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Carlos Eduardo Lins da Silva: Ambiente de alta tensão marca disputa pela Presidência dos EUA

Em 2016, na mais surpreendente campanha presidencial da história dos EUA, Donald Trump venceu todos os seus concorrentes do “establishment” do Partido Republicano e sua adversária final, Hillary Clinton, que tinha absoluto controle do Partido Democrata. Ele ganhou a Presidência com a metade do dinheiro usado por Hillary e apesar da oposição de praticamente todas as instituições políticas relevantes do país. O principal tema do debate político naquele ano foi o próprio Trump, com seu estilo inédito de ofender os oponentes e galvanizar milhões de pessoas que se sentiam marginalizadas. É verdade que ele recebeu 2,8 milhões de votos a menos do que Hillary. Mas isso não impediu sua vitória porque ganhou, por pequenas margens, em alguns Estados-chave, o que lhe garantiu a maioria no Colégio Eleitoral, lembra o jornalista Lins da Silva em artigo para o Valor, publicado nesta sexta, 5/6. Vale a leitura para entender o que está acontecendo nos Estados Unidos e também as perspectivas para a eleição deste ano. Continua abaixo.

Ele vai tentar a reeleição num cenário bem diverso do que existia há quatro anos. Os eleitores vão julgar não só as suas promessas, mas também suas realizações. Ou a ausência delas.
O slogan da campanha passada (“Make America great again” - Faça a América grande de novo) precisou ser modificado. A escolha do substituto dá ideia das dificuldades do presidente-candidato. Primeiro, ele concebeu uma frase que indicasse continuidade: “Keep America Great” (Mantenha a América grande). Mas mudou para “Transition to greatness” (Transição para a grandeza), muito mais fraco que os anteriores, e quase uma confissão eufemística de que as promessas de 2016 não ocorreram.
O motivo para a alteração foi que seria difícil convencer qualquer pessoa, exceto os seus mais fanáticos seguidores, de que o cenário nacional americano evoca qualquer grandeza. Mais de 100 mil mortos vítimas da covid-19, desemprego no nível de 15% e na direção de pelo menos 20% em novembro (mês da votação), conflitos raciais por dias seguidos em dezenas de cidades (os maiores desde 1968), recessão econômica comparável ou superior à de 2008.
É claro que Trump não assumirá a mínima parcela de responsabilidade por tais problemas. Atribuirá todos a terceiros (China e OMS pela pandemia, democratas pela economia, radicais de esquerda pelos protestos nas ruas). Cerca de um terço dos americanos que sempre acreditam nele aceitarão sua inocência. Mas, se o apoio a Trump se limitar àqueles que aceitam tudo o que ele diz, as idiossincrasias do sistema de eleição indireta para a Presidência talvez sejam insuficientes para permitir sua reeleição.
A não ser que o caos dos protestos de rua se agrave, e Trump se apresente como o único capaz de restabelecer a ordem e isso seja bem recebido por muitos conservadores descontentes e receosos.
Quando ficou claro que o novo coronavírus poderia se transformar numa grande tragédia nacional, em março, Trump se beneficiou da histórica tendência dos americanos de apoiarem seu presidente em casos de extrema dor coletiva. Foi isso, por exemplo, que reverteu a impopularidade de George W. Bush após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001.
Apesar de, a princípio, Trump ter desdenhado da covid-19 (“é uma mistificação dos democratas e da imprensa para me prejudicar”), ele acabou por reconhecer o perigo à frente e, embora nunca tenha manifestado empatia pelas vítimas, beneficiou-se da simpatia de muitos americanos que não o apoiavam. Foi quando seus índices de aprovação pública chegaram aos níveis mais altos desde a posse (46%). Em março, segundo pesquisa do “Washington Post” e da rede ABC, 51% diziam que Trump estava lidando bem com a pandemia.
Nova versão da mesma pesquisa, divulgada no domingo, mostra que essa porcentagem caiu para 46%; os americanos para quem Trump não está sabendo como administrar a crise de saúde passaram de 45% para 53%. Estava ficando evidente a série de erros da administração federal, desde a demora em iniciar uma testagem massiva até a incapacidade de organizar critérios para a retomada das atividades econômicas no país.
Por enquanto, essa desaprovação talvez ainda não se manifeste de modo decisivo e para a maioria se resuma a detalhes, como o fato de que o presidente se recusa a usar máscara de proteção (dois terços dos eleitores acham que ele devia usar, como todos os cidadãos). Ou de que no dia em que foi cruzada a linha de 100 mil mortos pela doença ele tenha passado seu tempo jogando golfe.
Mas à medida que a economia for mais afetada pelos efeitos da pandemia, os custos eleitorais de Trump se tornarão mais claros. Seu cacife para a campanha de 2020 foi o relativo sucesso na economia, obtido graças à maciça redução de impostos que conseguiu aprovar no Congresso no início do mandato e que animou mercados.
Essa política econômica irá de qualquer maneira cobrar seu preço no futuro, com o aumento do déficit e da dívida pública, mas isso só ocorrerá bem depois da eleição, já estava previsto na sua estratégia.
No fim de outubro, quando os eleitores estarão tomando sua decisão sobre em quem votar, é muito provável que uma sólida maioria deles estará com problemas sérios no orçamento doméstico, com reservas financeiras no fim. Também é possível, a não ser que uma nova onda de covid-19 ocorra, que em outubro haja sinais de retomada da atividade econômica, mas dificilmente ela será tão grande a ponto de recuperar tudo que tiver sido perdido antes.
Essa é a explicação para a pressão que Trump tem feito sobre os governos estaduais para acelerar a reabertura das atividades econômicas. Quanto mais cedo ela ocorrer, maior a possibilidade de que até outubro alguns efeitos bons já possam ser sentidos por eleitores.
Ao se abster de liderar uma resposta nacional aos danos do coronavírus, Trump também tenta jogar sobre os ombros dos governadores a responsabilidade por danos econômicos provocados pela doença. Mas essa é uma tática de risco porque ela também poderá levar muitos à conclusão de que ele deixou de exercer o seu papel de líder do país, para o qual foi eleito.
É provável que muitas das atitudes chocantes de Trump sobre a pandemia venham a ser usadas contra ele na campanha (a sugestão de que desinfetantes poderiam ajudar na cura, os choques com as autoridades médicas e científicas, a ênfase sobre o uso da cloroquina como remédio eficaz). Se eleitores ligarem esse comportamento do presidente aos efeitos econômicos da pandemia, isso poderá lhe custar votos importantes.
Até a semana passada, a covid-19 era o principal flanco aberto na defesa pela reeleição de Trump. Os graves confrontos nas ruas de dezenas de cidades do país ocorridos a partir do assassinato de George Floyd, cidadão negro morto por policiais em Minneapolis, trouxeram novo elemento relevante à equação.
Durante todo seu governo, o presidente fez pouco para aliviar as tensões raciais que desde sempre atormentam a vida em sociedade nos EUA. Ao contrário, já em agosto de 2017, surpreendeu o país com suas declarações de cunho ostensivamente racista após conflitos ocorridos entre supremacistas brancos e grupos liberais na cidade de Charlottesville, Estado da Virginia.
O componente preconceituoso contra negros da persona pública de Trump tem sido evidente desde que começou a se tornar famoso por manifestar opiniões políticas. Em 1989, comprou anúncios de página inteira de jornais para pedir que o Estado de Nova York adotasse a pena de morte após cinco jovens negros e latinos terem sido acusados de um estupro ocorrido no Central Park.
A Justiça determinou que os cinco eram inocentes. Mas Trump nunca pediu desculpas por seu comportamento contra “os cinco do Central Park”. Em 2019, ele mais uma vez reafirmou sua opinião a respeito do caso. Seu racismo também ficou claro com a campanha que moveu contra o então presidente Barack Obama na década de 2010. Durante anos, ele defendeu a tese, sem ter provas, de que Obama não havia nascido nos EUA (e sim no Quênia), e por isso não poderia ter sido eleito para a Presidência do país.
Trump vai ser julgado nas urnas não só por suas promessas não cumpridas, mas também por suas realizações. Ou a ausência delas
Só às vésperas da eleição de 2016 admitiu que Obama é americano nato, mas creditou a si o mérito de ter promovido o debate que, afinal, “inocentara” o presidente e acusou, sem nenhuma comprovação, Hillary Clinton de haver sido a primeira a levantar suspeitas sobre o assunto.
Os incidentes da semana passada levantam a barra de dificuldades para Trump entre os 12% dos eleitores que são negros. Mas, paradoxalmente, o problema de maior monta será para Joe Biden. Trump foi a escolha de só 8% dos negros que votaram em 2016. Dificilmente conseguiria ir muito além disso neste ano. Para Biden, esse eleitorado é essencial para a eventual vitória. E agora pode ter ficado mais difícil para ele.
Até aqui, o simples fato de não ser Trump já era capital suficiente para Biden ter o voto afro-americano. Além disso, conta com o apoio integral de Obama, de quem foi vice. E o próprio Biden tem um acervo legislativo de monta de iniciativas a favor da comunidade negra. No entanto, com a explosão na forma de protestos e de violência da insatisfação dessa comunidade com a maneira como o país ainda lida com a questão racial mostra que Biden precisará de muito mais do que o já acumulado para fazer os eleitores afro-americanos se motivarem a de fato votar por ele em novembro.
Há injustiça sistêmica contra os negros nos EUA, que não foi superada, apesar dos avanços ocorridos desde o movimento pelos direitos civis na década de 1960 (que só vieram, aliás, depois de conflitos também violentos nas ruas). Essa injustiça se manifesta de diversas formas, como a desproporcional parcela de afro-americanos que morrem na pandemia de covid-19. Ou na forma diferenciada com que são detidos suspeitos de crimes de etnias diversas por policiais majoritariamente brancos. Ou a também desproporcional porcentagem da população carcerária afro-americana.
Biden vai ter de convencer os eleitores negros de que vai de fato promover mudanças que acabem com essas iniquidades. Não conseguirá isso apenas com discursos bem-intencionados. Terá de apresentar planos de políticas públicas transformadoras e exequíveis. Por sua vez, Trump, que só tem acirrado a tensão com tuítes incendiários contra os manifestantes, poderá solidificar sua posição de defensor da “lei e ordem” junto a eleitores que têm restrições a seu comportamento, mas acham Biden fraco demais para lidar com a agitação nas ruas.
Um dos indicadores da disposição de Biden vai ser a escolha de seu candidato a vice. Ele já prometeu que será mulher. Provavelmente agora terá de ser negra - o que pode ajudá-lo na comunidade, mas atrapalhá-lo entre os integrantes do Partido Democrata mais ao centro do espectro ideológico e entre os eleitores que não são filiados a nenhum dos dois partidos.
Entre as possíveis aspirantes à posição, a mais comentada é a senadora Kamala Harris, da Califórnia. Ela é jovem (terá 56 anos no dia da eleição), o que já é um requisito importante para acompanhar Biden, que fará 78 em 20 de novembro. Kamala é carismática, tentou obter a candidatura presidencial democrata neste ano, inclusive com ataques fortes contra Biden, a quem, afinal, endossou. É uma das líderes da ala de esquerda do partido, com o senador Bernie Sanders, que liderou a corrida durante meses e acabou batido pelo centrista Biden.
Ela pode assustar os mais conservadores que se dispõem a votar no ex-vice de Obama. No entanto, talvez seja importante para mobilizar o eleitorado jovem que fez a campanha de Sanders e é essencial para qualquer fórmula de vitória para o Partido Democrata.
Uma alternativa de mulher afro-americana para Biden é Stacey Abrams, ainda mais jovem que Kamala (fará 47 anos em dezembro). Tem pouca experiência em temas nacionais. Fez carreira política no Legislativo estadual da Geórgia e só obteve interesse mais amplo do país ao quase vencer a eleição para governador do Estado (do Sul do país e pouco amigável para negros) em 2018.
O sucesso de sua campanha de dois anos atrás mostrou que Stacey e seu discurso menos inflamado que o de Kamala podem atrair independentes e não assustar centristas. Mas ela talvez perca pontos por reivindicar o posto às claras, ao contrário do que manda a tradição política do país, segundo a qual não se deve pressionar o candidato à Presidência pela posição de vice.
Menos falado, o nome de Susan Rice, de 55 anos, ex-embaixadora dos EUA na ONU e ex-chefe do Conselho de Segurança Nacional na administração Obama, também deve ser levado em consideração pela força de seu padrinho (o ex-presidente) e pela relevância de seu currículo, pleno de experiências em importantes decisões nacionais e globais.
Uma mulher negra na chapa pode ajudar Biden a reforçar sua posição nesses dois grupos demográficos essenciais para uma vitória. Tanto mulheres quanto negros já tendem a votar majoritariamente nos democratas e contra Trump. Mas é vital motivá-los a irem às urnas, já que o voto não é obrigatório nos EUA.
É então que entra o fator Biden. O ex-vice-presidente está longe de ser um líder capaz de entusiasmar seus simpatizantes. E tem grande tendência para cometer gafes. Em 1988, quando pela primeira vez lançou-se numa corrida presidencial, plagiou um discurso de Winston Churchill (1874-1965) e foi pego em flagrante - um dos motivos que o fizeram abandonar precocemente a disputa.
Apesar da importância de conquistar o maior número possível de votos de afro-americanos, ele disse no mês passado que os negros que cogitam votar em Trump “não são negros”. Depois, desculpou-se, mas o estrago já estava feito.
Acusado por uma ex-assessora de ter cometido assédio sexual em 1993, Biden demorou para responder à alegação e, quando o fez, seguiu o modelo pouco efetivo de negar protocolarmente tudo sem demonstrar grande empatia por mulheres que passam por essa situação.
Já que seu adversário tem longo e comprovado currículo de misoginia, líderes feministas foram condescendentes com Biden nesse episódio, não retiraram seu apoio a ele e resolveram seguir em frente como se nada tivesse ocorrido. No entanto, as mulheres mais atentas e engajadas poderão lembrar-se do fato de que em 1991, Biden, então senador, tratou mal a professora (negra) Anita Hill, que acusara de assédio sexual o juiz Clarence Thomas, indicado para a Suprema Corte pelo presidente George H. Bush.
Nesse caso, Biden fez mea-culpa posterior. Mas, entre seus apoiadores, há receio de que ele possa vir a cometer mais deslizes verbais que o prejudiquem durante a campanha. Por isso, muitos acham que o retiro forçado a que ele se submeteu desde o início do período de quarentena lhe esteja sendo favorável. Ele parece estar adotando a tática de ignorar os insultos dirigidos por Trump. Após uma saraivada de tuítes do presidente acusando-o até de pedofilia (sem nenhuma prova ou indício declarado), Biden não respondeu por horas e, quando o fez, limitou-se a uma exortação aos americanos para que se unam neste momento de dificuldade nacional.
No passado, todos os adversários de Trump que tentaram responder às suas ofensas com a mesma arma se deram mal. Nenhum optou por não dar atenção às provocações. Pode ser que Biden tenha êxito se o fizer.
Embora seja apenas quatro anos mais jovem que Biden, Trump tem atacado o adversário por sua aparente fragilidade física e agudeza mental reduzida. Mas o fato de ser e parecer mais idoso pode ajudar Biden em outro grupo demográfico que é fundamental no pleito deste ano. Trump obteve folgada maioria sobre Hillary entre os eleitores mais velhos em 2016. As pesquisas de intenção de voto atuais mostram que Biden está à frente entre eles agora. Em parte por causa dos efeitos da pandemia, que são especialmente graves nessa faixa etária.
Alguns Estados com muitos eleitores idosos, como a Flórida, que não vota sempre alinhado a um dos partidos, podem ser vitais no resultado da eleição. Todas as pesquisas de intenção de voto mostram vantagem de Biden desde que começaram a ser feitas. A mais recente, do “Washington Post” e da rede ABC, revela que 53% dos eleitores entrevistados o preferem contra 43% que optam por Trump. O problema para Biden é o tipo de adesão entre seus eleitores.
Entre os apoiadores de Trump, 84% dizem que “definitivamente” vão votar nele, comparado com 68% que dizem o mesmo entre os de Biden. Quando a conta é apenas entre os eleitores que dizem que certamente irão votar em novembro, a maioria a favor de Biden se reduz a cinco pontos percentuais (51% a 46%).
As pesquisas nos Estados que serão decisivos em novembro (Flórida, Michigan, Pensilvânia e Wisconsin, entre outros) também apontam superioridade de Biden, mas por margens muito mais reduzidas. Além disso, a qualidade técnica desses levantamentos é, em muitos casos, duvidosa.
Portanto, o cenário da eleição ainda está muito indefinido. Outros elementos devem ser levados em conta. Um é o dinheiro de que os candidatos dispõem. Até agora, Trump tem duas vezes mais recursos financeiros que Biden.
Embora seja importante, esse não é fator fundamental, como provou o próprio Trump em 2016. Neste ano, Michael Bloomberg tentou obter a candidatura democrata com mais recursos do que qualquer outro aspirante na história do país e conseguiu uma só vitória nas primárias (no pequeno território de Samoa). De qualquer modo, dinheiro é outro dado a ser levado em conta.
A influência de Obama na campanha é mais um ponto a ser considerado. O ex-presidente deixou a Casa Branca com taxa de aprovação de 60% e em fevereiro deste ano ela era de 55%, bem superior à de Trump (43%). Sua mulher, Michelle, é ainda mais popular. O casal parece empenhado em ajudar Biden a vencer. Ele não apoiou nenhum aspirante à candidatura do partido até seu ex-vice, o que lhe garantiu a condição de agora poder falar a todas as alas democratas sem ter-se indisposto com nenhuma delas, embora se alinhe mais com os centristas.
Obama também estará entre os temas da campanha porque Trump tem tentado explorar uma teoria conspiratória que chama de “Obamagate”, segundo a qual seu antecessor teria usado a máquina do governo para prejudicar sua campanha contra Hillary.
O próprio ultraengajado Departamento da Justiça do atual governo descarta tais alegações. Mas o presidente parece disposto a continuar no ataque, o que talvez permita a Obama responder por si e por Biden, com muito mais força e eficácia do que o candidato democrata o faria.
O real engajamento de Sanders e seus seguidores na campanha de Biden é outra incógnita. Diferentemente do que ocorreu em 2016, quando seu apoio a Hillary só ocorreu às vésperas da convenção que a sagrou candidata e foi quase formal, Sanders endossou Biden cedo e tem demonstrado que quer ver o ex-concorrente eleito.
Outro grupo de eleitores que deve ser observado com cuidado é o dos que não gostam de nenhum dos dois candidatos. Em 2016, 18% dos que votaram diziam estar nessa situação. Trump acabou obtendo a preferência da maior parte deles. As atuais pesquisas mostram larga vantagem para Biden nesse contingente.
Muito até agora é imponderável ou imprevisível. Por exemplo: o quanto a pandemia vai influir no comparecimento às urnas. Os apoiadores de Trump não levam muito em conta as recomendações médicas de evitar aglomeração e, por isso, talvez venham a ter menos receio de enfrentar filas para votar.
Há movimentos em diversos Estados (são eles que organizam com grande autonomia a maneira como as eleições ocorrem) para incentivar o voto pelo correio. Mas Trump está atacando com vigor essa possibilidade e diz que tentará impedi-la (embora em 2016 ele tenha obtido a maioria entre os que votaram a distância).
O que Trump será capaz de levantar contra Biden e seu filho, Hunter Biden, que fez negócios na Ucrânia, os quais Trump e seus aliados acusam de terem sido ilegais e contado com o apoio indevido do então vice-presidente?
Diversas questões referentes aos países da antiga União Soviética, em especial Rússia e Ucrânia, são carregadas de intriga e mistério na administração Trump e em sua campanha de 2016. Quanto disso poderá ser levantado pelos dois campos neste ano?
Também não se pode negligenciar a possível influência de desinformação que pode ser dirigida, principalmente contra Biden, por agentes americanos ou do exterior. É motivo de polêmica o quanto as “fake news” podem ter ajudado Trump a eleger-se em 2016. Há ainda suspeitas de que o atual presidente poderia tentar adiar as eleições com o pretexto de ser impossível realizá-las no prazo de 3 de novembro como está programado.
Ele já está ameaçando mudar o local da convenção nacional de seu partido, o Republicano, de Charlotte, Carolina do Norte, porque o governador do Estado admite a possibilidade de realizá-la sob regras de distanciamento social se até a data de sua realização (24 a 27 de agosto) não houver condições sanitárias adequadas para a reunião de milhares de pessoas em local fechado. Trump diz não aceitar a possibilidade de participar de uma convenção minimalista.
Os democratas, que aderem mais às recomendações médicas, admitem até a possibilidade de fazer sua convenção virtualmente. Por enquanto, ela está marcada para os dias 17 a 20 de agosto, em Milwaukee, Wisconsin.
A pandemia pode, portanto, conforme se desdobrar, ter influência não só no processo de decisão dos eleitores como até na própria forma da realização do pleito presidencial americano de novembro, que será, sem dúvida um dos mais importantes da história porque poderá marcar o fim ou a consolidação da era Trump, uma das mais conturbadas que o mundo experimentou.
Carlos Eduardo Lins da Silva é professor do Insper e global fellow do Woodrow Wilson Center



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