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Miguel Nicolelis: “A crise sanitária se alastrará”

Vários países já deram início à vacinação contra a covid-19, mas Miguel Nicolelis, um dos nomes de maior destaque da neurociência no Brasil e no mundo, não está nada otimista em relação ao fim da pandemia. “Os danos e a duração desta terrível crise sanitária podem ter escapado de nossas mãos”, afirma. Para o médico, a demora no início da vacinação leva os cientistas a traçarem cenários duríssimos para os próximos meses. “A crise sanitária se alastrará, e nossas previsões estimam que cheguemos aos 500 mil mortos, considerando os números atuais e a subnotificação”, diz. Atualmente o Brasil registra 200 mil mortes decorrentes da covid-19 desde o início da pandemia, escreve Monica Gugliano em excelente reportagem publicada no Valor no dia 8/1. Continua abaixo.


O plano nacional de vacinação divulgado pelo Ministério da Saúde em 16 de dezembro não determina quando começarão as aplicações, mas anuncia que o atendimento aos grupos prioritários será concluído no primeiro semestre deste ano. A estimativa é “que sejam necessários 12 meses após o fim da etapa inicial para realizar a imunização da população em geral”, segundo o site do ministério.

Professor, pesquisador e codiretor do Centro de Neuroengenharia na Universidade de Duke, na cidade de Durham, na Carolina do Norte (EUA), o paulistano Miguel Nicolelis, de 59 anos, costuma passar apenas alguns períodos do ano no Brasil. No mês de março, ainda estava em uma dessas temporadas quando se viu atropelado pela pandemia. Com os aeroportos fechados e o receio da contaminação, resolveu ficar em seu apartamento em São Paulo, no bairro da Pompeia, ou melhor, em “Terra Brasilis”, como costuma dizer. Está trancado ali há dez meses sem sair e sem receber ninguém, a não ser os entregadores de comida e de outras compras.

Era uma hora da tarde quando o entregador do Jardim de Napoli tocou no prédio para deixar o Filé à Pizzaiolo (grelhado com azeitonas e tomates frescos) e duas musses de chocolate que ele pedira para este “À Mesa com o Valor” realizado por videoconferência. “Este filé é muito bom”, diz o cientista, começando o almoço e a entrevista ao mesmo tempo.

O distanciamento social não interrompeu seus trabalhos. Suspenderam-se as pesquisas nos laboratórios, mas não a frenética atividade que ele transferiu para a sala de estar do seu apartamento. É um sem-fim de palestras, entrevistas e videoconferências para plateias do mundo inteiro em que ele explica conceitos e ensina funções cerebrais com tanta facilidade e eloquência que é difícil tirar os olhos da tela do computador, o meio de comunicação da pandemia e também desta entrevista.

Em seu atual “laboratório”, Nicolelis suspendeu parcialmente suas pesquisas mais diretamente ligadas ao funcionamento do cérebro e dirigiu sua energia e seu conhecimento à coordenação do Comitê Científico de Combate ao Coronavírus do Consórcio Nordeste. Apelidado de C4NE, o grupo, que conta com o ex-ministro de Ciência e Tecnologia Sérgio Machado Rezende e uma equipe de pesquisadores, tem orientado os Estados da região na tomada de decisões frente à covid-19. Paralelamente, ele e Rezende também coordenam o Projeto Mandacaru, uma organização informal e virtual integrada por cientistas dispostos a colaborar voluntariamente no combate à pandemia.

Suas pesquisas no campo da neurologia sobre a recuperação de movimentos em pacientes com deficiências motoras são consideradas pioneiras e já foram publicadas nos mais importantes veículos da área. Em meio a alertas que costuma dar sobre a pandemia, cita sempre as sequelas deixadas pelo coronavírus nos sobreviventes. São doenças crônicas respiratórias, cardíacas e cerebrais, que, em sua opinião, vão causar uma explosão de demanda por atendimento.

“O Sistema Único de Saúde (SUS) não terá como atender essa nova situação”, prevê. No site do comitê (www.comitecientifico-ne.com.br/c4ne) são publicados dados, pesquisas, informações gerais e boletins. Os governadores do Nordeste já pensaram em formas de imunizar suas populações sem depender do Governo Federal, importando as vacinas necessárias. “Na falta de um plano nacional, muitos pensam nisso. O problema é que não há como isolar uma região, e isso não vai funcionar.” Passados o Natal e o Réveillon, Nicolelis diz que ficou chocado ao ver as imagens das comemorações e as aglomerações que contrariam os cuidados e a prevenção. “É como se essas pessoas celebrando estivessem renunciando à própria sobrevivência.”

Trancado em casa, Nicolelis costuma pedir comida no Jardim de Napoli, na Vila Buarque, uma das mais antigas cantinas paulistanas. É um dos seus “pontos cardeais na cidade”. Ele diz que pede comida no restaurante pelo menos três vezes na semana. “Viajei o mundo inteiro, mas sempre volto para comer nos mesmos lugares em São Paulo - meu lugar favorito para comer.”

Retomando o tema de suas pesquisas sobre o cérebro, Nicolelis afirma: “Jamais existirá um cérebro igual a outro. Cada cérebro que já existiu é único. É um livro que nunca mais será escrito”. Com suas pesquisas e seus trabalhos de décadas, Nicolelis está na linha de frente do grupo de cientistas que rejeitam a hipótese tão em voga de que a inteligência artificial vai substituir o cérebro humano em um futuro próximo ou distante. “É um absurdo total crer que algo possa substituir a mente humana.”

O neurocientista está convencido de que a inteligência artificial não tem nada de inteligente. Segundo ele, seria uma falácia criada por humanos que conseguiram convencer as pessoas de que inventar um substituto do homem seria uma missão de vida. “Não tem nada de inteligente em um programa binário, em um algoritmo.” A invenção, diz, é inteligente e pode até ser brilhante, mas não passa de uma quimera.

Desde a década de 1970 que o desenvolvimento de uma inteligência artificial tem passado por diversos períodos que oscilaram entre a euforia e o desalento. De acordo com Nicolelis, um dos piores momentos se deu em 1973, quando um estudo do Conselho Britânico de Pesquisa Científica sentenciou que os pesquisadores da área não haviam conseguido cumprir as promessas de revolucionar a ciência com suas descobertas. Outra derrota teria acontecido com o fracasso da “terceira geração de robôs”.

Até então, lembra o professor, acreditava-se que essas máquinas fabricadas no Japão poderiam realizar tarefas que somente humanos conseguiam. Mas logo veio uma tremenda decepção, quando os japoneses perceberam que, ao serem utilizadas, as máquinas não conseguiam entrar nos reatores avariados da usina de Fukushima, no pior acidente nuclear da história do país, em 2011. Humanos tiveram que ser chamados e, conta Nicolelis, alguns perderam a própria vida. “A robótica tem usos muito importantes e interessantes, principalmente na reabilitação”, pondera. “O problema é que pessoas são fascinadas em criar um robô que seja a imagem do ser humano, e isso não se consegue.”

Também no Japão foram desenvolvidos robôs com aparência humana que os cientistas tentaram usar para substituir enfermeiras em clínicas geriátricas. Segundo Nicolelis, os pacientes odiaram as tais “enfermeiras-robô” e rejeitaram as poucas iniciativas que elas pudessem ter. “As pessoas se apaixonam de tal maneira pelas suas próprias criações que as consideram mais importantes do que a vida humana”, diz, rindo.

Para o neurocientista, existe algo de sinistro e narcisismo nos pesquisadores que teimam em criar um programa de inteligência artificial capaz de reproduzir o cérebro. “Tem algo de ‘play God’ [brincar de Deus] nessa tentativa”, diz. “Como o ser humano pode querer criar algo que o substitua?”

Nas 400 páginas de seu último livro, “O Verdadeiro Criador de Tudo - Como o Cérebro Humano Esculpiu o Universo como Nós o Conhecemos” (Editora Planeta), com alguns modelos científicos inatingíveis e outros compreensíveis aos leigos, um pouco de humor e citações sobre os gênios da história, Nicolelis detalha as suas razões para debelar-se contra a inteligência artificial. São motivos que vão desde questões econômicas ao entendimento de que por milhares de evidências nunca será possível criar algo semelhante à sofisticação e precisão do cérebro.

Enumerando diversas invenções desenvolvidas graças à inteligência artificial, Nicolelis aponta que carros autoguiados, aplicativos e celulares que nos dizem quantas horas dormir, quantos passos temos que dar, o que gostamos ou não etc. permitem controlar a vida dos seres humanos. E, embora muitos gostem e achem genial, ele assegura que não quer viver nesse mundo. “É uma forma de desvalorizar, de controlar o ser humano”, diz.

Ele reconhece existir, ainda que pequena, uma dose de comodidade quando se deixa uma máquina executar tarefas que poderiam ser feitas por qualquer pessoa. Mas afirma que não é esse o motivo de suas críticas. A desvalorização dos homens, em seu entender, está diretamente ligada a motivos econômicos.

“As empresas visam o lucro máximo - e como você o aumenta? Reduzindo custos. E qual o maior custo? O trabalho”, afirma. “Se você puder desvalorizar ao máximo o trabalho humano, dizer que é substituível por um software ou uma máquina, claramente estará dizendo: troco você por um sistema digital que não vai me custar nada além da eletricidade e da manutenção.”

Após o escândalo da Cambridge Analytica, Nicolelis diz ver com alívio alguns autores aparecendo para ajudar a mostrar o que ele define como “o lado não tão inteligente e não tão gentil da inteligência artificial”. Em um vazamento sem precedentes até aquele ano de 2018, a empresa britânica de análise de dados expôs informações que foram obtidas por meio de um aplicativo de teste psicológico postado no Facebook. Nada menos que as informações de 50 milhões de pessoas foram usadas sem o consentimento delas para fazer propaganda política, ajudando a impulsionar a candidatura de Donald Trump em 2016. “Os dados de cada um de nós, cada vez que usamos a internet, estão sendo conseguidos de graça e depois vendidos. O lucro é enorme, não?” Em 2019, o Facebook fechou um acordo com o órgão regulador de privacidade do Reino Unido para pagar uma multa de 500 mil libras.

 

Em sua visão, a inteligência artificial só consegue construir um futuro baseado no passado. Algo como o “Demônio de Laplace”, que foi idealizado em 1814 pelo físico, matemático e filósofo francês Pierre-Simon Laplace (1749-1827), que acreditava ser possível determinar o futuro com dados do passado. “Isso não existe. Não tem como programar um Picasso (1881-1973), um Vincent Van Gogh, (1853-1890) com base na obra já feita por eles.”

A inteligência artificial pode e, segundo Nicolelis, faz isso muito bem, copiar uma obra de Van Gogh a partir de informações como as combinações de cores, perspectivas etc. Mas nunca conseguirá criar uma nova pintura. “É uma falácia, e as pessoas caem facilmente nela porque são fascinadas pela tecnologia. Foi criado um culto à tecnologia, como se fosse uma igreja.”

Nicolelis é daquelas pessoas que “come com gosto”. Gosta das comidas árabes e japonesas, mas a cozinha italiana é para ele insubstituível. “Está no meu DNA”, afirma. O neurocientista nasceu no bairro do Bixiga, na extinta Maternidade Matarazzo, em São Paulo, e conta que em suas veias corre uma mistura de sangue espanhol e grego, pelo lado da mãe, a escritora infantojuvenil Giselda Laporta Nicolelis, de 82 anos, que já publicou mais de cem livros. O pai, Angelo Brasil Nicolelis (1934-2019), responde pela parte italiana da família.

Ainda na escola primária, Nicolelis participou de um debate sobre Brasília. A questão era: valera ou não a pena construir a capital, inaugurada em 1960 pelo então presidente Juscelino Kubitschek (1902-1976)? O desempenho do jovem estudante foi tão elogiado que o pai começou a acalentar o sonho de ver o rebento seguindo seu caminho e tornar-se juiz ou advogado. “Na mesma hora eu falei: Deus me livre! Quero fazer algo diferente da vida.”

A inspiração para cursar medicina veio de outro familiar, Waldemar, o tio Dema, palmeirense fanático - assim como é hoje Nicolelis. Todos os domingos, o tio, sempre vestido de branco, e o jovem sobrinho iam ao Parque Antártica assistir aos jogos do time. A convivência e a leitura de “Hospital”, best-seller de Arthur Hailey (1920-2004), famoso na década de 1970, despertaram outro interesse no adolescente.

Nesse caso, não foi exatamente o de salvar vidas, mas o de dar vazão aos instintos desafiadores contra autoridades e convenções, característicos da juventude. Ele se refere a um trecho do livro em que um patologista chega ao hospital e vê uma placa dizendo “proibido fumar além deste limite”. O personagem para ao lado do aviso e acende um charuto. “Na hora eu pensei que era isso que eu queria fazer, certamente era isso, desafiar as autoridades.” Logo depois, mais uma vez inspirado por um livro, “O Cérebro”, obra de não ficção de Isaac Asimov (1920-1992), definiu a especialidade que seguiria. “Concluí que queria ser neurocirurgião, até descobrir que 90% do trabalho desse especialista é tirar hematomas do cérebro, e eu não queria isso.”

Até que em uma noite já na Escola de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), durante um plantão, ele encontrou o “pai da neurociência brasileira”, o professor e neurocientista César Timo-Iaria (1924-2005), que preparava uma aula. Nicolelis diz que foi um caso de amor à primeira vista. Ele se tornaria seu mentor. “Uma das mentes mais brilhantes que já conheci, um intelectual completo. Não apenas um especialista. Mas alguém que podia navegar entre o compositor alemão Richard Wagner (1813-1883) e qualquer parte do cérebro.”

Em 1989, Nicolelis deixou o Brasil. Recebera duas respostas às 40 cartas que mandara a universidades nos EUA, onde pretendia seguir pesquisando após o doutorado. Uma delas era da Universidade Yale, onde se formaram cinco presidentes, e a outra, da Hahnemann University Hospital, instituição minúscula e pouco conhecida na Pensilvânia. Ao saber dos projetos que existiam em sua área e que teria as portas abertas de um laboratório para desenvolver seu trabalho, não vacilou: “Aí eu pensei, dane-se, Yale!”.

Em algum tempo, suas pesquisas comprovavam o que ele sempre imaginara. Nicolelis e seus colegas conseguiram mostrar que os neurônios estão conectados e não funcionam isoladamente, como se acreditava. Isso deu uma nova dimensão aos estudos sobre o cérebro que ele desenvolveu ao longo de seus 32 anos de carreira.

Entre eles, está o exoesqueleto desenvolvido por ele em conjunto com um grupo de outros 150 cientistas brasileiros e estrangeiros, apresentado ao mundo na abertura da Copa de 2014. A demonstração em que um jovem sem movimentos do corpo deu o chute inicial do torneio, diante dos 62 mil espectadores na Arena Corinthians e de 3 bilhões no mundo, foi um momento de glória. Mas também de profunda decepção e amargura para o neurocientista.

A apresentação, que deveria durar 10 minutos, foi reduzida a quase 30 segundos, espremida entre dançarinos e cantores, embalados por músicas que não conseguiam atenuar os gritos e palavrões que a torcida dirigia à então presidente Dilma Rousseff. “Quase morri”, diz Nicolelis, que, visto como simpatizante do PT, se viu em meio ao conflito que já dividia o Brasil entre os que eram contra ou a favor do partido. “Fomos carregados pelo espírito do ‘não vai ter Copa’. Nada poderia dar certo naquela Copa. Mas nosso trabalho, ainda que sem termos nenhuma das condições necessárias, deu.”

Não foi a mesma opinião manifestada por outros neurocientistas brasileiros. À época, eles fizeram pesadas críticas ao exoesqueleto, cujo objetivo é integrar o cérebro humano com máquinas (neuropróteses ou interfaces cérebro-máquina). Essas pesquisas também desenvolvem próteses neurais para a reabilitação de pacientes que sofrem de paralisia corporal. Nicolelis contrapõe esses conceitos argumentando que ele e sua equipe descobriram um sistema que possibilita a criação de braços robóticos controlados por meio de sinais cerebrais.

As acusações se voltaram também contra o Instituto Internacional de Neurociências de Natal, criado por Nicolelis e que, segundo alguns neurocientistas brasileiros, havia captado recursos públicos, durante os governos petistas, correndo por fora dos canais regulamentares, por meio da Finep, agência de financiamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação. “Não sou e nunca fui petista”, diz. Somente para o projeto “Walk Again” (Andar de Novo), do qual fazia parte o exoesqueleto, teriam sido repassados R$ 33 milhões. “Tenho muito orgulho de todos os que participaram, ganhamos prêmios. Mas, no Brasil, ter grandes ideias ou ousadias é quase um crime, e fomos punidos com os ataques.”

Nicolelis diz que sua solução para o problema central da neurociência é o que chamou de “teoria relativística do cérebro”. Nos últimos anos, ele e o matemático egípcio Ronald Cicurel desenvolveram uma teoria, publicada como monografia em 2015 sob o título “O Cérebro Relativístico: Como Ele Funciona e Por Que Ele Não Pode Ser Reproduzido por uma Máquina de Turing” - o modelo de computador desenvolvido pelo matemático britânico Alan Turing (1912-1954). “Não há máquina no mundo, e ainda não existe alguém que possa construí-la, com a sofisticação única e individual do cérebro de cada ser humano que existe no planeta.”

Falar sobre seu trabalho e suas ideias sempre anima Nicolelis, e, não fosse o próximo compromisso, poderia passar ainda um bom tempo descrevendo à repórter os mistérios sem fim do cérebro. A sobremesa, mousse de chocolate, acompanha seu relato de uma lembrança amarga e doce. Não é um dia muito feliz para ele: há um ano, seu pai morreu.

Na ocasião, o professor estava na China e passou por uma odisseia para chegar a São Paulo em 48 horas, a tempo de vê-lo ainda com vida. Com os olhos úmidos, ele recorda que o pai já praticamente não falava ou reconhecia as pessoas. Mas, quando viu o filho, por pouco tempo antes de morrer, ficou consciente e conversou com ele. “Foi aquele último sopro de felicidade. Esses mistérios da nossa mente, muitos dos quais jamais iremos entender, que fazem de nós, seres humanos, únicos.”

O caso é um exemplo de sua teoria. “Nossos antepassados já sabiam da inevitabilidade da morte, mas também do tamanho da perda que ela significava.” A morte, diz Nicolelis, é sentida como uma perda tão terrível porque nosso cérebro incorpora as pessoas que nos são próximas como se elas fossem uma extensão de nós. “Quando você perde uma pessoa querida, perde um pedaço de você, literalmente. Para o cérebro, você perdeu uma extensão do seu corpo, e não haverá nunca outra igual.”

São várias pessoas em sua vida, várias extensões. Nicolelis tem três filhos de seu relacionamento com a ex-mulher, a médica Laura Oliveira. Pedro, de 32 anos, é marceneiro e, segundo Nicolelis, seu filho analógico: usa um celular do “tempo das carroças”. Rafael, 30, é professor, e Daniel, 27, designer gráfico. O mais velho mora no Brasil. Os outros, nos EUA.

Em seu último livro Nicolelis demonstra, além das teses científicas, sua fascinação pelo pedaço de massa cinzenta ainda tão desconhecida da humanidade. No volume, Nicolelis compara a diferença entre o respeito que se tinha pela morte com o que acontece agora. Para isso, cita uma passagem da “Ilíada”, um dos épicos da Grécia Antiga, em que Homero utiliza mais de uma página para descrever a morte de um soldado anônimo. Homero narra o significado da perda dessa vida em detalhes, chegando a imaginar a dor que os pais do soldado sentiriam.

Hoje, Nicolelis observa que um canal de notícias na TV informa a morte de 150 pessoas na guerra civil da Síria em uma linha lida pelo apresentador. “Mudou muito nossa empatia humana. E isso aconteceu como fruto da nossa fé em acreditar que as abstrações que a nossa mente cria são mais importantes do que a nossa própria vida.”



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