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NYT: Impeachment de Trump acontece em um país fraturado, em que o impensável se tornou trivial

Muito boa análise, do New York Times, vale a leitura.

WASHINGTON - Para o mais imprevisível dos presidentes, foi o mais previsível dos resultados. Alguém ficou surpreso que o impeachment do presidente Donald Trump tenha sido aprovado na Câmara? Seu desrespeito constante pelos limites fazia desse um impeachment pronto para acontecer.
Desde o dia em que assumiu, Trump deixou claro que não cumpriria as convenções do sistema que herdou. Talvez fosse inevitável que em algum momento o partido da oposição fosse achar que ele foi longe demais, levando à votação em que ele era alternadamente retratado como um inimigo da Constituição ou como uma vítima.
Muito antes do imbróglio com a Ucrânia que levou às acusações de abuso de poder e obstrução do Congresso, Trump havia tentado torcer os instrumentos de governo para que servissem a seus propósitos. Ele tornou-se a figura que mais gera polarização em um país permeado por uma atmosfera política tóxica. Desconsiderando práticas que restringiram outros presidentes, Trump manteve seus negócios imobiliários, pagou muito dinheiro a uma suposta amante e procurou impedir investigações que o ameaçavam.
Sua enxurrada constante de mentiras minou sua credibilidade em casa e no exterior, enquanto seus apoiadores viram nele um contestador de um status quo corrupto, que sofre perseguição por razões partidárias.
O impeachment ocorre em momentos de convulsão social, em que o tecido que liga a sociedade parece frágil, e o futuro, incerto. Os casos de Andrew Johnson, Richard Nixon e Bill Clinton ocorreram em momentos decisivos na História americana. A época que produziu Trump provou ser outra, uma em que o impensável se tornou rotina e em que normas que antes pareciam inquestionáveis foram postas à prova.
Momentos de transição
Trump, com as fraturas que estimula, é a manifestação de uma nação que se fragmenta em vários campos de guerra que tentam redefinir o futuro do país, como aconteceu durante a Reconstrução após a Guerra Civil, durante a era do Vietnã e de Watergate e durante o surgimento de uma nova forma de militância furiosa no início da era da informação.
— O que estamos vendo é uma erupção de um vulcão fervente. Vimos isso com Johnson, com Nixon, com Clinton e agora com Trump. Os impeachments são emblemáticos de períodos de profunda transição — disse o historiador Jay Winik.
No caso de Johnson, seu processo de impeachment em 1868, no qual ele acabou absolvido no Senado por um voto, não foi sobre sua decisão de demitir seu secretário de Guerra, violando uma lei derrubada mais tarde, mas sobre que tipo de país emergiria da Guerra Civil. Um supremacista branco do Sul que chegou à Casa Branca após o assassinato de Abraham Lincoln, Johnson queria que os estados confederados voltassem à União com poucas mudanças, enquanto seus oponentes republicanos radicais buscavam uma nova ordem que garantisse direitos iguais para os escravos libertos.
O caso de Nixon, que renunciou em 1974 antes da votação na Câmara, foi o clímax de uma década de convulsão social, com os assassinatos de John Kennedy, Robert Kennedy e Martin Luther King Jr., o movimento dos direitos civis, a Guerra do Vietnã, a emancipação das mulheres e, finalmente, o escândalo de Watergate.
O processo de Clinton, que também acabou absolvido pelo Senado, chegou em um momento de paz e prosperidade. Ainda assim, foi um momento de transição, quando o primeiro filho da geração do pós-Segunda Guerra chegou à Casa Branca, levando consigo uma história de permissividade sexual, uso de drogas e recusa ao serviço militar que ofendia os tradicionalistas. O surgimento dos republicanos linha-dura como Newt Gingrich, que presidia a Câmara e articulou o processo, coincidiu com a mudança propiciada pela internet que tornaria os EUA um campo repleto de tensões.
A improvável ascensão de Trump ao poder reflete uma transformação da política americana, com narrativas diferentes, apartadas entre si, distribuídas por meios de comunicação diferentes, apartados entre si.
Para alguns, sua eleição foi a revolta das pessoas comuns contra as elites costeiras, o que Winik chamou de “a era do homem esquecido”. Ao empoderar uma celebridade da TV rica para assumir o sistema, as pessoas comuns fizeram dele o primeiro presidente da História americana que não teve nem sequer um dia de experiência no governo ou nas Forças Armadas, apostando que ele faria o que seus 44 antecessores não fizeram.
— Talvez tenhamos demorado para nos darmos conta de que é necessário repensar todo o sistema político — disse John Lewis Gaddis, historiador de Yale. — Há momentos em que essa percepção não vem de dentro do sistema, mas de fora. E talvez este seja um desses momentos.


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