A dica desta semana traz uma novidade: assinada por Ana Carolina Carvalho, mestre em Educação, formadora de educadores e assessora na área de leitura. Ela passa a colaborar com a coluna, que semanalmente apresenta um texto sobre livros, filmes, séries, exposições e outras manifestações culturais. E o primeiro texto traz um tema controverso e que tem sido motivo de muito debate nas redes: Elizabeth Bishop. Boa leitura!
Bishop fica? A polêmica em torno da autora homenageada da Flip
No final do ano passado, a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) anunciou a autora homenageada de 2020: a poeta norte-americana Elizabeth Bishop, que viveu no Brasil por pouco mais de duas décadas e meia. Houve reações contrárias e barulhentas nas redes sociais, alegando que a poeta, além de não ser brasileira, apoiou o regime militar e escreveu mal do Brasil, criticando, inclusive, parte de sua literatura. A Flip ficou mexida e cerca de uma semana depois das reações, publicou uma nota um tanto dúbia, afirmando que olharia para a questão com a serenidade que esta merecia. Pensar com cuidado na escolha não significa mudá-la, claro. Pode-se manter a Bishop e se pensar em uma programação que contemple as críticas, que abarque as complexidades da autora, suas incongruências e posicionamentos.
A autora é grande, embora não tenha produzido obra tão vasta. Ao longo dos 68 anos de vida, acumulou 101 poemas. Boa poeta, também prosadora, com obra de qualidade, produzida em grande parte aqui no Brasil, tendo sofrido influência da literatura e cultura brasileiras. Isto é algo bonito de se homenagear e daria discussões interessantes. Uma espécie de antropofagia às avessas. Quais são os aspectos da literatura brasileira que aparecem na obra da poeta norte-americana? Além de sofrer influência de nosso estado de coisas (o poema Cadela Rosada escrito no Rio de Janeiro é prova disso), Bishop também divulgou a literatura brasileira pelo mundo, ao traduzir Helena Morley e seu Minha Vida de Menina e obras de poetas como Drummond, João Cabral e Cecília Meireles.
A escolha foi mesmo infeliz? Depende do ponto de vista. A festa literária de Paraty é internacional e a cada ano, recebe um tanto de autores estrangeiros e brasileiros. Não é festa exclusiva de autores brasileiros. Mas é evidente que o evento também pode e deve servir para que a literatura brasileira seja divulgada aqui e lá fora. Ao homenagear autores brasileiros, o evento permite que se mergulhe em nossa literatura, ainda pouco lida lá fora e, também, em terras brasileiras, diga-se. Do meu ponto de vista, seria melhor homenagear autores brasileiros, podendo até ser os traduzidos por Bishop. João Cabral de Melo Neto que em breve faria 100 anos cairia muito bem em 2020. Cecília Meireles, se fosse para ser uma mulher, poderia ser uma ótima pedida.
Mas foi Bishop. E a escolha não foi vista como problemática apenas por ser autora estrangeira que viveu no Brasil. Também pelos posicionamentos políticos da poeta, que apoiou a ditadura, chegando a elogiar a beleza e rapidez da “revolução” de 1964. Não obstante, ela era também grande apreciadora de Graciliano Ramos, comunista reconhecido e tentou emplacar o autor nos Estados Unidos, sem sucesso. Embora levemente crítica a Carlos Lacerda, era sua amiga pessoal e o apoiava politicamente. Talvez aí o encanto pelo golpe de 64 tenha sido até reforçado, já que Lacerda inicialmente o apoiou, para depois ser perseguido e cassado pelo regime militar (e criticado pela poeta como traidor).
Neste momento pelo qual passa o nosso país, com o governo de extrema-direita que temos, flertando com o totalitarismo, com acenos frequentes a medidas autoritárias, a escolha não é perigosa? Mas também não seria importante olhar para isso, criticar posicionamentos, pesar na balança, contextualizar? É o caso de execrar a autora por seus posicionamentos políticos? A literatura já viveu muitos exemplos de bons autores que foram rechaçados por suas ideologias. Essa forma de censura é válida? Não abre espaço para qualquer forma de censura?
Se a Flip repensar a escolha, homenageando um autor brasileiro, penso mesmo que será mais acertado, do ponto de vista do espaço para a literatura brasileira. Mas se Bishop ficar como a homenageada de 2020, vamos aproveitar o momento para refletir sobre nosso país, a partir do olhar de uma estrangeira que aqui viveu, amou e escreveu. E que certamente tinha uma relação ambígua com o Brasil. Por vezes, errou em suas opiniões, mas os erros também devem ser considerados e analisados. E talvez nesse sentido, o momento até seja propício. Aguardemos. Por Ana Carolina Carvalho em 3/01/2020.
Bishop fica? A polêmica em torno da autora homenageada da Flip
No final do ano passado, a Flip (Festa Literária Internacional de Paraty) anunciou a autora homenageada de 2020: a poeta norte-americana Elizabeth Bishop, que viveu no Brasil por pouco mais de duas décadas e meia. Houve reações contrárias e barulhentas nas redes sociais, alegando que a poeta, além de não ser brasileira, apoiou o regime militar e escreveu mal do Brasil, criticando, inclusive, parte de sua literatura. A Flip ficou mexida e cerca de uma semana depois das reações, publicou uma nota um tanto dúbia, afirmando que olharia para a questão com a serenidade que esta merecia. Pensar com cuidado na escolha não significa mudá-la, claro. Pode-se manter a Bishop e se pensar em uma programação que contemple as críticas, que abarque as complexidades da autora, suas incongruências e posicionamentos.
A autora é grande, embora não tenha produzido obra tão vasta. Ao longo dos 68 anos de vida, acumulou 101 poemas. Boa poeta, também prosadora, com obra de qualidade, produzida em grande parte aqui no Brasil, tendo sofrido influência da literatura e cultura brasileiras. Isto é algo bonito de se homenagear e daria discussões interessantes. Uma espécie de antropofagia às avessas. Quais são os aspectos da literatura brasileira que aparecem na obra da poeta norte-americana? Além de sofrer influência de nosso estado de coisas (o poema Cadela Rosada escrito no Rio de Janeiro é prova disso), Bishop também divulgou a literatura brasileira pelo mundo, ao traduzir Helena Morley e seu Minha Vida de Menina e obras de poetas como Drummond, João Cabral e Cecília Meireles.
A escolha foi mesmo infeliz? Depende do ponto de vista. A festa literária de Paraty é internacional e a cada ano, recebe um tanto de autores estrangeiros e brasileiros. Não é festa exclusiva de autores brasileiros. Mas é evidente que o evento também pode e deve servir para que a literatura brasileira seja divulgada aqui e lá fora. Ao homenagear autores brasileiros, o evento permite que se mergulhe em nossa literatura, ainda pouco lida lá fora e, também, em terras brasileiras, diga-se. Do meu ponto de vista, seria melhor homenagear autores brasileiros, podendo até ser os traduzidos por Bishop. João Cabral de Melo Neto que em breve faria 100 anos cairia muito bem em 2020. Cecília Meireles, se fosse para ser uma mulher, poderia ser uma ótima pedida.
Mas foi Bishop. E a escolha não foi vista como problemática apenas por ser autora estrangeira que viveu no Brasil. Também pelos posicionamentos políticos da poeta, que apoiou a ditadura, chegando a elogiar a beleza e rapidez da “revolução” de 1964. Não obstante, ela era também grande apreciadora de Graciliano Ramos, comunista reconhecido e tentou emplacar o autor nos Estados Unidos, sem sucesso. Embora levemente crítica a Carlos Lacerda, era sua amiga pessoal e o apoiava politicamente. Talvez aí o encanto pelo golpe de 64 tenha sido até reforçado, já que Lacerda inicialmente o apoiou, para depois ser perseguido e cassado pelo regime militar (e criticado pela poeta como traidor).
Neste momento pelo qual passa o nosso país, com o governo de extrema-direita que temos, flertando com o totalitarismo, com acenos frequentes a medidas autoritárias, a escolha não é perigosa? Mas também não seria importante olhar para isso, criticar posicionamentos, pesar na balança, contextualizar? É o caso de execrar a autora por seus posicionamentos políticos? A literatura já viveu muitos exemplos de bons autores que foram rechaçados por suas ideologias. Essa forma de censura é válida? Não abre espaço para qualquer forma de censura?
Se a Flip repensar a escolha, homenageando um autor brasileiro, penso mesmo que será mais acertado, do ponto de vista do espaço para a literatura brasileira. Mas se Bishop ficar como a homenageada de 2020, vamos aproveitar o momento para refletir sobre nosso país, a partir do olhar de uma estrangeira que aqui viveu, amou e escreveu. E que certamente tinha uma relação ambígua com o Brasil. Por vezes, errou em suas opiniões, mas os erros também devem ser considerados e analisados. E talvez nesse sentido, o momento até seja propício. Aguardemos. Por Ana Carolina Carvalho em 3/01/2020.
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