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Valor: morre no Rio o economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES

O Brasil está perdendo a luta contra o Covid-19 e o vírus está levando gente muito boa, especialmente e infelizmente, os mais idosos. Carlos Lessa foi um grande brasileiro, toda uma ficha impecável de serviços prestados ao nosso país. Fica a homenagem, o obituário abaixo foi produzido pelo Valor, publicado na tarde de sexta, 5/6, data de seu falecimento.

O economista Carlos Lessa, ex-presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) morreu na manhã desta sexta-feira, no Rio de Janeiro, aos 83 anos. Lessa passava há algum tempo por problemas de saúde e, segundo familiares, contraiu covid-19, embora a causa da morte não tenha sido oficialmente informada.
Carlos Francisco Theodoro Machado Ribeiro de Lessa nasceu na Gávea, bairro de alta classe média do Rio, em 30 de junho de 1936. Filho de Clado Ribeiro de Lessa, médico cuja verdadeira paixão era a história do Brasil, e de Amélia Machado Ribeiro de Lessa, dona de casa que dedicava boa parte de seu tempo a programas assistenciais, sobretudo ligados à Igreja Católica, classificava sua família de “oligárquica decadente, que produzia café numa época escravagista”. Lessa herdou de seu pai e de seu avô um respeitável patrimônio que soube multiplicar.
Casado com Martha, com quem teve três filhos (Rodrigo, Pedro e Tereza, que lhe deram três netos), o economista, ex-reitor da UFRJ e ex-presidente do BNDES, soube aumentar a fortuna herdada, priorizando aplicações em ações que pagavam bons dividendos — que sempre foram sua maior fonte de recursos — e fazendo excelentes negócios com aquisições em terrenos e imóveis antigos em áreas onde previa valorização futura, como o bairro da Lapa e outros locais no centro da cidade do Rio.
Dono de um belo casarão do Cosme Velho, homem de fino trato e gosto refinado, apreciador da arte, como seu pai, que lhe deixou a coleção de arte barroca da família, Lessa uniu a este seu estilo de vida sofisticado o gosto pela vida acadêmica, na qual se tornou referência no Brasil e no exterior.
Sempre foi um excelente aluno, e um ano depois de graduar-se em economia, em 1959, na Universidade do Brasil, no Rio, foi fazer o Curso do Conselho Nacional de Economia, onde foi aluno de microeconomia de Mario Henrique Simonsen. No curso, acabou convidado a tornar-se professor. Na primeira turma que recebeu, teve como aluno João Paulo dos Reis Velloso, ex-ministro do Planejamento dos governos militares dos generais Garraztazu Medici e Ernesto Geisel.
Poucos anos depois, no mesmo curso, Lessa reencontraria seu ex-professor Simonsen no que chamava jocosamente de Suesc — “a faculdade do Siri Cozido como a gente chamava por causa da cor esdrúxula do prédio”. Lá, Simonsen foi buscar o diploma de economia (era engenheiro) e acabou se tornando aluno de macroeconomia de Lessa.
Nos anos 1970, tomou a iniciativa de deixar o país por algum tempo, por temer ser preso e perseguido pela ditadura militar que derrubou o presidente João Goulart, em 1964. No Chile, lecionou no Instituto de Planejamento Econômico e Social ao lado do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Também deu aula na Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), órgão da ONU, lecionou no Instituto Latino-Americano e do Caribe de Planificação Econômica e Social, também órgão da ONU, e em outras além de instituições no Chile, Nicarágua e El Salvador.
Desde 1978, Lessa esteve ligado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) como professor-titular do Instituto de Economia (IE) e professor da Coppe, entre 2001 e 2006. Com Antonio Barros de Castro, seu colega da UFRJ, escreveu o livro “Introdução à Economia”, que ainda hoje faz parte da bibliografia recomendada nos cursos de graduação de economia. Autor de 12 livros, Lessa tinha uma biblioteca de 30 mil volumes, onde preponderavam obras de história do Brasil.
Entre 1985 e 1989, no governo de José Sarney, Lessa foi indicado para ser o primeiro diretor da recém-criada área social do então Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico (BNDE), que passaria aí a incorporar o “S” à sua sigla. Em 1990, enfrentou sérios problemas de saúde. Foram males cardíacos e um câncer que o deixaram fora de cena durante sete anos. Neste período, submeteu-se a três cirurgias, deixou de fumar e sobreviveu para, como ele mesmo dizia, “levar a vida como se não tivesse tempo a perder”. Depois do susto, adquiriu nova filosofia de vida. O novo Lessa fazia questão de falar e fazer o que lhe vinha à cabeça, como ele mesmo confessou a amigos.
Restabelecido, foi eleito no fim de 2002 para o cargo de reitor da UFRJ. Decano do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade, Lessa conseguiu se eleger com mais de 85% dos votos. Na sua posse, criticou o ex-reitor José Henrique Vilhena, que encerrava o mandato para o qual havia sido nomeado pelo governo federal contra a vontade da maioria da comunidade da UFRJ.
“Não quero fazer retaliações, mas considero o estilo de administrar dele uma catástrofe”, disse. Assim que se tornou reitor, iniciou um “plano emergencial de salvação da UFRJ”, em que tentava equacionar problemas de segurança e iluminação do campus universitário, no Fundão. As melhorias, a seu ver, possibilitariam a abertura de cursos noturnos. Via também a falta de professores como problemas para expansão dos cursos, se preocupava com a alta taxa de evasão e o grande número de alunos que permaneciam nas faculdades quando já deveriam ter concluído os cursos.
Em apenas cinco meses de gestão, Lessa realizou suas metas de convocação dos colegiados superiores da instituição; distribuiu bolsa-auxílio aos estudantes de baixa renda e lançou o primeiro portal da UFRJ. Fundou ainda o bloco carnavalesco “Minerva Assanhada”, integrado por professores, funcionários e alunos da UFRJ, abria o desfile do bloco mais antigo e famoso da cidade, o Cordão do Bola Preta.
Foi chamado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, do PT, em seu primeiro mandato, para presidir o BNDES. Esta foi sua função mais polêmica em toda sua vida pública. O economista comandou o banco de fomento nos dois primeiros anos do governo Lula, tendo assumido o cargo por indicação pessoal do decano dos economistas brasileiros, Celso Furtado, e da sua maior amiga e também economista, Maria da Conceição Tavares.
No banco, Lessa trabalhou para retomar o perfil de fomento da instituição, que segundo ele, estava se tornando um banco de investimento, sob o comando dos “neoliberais” da gestão Fernando Henrique. Por conta desta luta ideológica, ao tomar assento no BNDES, Lessa promoveu o que foi considerado uma “caça às bruxas” destituindo diretores e superintendentes envolvidos, a seu ver, em projetos de cunho mais ortodoxo, com destaque para os produtos de financiamento vinculados ao mercado de capitais e a bancos de investimento estrangeiros. Colocou na vice-presidência seu amigo e também nacionalista ferrenho, Darc Costa, ex-professor da Escola Superior de Guerra (ESG).
A maneira de Lessa, assessorado por Darc, tocar a instituição de fomento gerou muito questionamento fora e dentro do governo e eram constantes boatos de sua demissão. Também comprou briga com a gigante americana de energia, AES, que ficou inadimplente com o banco em US 2,1 bilhões, por conta de empréstimo tomado para comprar na época da privatização a distribuidora paulista de energia, Eletropaulo. No final desta contenda, o banco, para não tomar prejuízo, acabou se tornando sócio dos americanos e criando a empresa de energia Brasiliana.
Lessa saiu na defesa de um controle nacional para a Companhia Vale do Rio Doce (CVRD), agindo para evitar que sócios estrangeiros, como a japonesa Mitsui, ampliassem sua participação no bloco de controle da empresa. Criticou a venda de companhias brasileiras para o capital estrangeiro e batalhou para aumentar o spread das empresas estrangeiras que tomavam recursos no BNDES. Defensor intransigente da queda dos juros, Lessa pregou a queda da Taxa de Juro de Longo Prazo - TJLP para patamares abaixo de 8% e criticou publicamente, em mais de uma ocasião, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Seu desentendimento com o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, a cuja pasta o BNDES estava vinculado, e com Meirelles foi a causa da sua saída do banco.
Após de deixar o BNDES, voltou a dar assessoria ao PMDB, seu partido. Assessorou Anthony Garotinho, que se lançava candidato do partido à Presidência. Lessa trabalhou durante cinco meses com César Queirós Benjamin, elaborando o programa de um futuro governo. Nos últimos anos se destinou a reformar casarões antigos do Rio, principalmente no centro da cidade, e transformá-los em restaurantes ou casas de eventos.



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