Uma grande história contada com graça e ótimo texto
Maria Luiza Filgueiras, ou Malu Filgueiras, é uma das grandes jornalistas de sua geração, das poucas que apura e pensa tão bem como escreve. Já passou por diversos veículos, hoje é repórter especial do Valor Econômico. Mineira de nascimento, atleticana e curiosa, como informa a biografia da orelha do livro Na Raça, Malu foi muito feliz ao contar a trajetória de Guilherme Benchimol, carioca e fundador da XP, avaliada hoje em módicos R$ 100 bilhões. Claro, a história de Benchimol é sensacional, bem como a da XP Investimentos, que nasceu em um fundo de quintal em Porto Alegre, para onde o novo bilionário brasileiro migrou depois de sucessivos fracassos no Rio de Janeiro. Mas se a história é boa, a narrativa de Malu faz dela uma trama eletrizante, é difícil parar de ler antes de terminar – no caso do autor destas linhas, foram duas tardes e uma noite, menos de 72 horas do início até a última página.
Alguns pontos merecem ser destacados. Em primeiro lugar, a apuração magistral e profunda da autora, que ouviu praticamente todos os envolvidos na trajetória da XP – apenas poucos desafetos de Guilherme preferiram não conceder entrevistas. Em segundo lugar, Malu não poupa o protagonista, como é comum ocorrer em biografias autorizadas, revelando tanto sua genialidade quanto sua neurastenia, inclusive trazendo a público questões de natureza privada, como o episódio da separação de Guilherme de Ana Clara, sua mulher e sócia, com quem reatou um ano depois de separar-se.
Outro ponto que conta pontos, com o perdão do trocadilho infame, é a qualidade do texto, primoroso apesar de alguns errinhos de revisão, mas nada que comprometa o entendimento, é mesmo coisa de quem já foi copydesk, profissão em extinção. Aliás, a Íntrinseca, editora do livro, contratou “apenas” Thiago Lethbridge, outro craque do jornalismo, para comandar a edição, primorosa, por sinal. Ou seja, um timaço de jornalistas, coisa rara de se ver por aí.
Mas o que realmente vale a dica é a história de Benchimol e da XP, que começou a existir em 2001 em uma sala de 25 metros quadrados, certamente menor que o banheiro do BTG, e em menos de 20 anos conseguiu a proeza de chamar a atenção do banqueiros Roberto Setúbal e Candido Bracher, ambos very old school, culminando em um bem sucedido IPO no final do ano passado (infelizmente ocorrido após o lançamento do livro), o que levou à citada avaliação dos R$ 100 bilhões.
O Guilherme que emerge da apuração de Malu Filgueiras é um personagem complexo, que como qualquer um de nós tem angústias, problemas com o pai, com a mulher e, em especial, com seus sócios. São muitos que entram e acabam saindo por incompatibilidade com o gênio de Benchimol e sua insistência em uma cultura bastante diferente da valorizada pelos Faria Limers de quem é vizinho e com quem faz negócios ou tem relacionamento diário. Em uma das passagens mais divertidas, para não dizer hilária, há o caso de um diretor que compra um Porsche e é questionado por Guilherme sobre a compra do carrão. O que nas vizinhanças seria uma prova de sucesso, na XP de Benchimol é atestado de burrice e mau uso do dinheiro dos bônus e prêmios. Depois de passar um tempo tentando esconder o Porsche em vagas distantes da vista de Benchimol, o diretor acaba vendendo o carro. Ponto para a cultura XP...
São 237 páginas com muitas ilustrações dos vários momentos da XP, o que torna a leitura leve e rápida, mas também há detalhes e reflexões bastante atuais para os dias de hoje. Todo mundo que se interessa por economia – a real, mesmo, não a imaginária – deveria ler. Mas não é um livro para entendidos do mercado financeiro, é uma biografia, e como tal, trata de gente. E gente, como diria Caetano, é para brilhar. Guilherme já brilhou e Malu ainda mais com uma obra definitiva sobre um personagem da contemporaneidade brasileira. #ficaadica. Por Luiz Antonio Magalhães em 24/01/2020.
Maria Luiza Filgueiras, ou Malu Filgueiras, é uma das grandes jornalistas de sua geração, das poucas que apura e pensa tão bem como escreve. Já passou por diversos veículos, hoje é repórter especial do Valor Econômico. Mineira de nascimento, atleticana e curiosa, como informa a biografia da orelha do livro Na Raça, Malu foi muito feliz ao contar a trajetória de Guilherme Benchimol, carioca e fundador da XP, avaliada hoje em módicos R$ 100 bilhões. Claro, a história de Benchimol é sensacional, bem como a da XP Investimentos, que nasceu em um fundo de quintal em Porto Alegre, para onde o novo bilionário brasileiro migrou depois de sucessivos fracassos no Rio de Janeiro. Mas se a história é boa, a narrativa de Malu faz dela uma trama eletrizante, é difícil parar de ler antes de terminar – no caso do autor destas linhas, foram duas tardes e uma noite, menos de 72 horas do início até a última página.
Alguns pontos merecem ser destacados. Em primeiro lugar, a apuração magistral e profunda da autora, que ouviu praticamente todos os envolvidos na trajetória da XP – apenas poucos desafetos de Guilherme preferiram não conceder entrevistas. Em segundo lugar, Malu não poupa o protagonista, como é comum ocorrer em biografias autorizadas, revelando tanto sua genialidade quanto sua neurastenia, inclusive trazendo a público questões de natureza privada, como o episódio da separação de Guilherme de Ana Clara, sua mulher e sócia, com quem reatou um ano depois de separar-se.
Outro ponto que conta pontos, com o perdão do trocadilho infame, é a qualidade do texto, primoroso apesar de alguns errinhos de revisão, mas nada que comprometa o entendimento, é mesmo coisa de quem já foi copydesk, profissão em extinção. Aliás, a Íntrinseca, editora do livro, contratou “apenas” Thiago Lethbridge, outro craque do jornalismo, para comandar a edição, primorosa, por sinal. Ou seja, um timaço de jornalistas, coisa rara de se ver por aí.
Mas o que realmente vale a dica é a história de Benchimol e da XP, que começou a existir em 2001 em uma sala de 25 metros quadrados, certamente menor que o banheiro do BTG, e em menos de 20 anos conseguiu a proeza de chamar a atenção do banqueiros Roberto Setúbal e Candido Bracher, ambos very old school, culminando em um bem sucedido IPO no final do ano passado (infelizmente ocorrido após o lançamento do livro), o que levou à citada avaliação dos R$ 100 bilhões.
O Guilherme que emerge da apuração de Malu Filgueiras é um personagem complexo, que como qualquer um de nós tem angústias, problemas com o pai, com a mulher e, em especial, com seus sócios. São muitos que entram e acabam saindo por incompatibilidade com o gênio de Benchimol e sua insistência em uma cultura bastante diferente da valorizada pelos Faria Limers de quem é vizinho e com quem faz negócios ou tem relacionamento diário. Em uma das passagens mais divertidas, para não dizer hilária, há o caso de um diretor que compra um Porsche e é questionado por Guilherme sobre a compra do carrão. O que nas vizinhanças seria uma prova de sucesso, na XP de Benchimol é atestado de burrice e mau uso do dinheiro dos bônus e prêmios. Depois de passar um tempo tentando esconder o Porsche em vagas distantes da vista de Benchimol, o diretor acaba vendendo o carro. Ponto para a cultura XP...
São 237 páginas com muitas ilustrações dos vários momentos da XP, o que torna a leitura leve e rápida, mas também há detalhes e reflexões bastante atuais para os dias de hoje. Todo mundo que se interessa por economia – a real, mesmo, não a imaginária – deveria ler. Mas não é um livro para entendidos do mercado financeiro, é uma biografia, e como tal, trata de gente. E gente, como diria Caetano, é para brilhar. Guilherme já brilhou e Malu ainda mais com uma obra definitiva sobre um personagem da contemporaneidade brasileira. #ficaadica. Por Luiz Antonio Magalhães em 24/01/2020.
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