Vale a leitura do texto publicado nesta sexta na Folha de S. Paulo.
"O Facebook está juridicamente obrigado a informá-lo de que o governo de Singapura afirma que este post contém informação falsa." Esta mensagem aparece junto a um post sobre a atuação do governo nas eleições locais. Trata-se de um dos primeiros casos de aplicação da nova lei de Singapura sobre notícias falsas, em vigor desde outubro de 2019.
Empresas de mídia social podem sofrer multas que chegam a US$ 1 milhão. Quem for condenado por deliberadamente espalhar mentiras pode pegar até dez anos de prisão.
Os anos 2010 foram da desinformação. A internet prometeu, e entregou, mais acesso a informação —mas separar o joio do trigo passou a ser um desafio muito maior.
Singapura não está sozinha ao adotar lei específica para tentar conter fake news. Nos últimos anos, França, Alemanha, Malásia, Rússia e Austrália também o fizeram. Vários países, incluindo o Brasil, pretendem apertar a legislação para conter notícias falsas, como sugeriu o Tribunal Superior Eleitoral nesta semana.
O problema é sério, e sua extensão, ampla. Fake news afetam desde o clima dos encontros de família até o resultado de eleições presidenciais.
Com o avanço do deep fake, os danos devem ser ainda maiores. Em 2019, um vídeo deep fake mostrou Mark Zuckerberg, do Facebook, dizendo coisas que ele nunca disse —e nada convenientes para ele sobre a concentração de dados de mais de 1 bilhão de pessoas nas mãos de uma empresa.
Também em 2019, a congressista americana Nancy Pelosi foi vítima de um vídeo cuja velocidade foi reduzida para que ela parecesse embriagada. Trump tuitou o vídeo adulterado.
Não há solução mágica. Para piorar, é notória a dificuldade de governos em regular o uso de tecnologias. É também conhecida e universal a tentação de querer mudar a realidade com leis ou com uma canetada.
A legislação de Singapura produziu o feito raro de unir defensores de direitos humanos e empresas de tecnologia. Muitos se preocupam com os riscos para a liberdade de expressão. Vários se incomodam com a ideia de que o Estado detenha o monopólio da verdade, tenha a palavra final sobre o que é verdadeiro e falso.
Para tentar resolver problemas criados pela tecnologia, mais tecnologia será empregada. Na China, a empresa Tencent está usando inteligência artificial para identificar imagens de rosto falsas, ajudando a conter o deep fake.
Resultados efetivos no combate à desinformação online dependem de educação, mesmo que regulação adequada e tecnologia ajudem. Para conter os efeitos de fake news, é necessário capacidade de pensamento crítico, habilidade de duvidar de maneira inteligente e julgar de forma fundamentada.
Por isso, é grave o resultado do último exame Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, na sigla em inglês) no quesito leitura.
O teste mediu a capacidade de alunos de 15 anos distinguirem fatos de opiniões, com base em dicas implícitas relacionadas ao conteúdo ou à fonte da informações. Pois menos de 1 em 10 alunos tem nível de leitura suficiente para poder separar fatos e opiniões ao ler um texto. E isso entre os alunos dos países da OCDE, o dito clube dos ricos. Cerca de 2% dos estudantes brasileiros atingem esse nível.
Como concluiu a OCDE, a educação precisa ajudar as pessoas a desenvolver uma bússola confiável para um mundo incerto, volátil, ambíguo e "acrescentaria" repleto de fake news. Sem isso, não há lei que dê conta de desinformação online.
O problema não vai desaparecer. Espere mais desmentidos publicados no Facebook em Singapura ou mundo afora.
Tatiana Prazeres é senior fellow na Universidade de Negócios Internacionais e Economia, em Pequim, foi secretária de comércio exterior e conselheira sênior do diretor-geral da OMC.
"O Facebook está juridicamente obrigado a informá-lo de que o governo de Singapura afirma que este post contém informação falsa." Esta mensagem aparece junto a um post sobre a atuação do governo nas eleições locais. Trata-se de um dos primeiros casos de aplicação da nova lei de Singapura sobre notícias falsas, em vigor desde outubro de 2019.
Empresas de mídia social podem sofrer multas que chegam a US$ 1 milhão. Quem for condenado por deliberadamente espalhar mentiras pode pegar até dez anos de prisão.
Os anos 2010 foram da desinformação. A internet prometeu, e entregou, mais acesso a informação —mas separar o joio do trigo passou a ser um desafio muito maior.
Singapura não está sozinha ao adotar lei específica para tentar conter fake news. Nos últimos anos, França, Alemanha, Malásia, Rússia e Austrália também o fizeram. Vários países, incluindo o Brasil, pretendem apertar a legislação para conter notícias falsas, como sugeriu o Tribunal Superior Eleitoral nesta semana.
O problema é sério, e sua extensão, ampla. Fake news afetam desde o clima dos encontros de família até o resultado de eleições presidenciais.
Com o avanço do deep fake, os danos devem ser ainda maiores. Em 2019, um vídeo deep fake mostrou Mark Zuckerberg, do Facebook, dizendo coisas que ele nunca disse —e nada convenientes para ele sobre a concentração de dados de mais de 1 bilhão de pessoas nas mãos de uma empresa.
Também em 2019, a congressista americana Nancy Pelosi foi vítima de um vídeo cuja velocidade foi reduzida para que ela parecesse embriagada. Trump tuitou o vídeo adulterado.
Não há solução mágica. Para piorar, é notória a dificuldade de governos em regular o uso de tecnologias. É também conhecida e universal a tentação de querer mudar a realidade com leis ou com uma canetada.
A legislação de Singapura produziu o feito raro de unir defensores de direitos humanos e empresas de tecnologia. Muitos se preocupam com os riscos para a liberdade de expressão. Vários se incomodam com a ideia de que o Estado detenha o monopólio da verdade, tenha a palavra final sobre o que é verdadeiro e falso.
Para tentar resolver problemas criados pela tecnologia, mais tecnologia será empregada. Na China, a empresa Tencent está usando inteligência artificial para identificar imagens de rosto falsas, ajudando a conter o deep fake.
Resultados efetivos no combate à desinformação online dependem de educação, mesmo que regulação adequada e tecnologia ajudem. Para conter os efeitos de fake news, é necessário capacidade de pensamento crítico, habilidade de duvidar de maneira inteligente e julgar de forma fundamentada.
Por isso, é grave o resultado do último exame Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes, na sigla em inglês) no quesito leitura.
O teste mediu a capacidade de alunos de 15 anos distinguirem fatos de opiniões, com base em dicas implícitas relacionadas ao conteúdo ou à fonte da informações. Pois menos de 1 em 10 alunos tem nível de leitura suficiente para poder separar fatos e opiniões ao ler um texto. E isso entre os alunos dos países da OCDE, o dito clube dos ricos. Cerca de 2% dos estudantes brasileiros atingem esse nível.
Como concluiu a OCDE, a educação precisa ajudar as pessoas a desenvolver uma bússola confiável para um mundo incerto, volátil, ambíguo e "acrescentaria" repleto de fake news. Sem isso, não há lei que dê conta de desinformação online.
O problema não vai desaparecer. Espere mais desmentidos publicados no Facebook em Singapura ou mundo afora.
Tatiana Prazeres é senior fellow na Universidade de Negócios Internacionais e Economia, em Pequim, foi secretária de comércio exterior e conselheira sênior do diretor-geral da OMC.
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