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O que vem por aí: um mundo de surtos e política malparada

Boa análise de perspectivas do colunista Vinicius Torres Freire, na FSP desta sexta, 3/1. Na íntegra, abaixo.

Economia mundial anda lerda em um planeta pontilhado de revoltas populares sérias
No ano que acabou de passar, especulava-se que poderia haver uma baixa feia no crescimento mundial. Que havia risco de recessão nos Estados Unidos e nova desaceleração significativa na China.
Não foi o caso, apesar da lerdeza econômica disseminada, que causou algum estrago por aqui, com a colaboração expressiva da Argentina, que se arrebentou outra vez mais por seus motivos muito próprios ou particulares, como temos feito por aqui desde os anos 10.
Quais previsões erradas podemos então fazer para 2020?
Pelo andar da carruagem, um chute mais ou menos informado e baseado nas estimativas de instituições multilaterais (como o FMI) e da megafinança internacional, parece que não haveria mudança notável no ritmo do PIB do mundo neste 2020.
Mas, como se sabe, o mundo é um lugar perigoso e tem andado especialmente instável pelo menos desde que a megafinança quebrou o planeta, faz pouco mais de uma década.
A situação se tornou política e particularmente mais turbulenta desde a eleição de Donald Trump, que animou o que, por comodidade sarcástica, vai se chamar de corações e mentes dos demagogos autoritários pelo mundo.
Pouco antes disso, com pioneirismo brasileiro ao menos no hemisfério ocidental, passaram a pipocar surtos graves de insatisfação com a política e a democracia, revoltas populares sérias e recorrentes, que resultam em crises encruadas, que não apontam caminhos de renovação, mas de destruição de uma ordem apodrecida e catatônica, por ora.
O ano velho terminou com esse gosto de amargura internacional, como se sabe, vide os casos ainda sem solução de Chile, Hong Kong, França (curiosamente quase ignorado por aqui) e o segundo turno da revolta no Reino Unido (a vitória final do brexit). As instituições de cooperação internacional estão se desmilinguindo.
Isso para ficar nos casos maiores e notórios. Há impasses de governo e crises dormidas na Itália, em Israel ou na Espanha, por exemplo.
De especial interesse, vem aí uma eleição dramática nos Estados Unidos, em um país ainda mais dividido pelo impeachment. Donald Trump e sua guerra fria com a China foram um motivo maior da desaceleração econômica mundial em 2019.
O presidente americano dá a impressão de que pretende chegar a algum acordo com os chineses, mas os demagogos autoritários não funcionam no universo da razão. Além do mais, pesquisas eleitorais adversas e os embates do impeachment podem inspirar maluquices diversionistas. Uma doideira americana causa estragos imensos.
Para variar, tenta-se olhar o futuro com um olho no retrovisor. No entanto, não é razoável acreditar que os motivos das crises dos sistemas políticos tenham evaporado. Não é delírio imaginar que as revoltas populares em vários países inspirem movimentos similares pelo mundo, assim como as vitórias dos demagogos animaram seus pares.
A disputa sino-americana vai longe. Faltam lideranças e instituições apaziguadoras.
Não se trata de esperar uma “primavera dos povos” nem, ao contrário, de uma enxurrada contínua das vitórias políticas de líderes autoritários.
A impressão é de esboroamento gradual do que se chamava de ordem liberal. Mas essa situação malparada, com surtos e febres terçãs de revolta, ora parece ameaça mais importante para a economia mundial do que os chamados “fundamentos”, meio rachados mas estáveis (sim, a finança sempre pode fazer das suas).
Vinicius Torres Freire é jornalista, foi secretário de Redação da Folha. É mestre em administração pública pela Universidade Harvard (EUA).


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