cartilha liberal. O impacto da ação do presidente foi imediato, as ações da Petrobras na bolsa despencaram, o que não o impediu de, no dia seguinte, reiterar seu posicionamento. O que intriga neste episódio é que mesmo sabotando a agenda liberal que o elegeu – não foi a primeira vez e certamente não será a última -, Bolsonaro aparentemente não perde, ou ao menos não perdeu até

Dica da Semana: Stand, série, Starzplay/Amazon Prime

Da Newsletter da LAM Comunicação. Clássico de King reaparece em nova versão para streaming Baseado em um livro de 1978 do escritor Stephen King, a série Stand é na verdade a segunda adaptação da obra original para televisão e foi lançada no ano passado por motivos óbvios, dada a sua temática. A Dança da Morte, tradução brasileira do texto de King na qual Stand se baseia, basicamente narra a saga dos sobreviventes do Capitão Viajante, nome dado ao vírus que dizimaria praticamente toda a população da Terra em poucos meses. Ou seja, uma espécie de  coronavírus, mas bem mais letal.  A trama, que se passa nos Estados Unidos, na verdade vai muito além do que se vê em filmes e séries sobre pandemias. Em Stand, no fundo, o Capitão Viajante é um mero gancho. Assim como no livro, a narrativa acompanha a trajetória de alguns personagens centrais, todos naturalmente sobreviventes e imunes ao vírus: Stu Redman (James Marsden), que estava junto ao primeiro contaminado, no Texas, Frannie Goldsmith (O

A fuga da classe A para o interior

Nos primeiros dez dias de 2021, Eduardo Xambre Henrique Filho, de 10 anos, não tocou em seu videogame ou tablet. Preferiu andar de bicicleta e curtir o bosque da nova residência da família, que trocou um confortável apartamento no Brooklin, bairro nobre da Zona Sul paulistana, por uma casa em um condomínio fechado na região de Valinhos, a 90 quilômetros da capital paulista. A mudança de comportamento do filho foi um dos elementos que fizeram seu pai, o diretor comercial Eduardo Xambre Henrique, de 41 anos, aproveitar as vantagens do home office para buscar qualidade de vida longe da metrópole, movimento que tem se intensificado — sobretudo quando se trata da população com maior poder aquisitivo. Após um 2020 de “test drive” no campo ou na praia, durante a quarentena, a mudança definitiva de CEP já provoca transformações no mercado imobiliário e na dinâmica das cidades menores. As razões para a mudança são variadas. Além da qualidade de vida, há a busca por mais segurança, mais espaço e

Festins diabólicos

À falta de uma explicação que nos ajude a compreender o inexplicável, a gente tende a qualificar as cenas de aglomeração ocorridas neste não Carnaval país afora, com especial destaque para o Rio de Janeiro, como produtos do negacionismo aliado à irresponsabilidade egoica. Seja como for, tenha o nome que tiver esse tipo de coisa, chama atenção a semelhança das imagens de festas, bares e ruas apinhadas de gente com as fotos e vídeos do presidente da República desde o início da pandemia em franca produção de boas oportunidades para o coronavírus se espalhar, contaminar e muitas vezes matar, escreve Dora Kramer na edição desta semana da revista Veja. Vale a leitura, continua a seguir.  Neste feriado não foi diferente, embora o comportamento das pessoas comuns (se é que podem ser chamadas assim) tenha sido bem pior. Pareciam tomadas por um apagão de consciência, como se o transcurso dos dias formalmente carnavalescos tivesse por si um efeito imunizante, quando ocorre o contrário: foi nas ru