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Valor: crises em série afetam a saúde mental da população

Existem palcos excepcionalmente propícios para que a pandemia de covid-19 exponha toda sua violência. Entre eles, há as unidades de “cuidados paliativos” dos centros médicos espalhados pelo mundo. Isso não é diferente no Hospital das Clínicas (HC), em São Paulo. Nesse setor, a letalidade da covid-19 alcança 80%: de cada dez internados, oito morrem. E, ali, as cenas são ainda mais dramáticas que os números, escreve Carlos Rydlewskiem reportagem especial publicada no Valor de sexta-feira, 29/5. Muito importante o tema, matéria longa, porém obrigatória. Continua abaixo.

Por causa do risco de contaminação, os pacientes ficam isolados, mesmo nos instantes que antecedem as mortes. Nessas ocasiões, são os integrantes das equipes médicas que, ao lado dos leitos, acionam celulares para que os familiares enviem suas mensagens de despedida. “E mesmo debilitados, muitas vezes os doentes reagem à essa situação”, diz a enfermeira Ednalda Franck. “Eles procuram pelo ambiente de onde vêm aquelas vozes.”
Para além da frieza estatística, é isto - a dor e a presença constante da morte - que a pandemia representa para boa parte dos profissionais de saúde que atuam na vanguarda do combate à doença. No setor de “cuidados paliativos”, a situação é extrema. Ali, estão pacientes cuja expectativa de vida é próxima de zero - ou menor.
São pessoas com enfermidades preexistentes, como câncer, cujo estado foi agravado pela covid-19. “Às vezes, elas nem sabem que já estavam tão mal”, observa Ednalda, que atua há uma década com esse tipo de paciente. “Para nós, é sempre um trabalho difícil, mas representa uma chance de dar algum conforto para essas pessoas, tanto familiares como doentes.”
Ocorre que situações-limite dessa envergadura, também recorrentes em UTIs, podem produzir espessos focos de tensão, ainda que incidam sobre gente qualificada. Um serviço criado no HC, justamente para acolher funcionários neste momento crítico, reuniu em menos de dois meses 200 contatos de profissionais, cuja saúde mental estava sendo afetada pela pandemia. O grupo é formado por enfermeiros e técnicos de enfermagem (27%), médicos (25%) e pessoal da área administrativa (27%), entre outros (21%).
No conjunto, 81% relataram sintomas de ansiedade; 15% apontaram crises de pânico; 45%, humor depressivo; e 12%, estafa (a soma supera os 100%, pois uma pessoa pode indicar mais de um item analisado). A insônia atingiu 40%, sendo que pelo menos 5% mergulharam em uma condição traumática. “E a maioria (43%) não tinha antecedentes de transtornos mentais”, diz Eurípedes Miguel, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), responsável pelo trabalho. “A covid pode ter sido o gatilho dos problemas.”
É assim nos hospitais. É assim na sociedade. Isso porque o mal-estar psicológico provocado pelo novo coronavírus não se limita ao epicentro da batalha - alastra-se pela sociedade. Foi isso o que constatou um estudo de âmbito nacional, realizado por uma parceria entre a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). A enquete constatou que, ao longo da pandemia, 54% dos brasileiros acima de 18 anos se sentiram ansiosos ou nervosos “muitas vezes” ou “sempre”. Outros 40% disseram ter ficado tristes e deprimidos com a mesma frequência.
Entre os que se sentiram deprimidos, 47% consideraram que sua saúde piorou e 5%, piorou muito. Os percentuais foram especialmente elevados entre jovens de 18 a 29 anos. Nesse caso, a cota de ansiosos e nervosos alcançou 70%, sendo que a de tristes e deprimidos, 54%. “Ainda que a falta de contato pessoal pese muito para pessoas nessa faixa etária, o dado nos surpreendeu”, diz Celia Landmann Szwarcwald, do Instituto de Comunicação e Informação em Saúde (Icict), da Fiocruz, coordenadora do trabalho. “Foi muito alto.” Ela pondera, contudo, que a pesquisa feita pela internet não faz um diagnóstico preciso das pessoas, mas, sim, expõe um “conjunto de sentimentos”.
De qualquer forma, houve aumento no consumo de bebidas alcoólicas entre 18% dos entrevistados. Esse avanço foi muitas vezes associado à frequência com que as pessoas se sentiram tristes ou deprimidas. Aspectos socioeconômicos contribuíram para acentuar ainda mais o quadro de angústias. No total, 55% relataram alguma queda da renda familiar e 6,9% disseram que perderam toda ela.
É assim no Brasil. É assim no mundo. Nos Estados Unidos, em uma pesquisa feita pela Kaiser Family Foundation, entre 25 e 30 de março, 45% dos adultos consideraram que a pandemia havia afetado sua saúde mental. Para 19% deles, houve um “grande impacto”. Além do mais, uma linha telefônica pública de emergência à disposição de pessoas em sofrimento emocional registrou um aumento de mais de 1.000% das ligações em abril, em comparação ao mesmo período de 2019.
Uma empresa de terapia on-line, Talkspace, registrou acréscimo de 110% no número de sessões de vídeos em março ante fevereiro deste ano. Em 75% dos casos a principal queixa era a ansiedade e em 50%, a depressão.
Indicações dessa natureza, seja em nichos específicos de profissionais, seja em tecidos sociais mais amplos, fazem com que especialistas apontem para a formação de uma onda histórica de problemas de saúde mental, com implicações que podem ser mais duradouras e ter maior prevalência do que a própria pandemia. Ela seria constituída por uma espécie de cauda longa de impactos. Mesmo porque esses transtornos não funcionam como um interruptor, em que se pode ligá-los ou desligá-los com um mero toque em um botão. “Eles são insidiosos e crescem lentamente”, diz o psiquiatra André Brunoni, do Instituto de Psiquiatria (IPq) da USP.
No atual contexto de isolamento, observa Brunoni, muitas pessoas passam por uma primeira fase de euforia. “Quem tem condições, fica em casa, assiste aos seriados, filmes na TV, e acha que está tudo ótimo”, afirma. “Mas, depois de um tempo, elas começam a cair na real e percebem que as coisas podem não voltar a ser como eram. É nesse instante que os transtornos podem começam a agir.”
Em certo sentido, diz o especialista, esse é um processo similar ao vivido por pessoas que sofrem um AVC. “Logo após o ataque, elas reagem bem à recuperação”, diz. “Os quadros de depressão e ansiedade podem se desenvolver seis meses depois, no momento em que as limitações da doença se impõem.”
Além do mais, há uma onda paralela de possíveis traumas em formação. Um deles vai refletir as consequências do derretimento econômico global. “O abalo por causa do desemprego que virá daí, por exemplo, não repercute somente na renda, mas está associado à sensação de fracasso e até de humilhação”, diz a psiquiatra Anne Sorgi, da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), especialista em problemas com álcool e drogas. “As pessoas também perdem planos de saúde e passam a ter um acesso mais limitado a serviços médicos. Por fim, as milhares de mortes vão desorganizar e abalar as famílias.”
Tudo isso - e a lista completa de gargalos é enorme - também coloca as empresas na alça de mira do quebra-cabeça da saúde mental. A Qualiforma, uma firma especializada em medicina ocupacional, oferece um serviço de teletratamento psicológico para funcionários de 35 companhias, entre nacionais e multinacionais de diversos ramos. Entre 16 de março e 18 de maio, ela registrou um aumento de 150% no número de atendimentos, com cerca de 500 sessões e 250 pessoas, sendo que 90% eram novos pacientes.
E a situação, estima-se, tende a piorar. “Quando acabar o isolamento, muitos executivos acreditam que vão encontrar funcionários descansados e bem-dispostos, uma vez que ficaram em ‘home office’ durante boa parte desse tempo”, afirma Gabriel Diniz, sócio e diretor de negócios da Qualiforma. “Isso pode não ser assim. É bom que eles se preparem para enfrentar situações que envolvam distúrbios emocionais, reações adversas, crises de choro e pânico, além da apatia.”
Diniz observa que as corporações terão de remar muito para vencer a crise econômica ainda em formação. E isso vai exigir cuidados e estratégias específicas. “Até o discurso dos líderes, por exemplo, deve mudar desde já”, afirma o executivo. “Ninguém deve dizer coisas do tipo ‘estamos no mesmo barco’, porque sabemos que os barcos são bem diferentes. Uns têm varanda gourmet e piscina na sacada e outros não têm nada. E as pessoas não vão sair dessa pandemia necessariamente como seres cheios de luz, fruto de uma evolução espiritual e emocional. Na verdade, muitas sairão cheias de traumas.”
Segundo especialistas, o grande caldo da atual pandemia é formado por ingredientes bastante acentuados e nítidos - o medo e a instabilidade. Como observa o psiquiatra Mario Eduardo Costa Pereira, professor da Faculdade de Medicina da Unicamp, antes da crise da covid-19, ainda que o mundo não fosse a pérola do universo, poderia ser definido como um corpo dotado de relativa previsibilidade (para o bem e para o mal).
Isso apesar do crescente avanço de elementos de inquietação dados pela desigualdade, pela proliferação de ensaios autoritários e pela contínua degradação ambiental. A noção vigente, destaca Pereira, era de que, embora vivêssemos sob o primado do individualismo, caberia aos poderes constituídos administrar os “danos colaterais” do processo civilizatório.
Pois tal lógica prevaleceu até dezembro de 2019, quando surgiu o primeiro caso de covid-19, em Wuhan, na China. “Antes disso, ninguém poderia imaginar que estaríamos diante dessa catástrofe. A atual situação estava fora das nossas categorias mentais”, diz o psiquiatra. “Agora, temos de nos defrontar com a ausência absoluta de garantias. Entendemos que tudo pode virar de ponta-cabeça, apesar da ciência e da organização social. Mergulhamos em um momento de grande incerteza. E ela é a mãe de todos os fantasmas.”
Pereira frisa que, como agravante, a impotência e angústia daí decorrentes não estão relacionadas a uma condição anódina. “Ao contrário, elas carregam uma ameaça real de morte, o vírus mata e de forma um tanto imprevisível”, diz. “Assim, a pandemia é algo que entra nas nossas vidas arrombando a porta.”
O psiquiatra Guilherme Polanczyk, do IPq, da USP, acrescenta que, segundo estudos internacionais, 50% das pessoas tendem a apresentar algum tipo de transtorno mental em determinado momento de suas vidas. Ou seja, se alguém estava esperando por esse tipo de ocasião, eis a oportunidade. “Ainda assim, temos de considerar que há uma diferença considerável entre o que se pode chamar de um sentimento de tristeza e nervosismo, se comparado a quadros típicos de transtornos de depressão e ansiedade”, observa Polanczyk. “Hoje, esse tipo de situação tende a se confundir.”
Considere o caso da ansiedade, um dos tópicos em destaque nas pesquisas realizadas no Brasil e no exterior. É natural nas atuais condições pandêmicas que uma pessoa se volte para o futuro e anteveja um cenário de ameaças. “O problema surge quando ela perde a capacidade de lidar com essa situação e os pensamentos se tornam persistentes”, diz a psiquiatra Emanuelle Garmes, que atua no Hospital Albert Einstein, em São Paulo. “Podemos dizer que é a mesma diferença entre uma pessoa que bebe socialmente e um alcoólatra. Ou seja, o segundo não tem controle sobre a situação e precisa de cuidados específicos.”
Com a covid-19, Emanuelle passou a fazer consultas on-line com frequência. Ela voltou a ter contato com pacientes que já estavam bem, mas recaíram, além de ter notado uma piora entre os que permaneciam em tratamento. “Na verdade, em muitos casos, o vírus veio escancarar problemas que já existiam, mas eram encobertos pela rotina”, destaca a psiquiatra. “Isso acontecia com a solidão, ou mesmo com as relações frágeis entre pessoas e famílias. Muitos casamentos, por exemplo, só se sustentam por causa da presença de amantes na relação. Tudo isso, agora, fica ainda mais complicado.”
Por isso, a intimidade, observam os analistas, tende a se tornar um caldeirão de conflitos nos dias correntes. Algo que repercute até nas estatísticas de violência doméstica. Mario Pereira, da Unicamp, nota que, reclusos, “diante do próprio silêncio”, perde-se o álibi oferecido pelas tarefas cotidianas e pela vida externa. “É quando surgem os problemas de convivência, as vivências de incompletude, as mágoas e os demônios domésticos”, afirma. “Somos confrontados com nossos dramas singulares. Todo mundo passa a ser exposto à realidade de suas vidas e, normalmente, só toleramos isso em doses homeopáticas ou de maneira sublimada em manifestações artísticas.”
O Centro de Valorização da Vida (CVV) é outro termômetro das condições de saúde mental no país. O serviço presta atendimento (principalmente pelo telefone) a pessoas que passam por algum tipo de sofrimento psicológico. Desde 2018, a partir de um convênio firmado com o Ministério da Saúde, o CVV tem alcance nacional, atendendo gratuitamente pelo número 188. A partir daí, o total de ligações recebidas pela entidade saiu da casa do 1 milhão por mês e deve alcançar 3,5 milhões mensais em 2020. Tal salto levou o sistema ao limite. A fila de espera no chat da instituição por vezes alcança 3 horas.
Assim, por causa da “lotação”, não se pode medir se houve aumento de demanda em todos os canais do sistema nos meses de pandemia. Mas, hoje, ao menos metade das ligações recebidas está relacionada à covid-19 e a suas ameaças. “As pessoas falam muito sobre a distância de parentes e amigos, o medo de ser contaminado pela doença, o receio de perder o emprego e as dúvidas em torno do fim de toda essa situação”, diz Antônio Batista, de 67 anos, 21 deles como voluntário do CVV. “A solidão é outro problema comum.”
Com a lupa em outro ângulo, um levantamento feito na internet pela Diretoria de Análise de Políticas Públicas da Fundação Getulio Vargas (FGV Dapp) identificou um possível novo viés do problema. Nesse caso, ele é político. Em um mês, entre 20 de abril e 20 de maio, foram observados 3,3 milhões de postagens sobre aspectos ligados à saúde mental no Twitter. O tema mais comum foi a ansiedade, registrado a partir de depoimentos e “desabafos” presentes em 27% das publicações. Outro assunto contumaz foi a insônia, anotada em 16% dos tuítes.
Pelo WhatsApp, o debate sobre saúde mental movimentou 78% dos grupos monitorados pela entidade. “A angústia que está transparecendo nessas mensagens é sobretudo existencial, e as pessoas não veem um horizonte de saída”, diz Marco Aurelio Ruediger, diretor do FVG Dapp. “E as manifestações de autoridades que vão na contramão da ciência deixam todos ainda mais confusos. No fundo, há uma questão tanto sociológica quanto psicológica nisso tudo. As pessoas não confiam no que ouvem e têm dificuldade de se adaptar a um novo modelo de vida.”
No caso dos profissionais de saúde, dada a natureza específica do trabalho, os temores são mais pontuais. De acordo com especialistas, eles levam a queixas sobre a falta de apoio familiar, a sobrecarga de trabalho, o treinamento precário de alguns integrantes das equipes (as contratações têm sido emergenciais) e a permanente ameaça de ausência de recursos materiais (tanto equipamentos de proteção para integrantes das equipes médicas quanto respiradores para os pacientes, por exemplo).
Há ainda o forte medo de infectar pessoas da família. Esse é o caso da enfermeira Viviane Ramos da Silva, de 31 anos. Há pouco mais de um mês, ela trabalha no hospital de campanha montado no Complexo do Ibirapuera, em São Paulo. Viviane mora com o pai, de 60 anos, e com a mãe, de 54. Eles se encontram diariamente, mas sempre mantêm uma distância segura e usam máscaras. “É difícil aceitar que não se pode abraçar uma pessoa da família, perto de você”, diz. “Mas tento controlar a parte emocional para não me abalar.”
Como alternativa, a solução para manter o contato com os parentes foi trocar mensagens pelo celular, ainda que todos ocupem a mesma casa. “É até irônico”, diz Viviane. “Eles ficam em um cômodo e eu, em outro, mas todos conversando entre si.” Ela afirma estar preocupada com o avanço diário da doença. “O número de casos que atendemos aumenta a cada dia”, nota. “E isso me deixa muito triste.”
Suellen Silva, de 23 anos, outra enfermeira que trabalha no Ibirapuera, também se afastou dos dois filhos, com 2 e 3 anos, que ficaram com o pai. Ela se queixa de outro entrave comum que recai sobre o pessoal da saúde. Trata-se da estigmatização. Suellen evita usar o uniforme na rua. E tal receio nada tem de descabido. Em diversos lugares do mundo, assim como no Brasil, foram registradas agressões físicas contra esses profissionais. “Quando estou de branco, acontece de tudo”, afirma ela. “As pessoas saem de perto, fazem cara feia. Ninguém imagina.” Para Suellen, o fato que mais a marca na rotina do hospital é a solidão dos pacientes. “Eles passam dias e dias sozinhos.”
Para cuidar da saúde mental dos profissionais desse campo, Eurípedes Miguel, da FMUSP, criou um programa no HC batizado de COMVC-19. Ele conta, por exemplo, com uma linha telefônica e consultas de teleatendimento. Agora, o psiquiatra busca recursos para expandir o modelo para outros centros médicos do país.
“Se não cuidarmos dessas pessoas, além da questão humana que estaremos deixando de lado, vamos enfrentar uma séria consequência prática”, afirma Miguel. “Não teremos recursos humanos suficientes para enfrentar a doença. Muitos profissionais da linha de frente se sentem pressionados e pedem demissão ou licença do trabalho. Isso sem contar com os que são infectados pelo vírus.” Dos trabalhadores sob estresse atendidos pelo COMVC-19, 16% já estavam desligados temporariamente das suas atividades. Em outros 13% dos casos, o afastamento foi indicado.
No que diz respeito à população em geral, há um sem-número de recomendações para atenuar o estresse em tempos pandêmicos e, assim, evitar sentimentos extremos. Anne Sorgi, da UFRGS, observa que é importante dosar o convívio com o fantasma da doença. Saber que ele existe, que ceifa um número extraordinário de vidas e está à espreita nos cantos mais improváveis pode ser algo positivo. “O medo também é um fator de prevenção. Mas é preciso, por exemplo, restringir a leitura de notícias sobre o assunto a fontes fidedignas”, observa. “O coronavírus é uma parte das nossas vidas, mas não pode se tornar a vida toda.”
Usar o isolamento para práticas úteis, como fazer cursos, é outro conselho frequente. Assim como manter contato virtual com amigos e parentes, além de não se descuidar da alimentação. Na prática, trata-se de salvar a rotina da melhor forma possível. O curioso é que boa parte dos brasileiros está fazendo justamente o contrário disso, segundo a pesquisa da Fiocruz, UFMG e Unicamp.
As pessoas, por exemplo, passaram a fumar mais (28% dos fumantes), deixaram de fazer atividades físicas (62%), aumentaram o tempo diante da TV (mais uma hora e meia) e computadores e tablets (mais 2 horas). Elas também estão consumindo menos alimentos saudáveis (verduras e frutas) e comendo mais chocolates e doces.
De qualquer forma, o imenso choque provocado pelo vírus pode não ter somente reflexos dramáticos ou negativos. “Aquelas pessoas que de alguma maneira conseguirem resolver as coisas na sua vida podem levar essa história com grandeza, tirando lições”, diz Mario Pereira, da Unicamp.
“Em algumas situações, a crise atual pode proporcionar um salto de amadurecimento, dar lugar a experiências de engrandecimento, na qual somos levados a refletir e a agir. O fato é que, entre o ceticismo e o romantismo, existe uma margem de manobra para extrair e obter avanços tanto subjetivos como civilizatórios.”
Apesar dos problemas, os anseios e as ações por mudanças positivas também proliferam em grande proporção nestes períodos. Por isso, as pessoas ouvidas nesta reportagem foram questionadas sobre o que querem fazer de “melhor” ao fim - ainda que incerto - da pandemia.
Pereira quer criar flores e colocar os pés no chão, além de não desistir de, como dizia Belchior, “amar e mudar as coisas”. Eurípedes Miguel, da FMUSP, quer se cuidar melhor e manter o olhar sobre as populações vulneráveis. Marco Ruediger, do FGV Dapp, quer montar um curso para ensinar as pessoas a proteger a democracia neste mundo de comunicação em tempo real. O gaúcho Gustavo Polanczyk, do IPq, quer correr na rua e visitar mais a família no Sul.
Celia Szwarcwald, da Fiocruz, e Antônio Pereira, do CVV, querem estar com os netos. Anne Sorgi, da UFRGS, e Emanuelle Garmes, com os filhos. André Brunoni, do IPq, quer valorizar o convívio com os amigos, o “‘carpe diem’ que ignoramos na pandemia”. As enfermeiras Suellen e Viviane querem ficar mais com os familiares, após este choque de distância. Ednalda Franck, a enfermeira citada no início desta reportagem, quer fazer um almoço para os parentes e abraçar cada um deles. Como se vê, todos querem - e o melhor.


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