Uma nanopartícula, o novo coronavírus, provocou mudanças abissais e tectônicas na sociedade, no trabalho, no amor e até no poder dos governos. Elas vieram para ficar, escreve o editor da revista Época em artigo publicado na sexta, 10/4. Íntegra a seguir:
A primeira constatação sobre o que vem por aí depois da pandemia é simples, acaciana até: não dá para saber. São tantas as variáveis em jogo que qualquer previsão será frustrada. A única certeza é a mudança. Não apenas nos hábitos — e nada tão certo quanto mudanças de hábitos. Assim como nos acostumamos ao cinto de segurança ou a gastar menos energia depois do apagão, é possível imaginar um mundo em que persistam o sabão, o álcool em gel e o “distanciamento social”. Menos apertos de mão e beijinhos no rosto.
Menos eventos irrelevantes, menos viagens de avião desnecessárias ou reuniões inúteis — fala-se em economias anuais na casa do trilhão de dólares só com isso. Escritórios com pelo menos metade do tamanho atual. Mais gente trabalhando em casa, para alegria de Slack, Zoom, Teams, Webex, Hangouts, Classroom ou outros badulaques digitais de nome em inglês. Se os novos hábitos persistirem no mundo corporativo, deverá haver um salto enorme na produtividade (sei bem disso, trabalho em casa há cinco anos). As mudanças poderão se estender a outros aspectos da sociedade.
Talvez haja mais espírito cívico, mais voluntários a ajudar idosos ou grupos ameaçados pelas novas ondas do vírus. Maior respeito por quem trabalha no serviço público ou pelos profissionais de saúde, heróis indiscutíveis no combate à pandemia. Poderemos, numa visão otimista, rumar para um mundo em que a ameaça comum do vírus acabe por gerar mais união em vez de divisão.
A principal razão para o otimismo é que, embora venha sendo comparada a guerras ou às crises financeiras do passado recente, a pandemia tem um impacto de outra natureza. Mexe diretamente com a saúde e a vida. “Comparado à opaca crise financeira, com seus ‘credit default swaps’ ou ‘collateralized debt obligations’, o coronavírus é relativamente fácil de entender”, afirmou o escritor americano Peter C. Baker.
“É uma dúzia de crises emaranhadas numa só, e todas se desenrolam imediatamente, de modo inescapável. Políticos ficam infectados. Celebridades ricas ficam infectadas. Amigos e parentes ficam infectados. Podemos não estar exatamente ‘todos juntos nessa’ — como sempre, os pobres sofrem mais —, mas essa é uma sensação mais real do que jamais foi depois de 2008.” Talvez, disse Baker, possamos ver nossos problemas como comuns, e a sociedade como mais do que “uma massa de indivíduos competindo uns contra os outros por riqueza e status”.
Nas palavras da analista Mira Rapp-Hooper, do Council on Foreign Relations (CFR), “a Covid-19 não tem ideologia”. Revela a importância da boa governança em qualquer regime. Não será vencida na base do tacape ou das armas, pelos brucutus que berram ignorância nas redes sociais. Nossas armas contra aquele grãozinho de poeira nanoscópico precisam ser mais sofisticadas: o conhecimento científico, o trabalho paciente e diuturno nos laboratórios de pesquisa, a agilidade e a qualidade do atendimento médico. É na criatividade e no engenho do cérebro humano que os otimistas depositam suas esperanças.
A primeira constatação sobre o que vem por aí depois da pandemia é simples, acaciana até: não dá para saber. São tantas as variáveis em jogo que qualquer previsão será frustrada. A única certeza é a mudança. Não apenas nos hábitos — e nada tão certo quanto mudanças de hábitos. Assim como nos acostumamos ao cinto de segurança ou a gastar menos energia depois do apagão, é possível imaginar um mundo em que persistam o sabão, o álcool em gel e o “distanciamento social”. Menos apertos de mão e beijinhos no rosto.
Menos eventos irrelevantes, menos viagens de avião desnecessárias ou reuniões inúteis — fala-se em economias anuais na casa do trilhão de dólares só com isso. Escritórios com pelo menos metade do tamanho atual. Mais gente trabalhando em casa, para alegria de Slack, Zoom, Teams, Webex, Hangouts, Classroom ou outros badulaques digitais de nome em inglês. Se os novos hábitos persistirem no mundo corporativo, deverá haver um salto enorme na produtividade (sei bem disso, trabalho em casa há cinco anos). As mudanças poderão se estender a outros aspectos da sociedade.
Talvez haja mais espírito cívico, mais voluntários a ajudar idosos ou grupos ameaçados pelas novas ondas do vírus. Maior respeito por quem trabalha no serviço público ou pelos profissionais de saúde, heróis indiscutíveis no combate à pandemia. Poderemos, numa visão otimista, rumar para um mundo em que a ameaça comum do vírus acabe por gerar mais união em vez de divisão.
A principal razão para o otimismo é que, embora venha sendo comparada a guerras ou às crises financeiras do passado recente, a pandemia tem um impacto de outra natureza. Mexe diretamente com a saúde e a vida. “Comparado à opaca crise financeira, com seus ‘credit default swaps’ ou ‘collateralized debt obligations’, o coronavírus é relativamente fácil de entender”, afirmou o escritor americano Peter C. Baker.
“É uma dúzia de crises emaranhadas numa só, e todas se desenrolam imediatamente, de modo inescapável. Políticos ficam infectados. Celebridades ricas ficam infectadas. Amigos e parentes ficam infectados. Podemos não estar exatamente ‘todos juntos nessa’ — como sempre, os pobres sofrem mais —, mas essa é uma sensação mais real do que jamais foi depois de 2008.” Talvez, disse Baker, possamos ver nossos problemas como comuns, e a sociedade como mais do que “uma massa de indivíduos competindo uns contra os outros por riqueza e status”.
Nas palavras da analista Mira Rapp-Hooper, do Council on Foreign Relations (CFR), “a Covid-19 não tem ideologia”. Revela a importância da boa governança em qualquer regime. Não será vencida na base do tacape ou das armas, pelos brucutus que berram ignorância nas redes sociais. Nossas armas contra aquele grãozinho de poeira nanoscópico precisam ser mais sofisticadas: o conhecimento científico, o trabalho paciente e diuturno nos laboratórios de pesquisa, a agilidade e a qualidade do atendimento médico. É na criatividade e no engenho do cérebro humano que os otimistas depositam suas esperanças.
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