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A Hollywood clássica, só que melhor

Série sobre anos 1940 mistura realidade e ficção, escreve Luciano Buarque de Holanda no Valor em ótima resenha sobre a Hollywood, em cartaz na Netflix.

O cenário é a Hollywood da Era de Ouro, mas não espere um retrato de época fiel em termos conceituais - esteticamente, a minissérie é irretocável, como manda a “grife” Ryan Murphy (“American Crime Story”).
Misturando ficção e realidade, “Hollywood” transporta temas atuais à década de 1940, falando de assédio sexual e diversidade numa época em que esses assuntos dificilmente vinham à tona.
Não há nada errado em vasculhar a sujeira debaixo dos tapetes vermelhos. É o modo como Murphy nos apresenta os personagens que nem sempre convence. Eles compartilham de um discurso progressista um tanto incompatível com a época, como se tivessem viajado no tempo para confrontar antigos tabus.
Archie (Jeremy Pope) divide-se num expediente de michê e roteirista “ghost writer”. Sendo negro, habituou-se ao anonimato e salários ingratos. Seu projeto dos sonhos movimenta toda a trama. Ele quer levar às telas uma adaptação da história real de Peg Entwistle (1908-1932), atriz galesa ressentida com a indústria do cinema, notória por se suicidar pulando da letra H do famoso letreiro de Hollywood.
Numa época profundamente segregada, Archie só anda com brancos, que jamais questionam seu talento e magnetismo. Um de seus amantes é ninguém menos que o astro Rock Hudson (Jake Picking), numa versão largamente fictícia.
O amigo Raymond (Darren Criss), que pretende dirigir o roteiro de Archie, tem como missão salvar a carreira de uma atriz asiática veterana do cinema mudo, relegada a papéis exóticos. Raymond, que é descendente de filipinos e se diz “50% asiático”, namora uma atriz negra.
Ela, Camille (Laura Harrier), vive reclamando das humilhantes ofertas de trabalho, uma vez que só atua como empregada doméstica, sempre servil e risonha. Não poderia ser diferente na Hollywood da década de 1940, uma vez que atores negros apenas abraçavam qualquer oportunidade.
Chega a ser o curioso o fato de o protagonista ser um heterossexual branco. Jack Castello (David Corenswet) é um aspirante a ator nos portões dos Estúdios Ace em busca de um convite para uma ponta. Desprovido de experiência e contatos, ele é diariamente rejeitado, ao passo que a gravidez da mulher lhe urge uma renda fixa.
Sua sorte muda ao aceitar um emprego como frentista no posto de gasolina do excêntrico Ernie (Dylan McDermott). Jack não sabe a princípio, mas o posto de Ernie serve de fachada para um esquema de prostituição masculina. Embora relutante, ele logo percebe que o ofício de gigolô pode ser seu passaporte para fama, uma vez mimado pelas mulheres de poderosos executivos de Hollywood.
Mas quem rouba a cena é Jim Parsons, num papel radicalmente diferente de seu Sheldon Cooper de “The Big Bang Theory”. Ele faz Henry Wilson, agente de atores que foi uma espécie de Harvey Weinstein gay, recrutando seus protegidos em troca de favores sexuais, como Rock Hudson.
O grande elenco de “Hollywood” inclui Mira Sorvino, Queen Latifah, Patti LuPone e Holland Taylor.
“Hollywood” (minissérie) EUA - 2020. Criador: Ryan Murphy, Ian Brennan. Onde: Netflix / BB+



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