Uma lindeza esta homenagem de Norma a Alberto Dines (foto), com quem o autor deste blog trabalhou por quase 10 anos, um dos maiores de sua profissão, gênio absoluto, inquieto, intelectual de primeira. Faço minhas as palavras de Norma, e saúdo a iniciativa do Instituto Alberto Dines. Texto publicado na FSP desta sexta-feira, 3/1.
Paixão insaciável, o melhor ofício do mundo, segundo Gabriel García Márquez, no Brasil o jornalismo foi demolido nos poucos meses em que se tornou alvo preferencial do governo. Aprendemos a respeitar um jornalismo que já derrubou um presidente americano com o bloquinho de papel e a caneta de dois repórteres do Washington Post, no caso Watergate, em 1974. Aqui, o desmonte é orquestrado: primeiro, tira-se o diploma; agora, cassa-se o registro dos jornalistas. Sem substituto, a democracia balança no ar.
Alberto Dines foi o primeiro ombudsman brasileiro ao inaugurar, nesta Folha, em julho de 1975, a coluna “Jornal dos Jornais”, que durou 114 edições, até setembro de 1977. Foi o primeiro a denunciar as ameaças que levaram Vladimir Herzog à morte sob tortura no DOI-Codi, e a perseguição a Zuzu Angel, que buscava o corpo do filho Stuart , morto em 1971 no Centro de Informações da Aeronáutica, no Galeão. A imprensa? Censurada.
Como prenunciou Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), então publisher da Folha, “você vai arrumar muitos inimigos”. Dines não arredou pé e viveu 65 dos seus 86 anos de vida focado na imprensa.
Implantou um novo padrão de jornalismo ao comandar o Jornal do Brasil por 12 anos, até 1973; ganhou o prêmio Maria Moors Cabot na Universidade Columbia, onde foi professor em Nova York; lançou revistas da editora Abril em Portugal; e escreveu 15 livros. Em 1996, foi pioneiro ao criar o site Observatório da Imprensa, que em 1998 ganhou uma versão televisiva semanal, no ar por 20 anos. Ao morrer, em 2018, deixou uma preciosa biblioteca, projetos para mais cem anos, matéria-prima para o resgate do orgulho da profissão.
A ideia da criação de um Instituto Alberto Dines é uma espécie de antídoto ao veneno do desprezo pelos valores da civilidade que atropela os princípios éticos do jornalismo —base para reestruturar corações e mentes de jovens profissionais. Uma cátedra, um prêmio de jornalismo investigativo, o germe do gosto pela entrevista, a liberdade de pensar e produzir.
Se uma pessoa ao morrer leva junto uma biblioteca, não podemos perder mais esta quando estamos a ponto de decorar livros inteiros antes que sejam queimados, proibidos, num revival de “Fahrenheit 451”.
“Última profissão romântica” antes da era da internet, o jornalismo e seus princípios se evaporaram. Foram para o espaço da memória junto com calandras, rotativas, linotipos, flans, clichês, laudas de 20 linhas, telexes, máquinas de escrever e seus carbonos de cor lilás —e que hoje soam mais ficção científica do que as páginas de Ray Bradbury.
A competição pelo “furo” ficou para trás, mas os jornalistas “hightech” não precisam perder a essência, fragmentada em milhares de blogs, sites anônimos, notícias apócrifas e fake news, paraíso dos mitômanos.
Uma frase de 1682, pendurada no escritório de Dines, ensina: “A principal obra-prima da natureza é escrever bem”. Essa arte, junto com as decorrentes resumidas no slogan de uma velha livraria carioca —“Quem não lê, mal fala, mal ouve, mal vê”— contaminou a imprensa brasileira, que virou deserto de notícias em 62,6% dos municípios do país.
Se em Washington dava água na boca o Newseum, museu pela liberdade da imprensa que infelizmente fechou suas portas no último dia de 2019, não temos algo semelhante por aqui. Mas não podemos ter um instituto, pedra fundamental para a dignidade da profissão?
* O título deste artigo é uma referência à música “Último Desejo”, de Noel Rosa, composta em 1937; o último desejo de Alberto Dines foi a criação de um instituto para o jornalismo
Paixão insaciável, o melhor ofício do mundo, segundo Gabriel García Márquez, no Brasil o jornalismo foi demolido nos poucos meses em que se tornou alvo preferencial do governo. Aprendemos a respeitar um jornalismo que já derrubou um presidente americano com o bloquinho de papel e a caneta de dois repórteres do Washington Post, no caso Watergate, em 1974. Aqui, o desmonte é orquestrado: primeiro, tira-se o diploma; agora, cassa-se o registro dos jornalistas. Sem substituto, a democracia balança no ar.
Alberto Dines foi o primeiro ombudsman brasileiro ao inaugurar, nesta Folha, em julho de 1975, a coluna “Jornal dos Jornais”, que durou 114 edições, até setembro de 1977. Foi o primeiro a denunciar as ameaças que levaram Vladimir Herzog à morte sob tortura no DOI-Codi, e a perseguição a Zuzu Angel, que buscava o corpo do filho Stuart , morto em 1971 no Centro de Informações da Aeronáutica, no Galeão. A imprensa? Censurada.
Como prenunciou Octavio Frias de Oliveira (1912-2007), então publisher da Folha, “você vai arrumar muitos inimigos”. Dines não arredou pé e viveu 65 dos seus 86 anos de vida focado na imprensa.
Implantou um novo padrão de jornalismo ao comandar o Jornal do Brasil por 12 anos, até 1973; ganhou o prêmio Maria Moors Cabot na Universidade Columbia, onde foi professor em Nova York; lançou revistas da editora Abril em Portugal; e escreveu 15 livros. Em 1996, foi pioneiro ao criar o site Observatório da Imprensa, que em 1998 ganhou uma versão televisiva semanal, no ar por 20 anos. Ao morrer, em 2018, deixou uma preciosa biblioteca, projetos para mais cem anos, matéria-prima para o resgate do orgulho da profissão.
A ideia da criação de um Instituto Alberto Dines é uma espécie de antídoto ao veneno do desprezo pelos valores da civilidade que atropela os princípios éticos do jornalismo —base para reestruturar corações e mentes de jovens profissionais. Uma cátedra, um prêmio de jornalismo investigativo, o germe do gosto pela entrevista, a liberdade de pensar e produzir.
Se uma pessoa ao morrer leva junto uma biblioteca, não podemos perder mais esta quando estamos a ponto de decorar livros inteiros antes que sejam queimados, proibidos, num revival de “Fahrenheit 451”.
“Última profissão romântica” antes da era da internet, o jornalismo e seus princípios se evaporaram. Foram para o espaço da memória junto com calandras, rotativas, linotipos, flans, clichês, laudas de 20 linhas, telexes, máquinas de escrever e seus carbonos de cor lilás —e que hoje soam mais ficção científica do que as páginas de Ray Bradbury.
A competição pelo “furo” ficou para trás, mas os jornalistas “hightech” não precisam perder a essência, fragmentada em milhares de blogs, sites anônimos, notícias apócrifas e fake news, paraíso dos mitômanos.
Uma frase de 1682, pendurada no escritório de Dines, ensina: “A principal obra-prima da natureza é escrever bem”. Essa arte, junto com as decorrentes resumidas no slogan de uma velha livraria carioca —“Quem não lê, mal fala, mal ouve, mal vê”— contaminou a imprensa brasileira, que virou deserto de notícias em 62,6% dos municípios do país.
Se em Washington dava água na boca o Newseum, museu pela liberdade da imprensa que infelizmente fechou suas portas no último dia de 2019, não temos algo semelhante por aqui. Mas não podemos ter um instituto, pedra fundamental para a dignidade da profissão?
* O título deste artigo é uma referência à música “Último Desejo”, de Noel Rosa, composta em 1937; o último desejo de Alberto Dines foi a criação de um instituto para o jornalismo
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