Pular para o conteúdo principal

Falhas de gestão e radicalismo: a trajetória de Weintraub como ministro da educação

“O objetivo é acalmar os ânimos. Colocar a bola no chão, por (a educação) para rodar, republicanamente, e respeitando as diferentes opiniões”, afirmou Abraham Weintraub no dia 9 de abril de 2019, ao tomar posse como ministro da Educação. Catorze meses depois, ele deixou o cargo nesta quinta-feira (18) sendo reconhecido como o mais radical titular a já passar pela pasta, no pior sentido do termo, escreve Raphael Kapa no site da revista Época, em matéria publicada na quinta, 18/6, data do anúncio da demissão do agora ex-ministro. Continua a seguir.

Acumulou fracassos de gestão técnica e tornou-se alvo de um inquérito no Supremo Tribunal Federal. Sua demissão passou a ser discutida nos corredores de Brasília depois que veio a público a bravata, dita em uma reunião ministerial no dia 22 de abril, de que, por ele, colocava “esses vagabundos todos na cadeia, começando no STF (Supremo Tribunal Federal)”.
Quando parecia que a situação ia se acomodar, Weintraub atacou de novo no final de semana, como aquele aluno que, logo depois de receber uma advertência, dobra a aposta para ver se vai ser expulso do colégio. No domingo, 14 de junho, o ministro foi ao encontro de manifestantes radicais e antidemocráticos, muito provavelmente do mesmo grupo que lançara fogos contra o prédio do STF na noite anterior, e repetiu em público o absurdo que havia proferido em privado, sobre o que pensava dos integrantes da mais alta corte do país e qual o destino que esperava para eles.
Na quarta-feira, o STF negou um pedido para excluir Weintraub de um inquérito que investiga a disseminação de fake news e o financiamento desses grupos. Outro Poder, o Legislativo, já havia convidado o ministro ao plenário do Senado para explicar suas declarações.
Nas redes sociais, o ministro utiliza a defesa da liberdade de expressão para tentar justificar suas atitudes. Sobre a fala na reunião ministerial, escreveu que “não ataquei as leis, instituições ou a honra de seus ocupantes. Manifestei minha indignação, LIBERDADE democrática, em ambiente fechado, sobre indivíduos”. Por fim, disse que “alguns, não todos” são os responsáveis “pelo nosso sofrimento”.
A explicação não convenceu ministros do STF. Marco Aurélio de Mello disse que a frase foi imprópria. Alexandre de Moraes afirmou que a declaração “constitui ameaça legal à segurança dos ministros” do Supremo. Celso de Mello, o decano, percebeu “aparente prática criminosa”.
A toda tentativa de enquadrá-lo ou a seus aliados, Weintraub retoma a afronta. Um dia depois de Alexandre de Moraes determinara o cumprimento de 29 mandados de busca e apreensão contra aliados do bolsonarismo no inquérito das fake news, o ministro da Educação postou um vídeo ao lado de um dos investigados, o blogueiro Allan dos Santos. Na filmagem, em 28 de maio, disse que Allan “não está sozinho, não” e que queria dar um abraço nas “famílias de brasileiros que foram agredidas e tiveram seus lares violados”.
Em uma postagem seguinte, comparou o processo judicial com a Noite dos Cristais, episódio em que grupos paramilitares nazistas perseguiram e assassinaram judeus na Alemanha na década de 1930, durante a ascensão do nazismo. O paralelo inaceitável provocou uma dura reação da Confederação Israelita do Brasil.
Foi assim desde o primeiro dia. Em um balanço de seis meses de Weintraub à frente da pasta, em outubro do ano passado, ÉPOCA contabilizou nada menos do que 60 interpelações judiciais por ataques e declarações, uma impressionante (com ss e não com c, como o ministro chegou a escreveu no Twitter em um de seus muitos deslizes com a língua portuguesa) média de uma a cada três dias.
Se fosse um exímio administrador com uma língua incontrolável, o ministro ainda poderia ter algo a mostrar. Mas até agora há mais fracassos do que avanços a exibir. O Enem do ano passado teve uma lambança na correção de milhares de provas, que demorou a ser acertada -- o total de atingidos foi pequeno, mas o medo de uma falha em seu próprio exame provocou aflição a milhões. O deste ano estava mantido mesmo diante da pandemia, até que Weintraub foi forçado a adiar a prova. A discussão sobre o Fundeb, um assunto árido mas que significa bilhões de financiamento à educação, não anda por absoluta falta de iniciativa do Ministério da Educação. E por aí vai.
Para completar a nota 0, Weintraub tentou se aproveitar da pandemia para nomear reitores nas universidades federais com uma canetada, já que há titulares em final de mandato e a pandemia dificulta a realização de eleições. A medida provisória que previa o despautério típico de regimes autoritários foi devolvida pelo Congresso ao Palácio do Planalto, apenas a quarta vez que isso aconteceu em mais de três décadas de democracia.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe