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Época: como pensa o brasileiro na hora de votar?

Neste domingo, 15 de novembro, milhões de brasileiros sairão de casa para escolher vereadores e prefeitos e, divulgados os resultados, é certo que não faltarão análises e mais análises sobre vencedores, perdedores e finalistas de segundo turno nas cidades em que isso ocorrer. Quais partidos conseguiram conquistas nas maiores capitais? Qual foi a performance daqueles candidatos que receberam apoio do presidente Jair Bolsonaro? Não vão faltar perguntas, escreve Dimitrius Dantas em boa reportagem, longa, mas necessária, na edição desta semana da revista Época. Vale a leitura, íntegra a seguir.


Nas primeiras duas semanas deste mês, ÉPOCA se propôs a buscar respostas para questões, de certa forma, mais perenes. Como votam os brasileiros? Qual é o peso de acusações de corrupção? Qual é a influência do governo federal nas eleições municipais? Todos esses temas têm ganhado mais clareza graças a novas pesquisas acadêmicas que estão sendo desenvolvidas no Brasil. “De uma década para cá, a ciência política tem se aprofundado em métodos e técnicas estatísticas que ajudam no aprofundamento da análise”, explicou o cientista político Antonio Lavareda.

Com a ajuda de Ednaldo Ribeiro, professor da Universidade Estadual de Maringá e coordenador da área de comportamento político da Associação Brasileira de Ciência Política, e de Mário Fucks, professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ÉPOCA selecionou alguns estudos recentes que revelam como funciona a cabeça do eleitor brasileiro em determinadas questões. Em comum, esses trabalhos acadêmicos investem em evidências empíricas para tentar jogar luz numa área em que posições baseadas apenas em opiniões muitas vezes prevaleceram.

Primeiro, uma má notícia para os candidatos. Um estudo realizado por Alessandro Freire, do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), com sedes em Brasília e São Paulo, em parceria com o cientista político canadense Mathieu Turgeon, pesquisador da Universidade de Western Ontario, aponta que pelo menos 10% dos eleitores votam de forma aleatória, sobretudo para cargos com menos cobertura da mídia, como de vereador e deputado. Publicado em agosto, Random votes under compulsory voting: evidence from Brazil (Votos aleatórios num sistema eleitoral compulsório: evidências do Brasil, numa tradução livre) argumenta, com base em amostras, que a enorme quantidade de partidos, a obrigatoriedade do voto e até mesmo a dificuldade de votar, já que é necessário lembrar uma série de números, contribuem para esse comportamento. “O voto é um investimento, mas os modelos da teoria da escolha racional, que supõe que o eleitor tem capacidade de contabilizar as ações, propostas e a realidade, têm perdido força”, afirmou Lavareda.

Desde a redemocratização, diversos escândalos de corrupção foram revelados, expondo políticos famosos e outros nem tão conhecidos assim. Como era de esperar, o fenômeno não demorou a chamar a atenção de pesquisadores. No estudo Prefeitos em segundo mandato são mais propensos a comportamentos ilícitos? Uma análise para os municípios brasileiros — 2009-2012, publicado em julho, dois pesquisadores da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) apontam, com base em análise de investigações de órgãos de controle, como os tribunais de contas, que a probabilidade de corrupção aumenta no segundo mandato de prefeitos, especialmente aqueles que vencem eleições pouco disputadas e em determinados estados, como o Rio de Janeiro, e em regiões como o Nordeste. “Estamos querendo entender esse fenômeno com a intenção de nortear as ações de combate à corrupção. Onde está concentrado o maior número de irregularidades? É para ali que as forças de auditoria devem ser destinadas”, explicou Francisco de Sousa Ramos, da UFPE. “É um estudo de correlação, não de causalidade. Não quer dizer que um prefeito reeleito por alta margem vai praticar atos de corrupção. Mas os números mostram que a probabilidade é maior”, completou Samuel Baltazar, também professor da UFPE.

Nara Pavão, outra pesquisadora da UFPE, é a autora de Corruption as the only option: the limits to electoral accountability (Corrupção como a única opção: os limites da prestação de contas eleitoral, numa tradução livre). Publicado no jornal acadêmico da Universidade de Chicago em 2018, o trabalho examinou as razões para a sobrevivência de políticos notoriamente corruptos no Brasil. O estudo mostra que, quando a roubalheira é generalizada, o peso dela na escolha do eleitor fica enfraquecido. “De acordo com nossa amostra, quando a percepção de corrupção alcança seu nível mais alto, a probabilidade de que os eleitores achem que todos são iguais no combate à corrupção sobe para 42%”, disse a autora do estudo. Para ela, a ciência política tem mostrado que as decisões dos eleitores são apaixonadas. “Isso não quer dizer que os eleitores são irracionais, mas que eles não têm uma racionalidade calculada. Votamos olhando para trás, e esse olhar é míope”, afirmou Pavão.

Um estudo realizado por Nikolas Passos, doutorando na Faculdade de Ciências Políticas e Sociologia da Scuola Normale Superiore, de Florença, na Itália, apontou que o tamanho da transferência de recursos federais para municípios tem influência nas possibilidades de reeleição dos prefeitos desses lugares. Quanto mais dinheiro, mais chances. As transferências do governo federal, entretanto, seguem regras como o número de habitantes. “Se a faixa de transferência de recursos for fixada em 50 mil habitantes, por exemplo, uma cidade com 49 mil habitantes pode receber consideravelmente menos do que uma cidade com 51 mil habitantes”, disse Passos, único autor de Maiores transferências federais aumentam a probabilidade de reeleição? Evidências a partir de regressões de descontinuidade aplicadas a eleições municipais, publicado em dezembro.

Já virou chavão se referir ao “voto evangélico”. Essa fatia do eleitorado alcançou ainda mais notoriedade com a eleição de Bolsonaro, que lançou mão de um discurso supostamente fincado na “moral e nos bons costumes”. Marcela Tanaka, pesquisadora da Universidade de Campinas (Unicamp), acredita ser um erro tratar os evangélicos como um grupo uniforme. “A pesquisa que estou fazendo tem fortes indícios de que há diferentes grupos de evangélicos”, disse. Com base numa amostra de 10.200 eleitores que volta até as eleições de 2002, Tanaka afirma que os evangélicos têm mais chances de escolher candidatos conservadores, mas a chance é cinco vezes maior quando o eleitor se identifica não apenas como evangélico, mas também como conservador. “As pesquisas indicam que, na verdade, o voto evangélico é majoritariamente o voto de mulheres, negras e periféricas. Como é periférico, demanda mais do Estado. Como é conservador, defende pautas morais. Muitas vezes, essa eleitora não encontra isso em um político só”, disse a pesquisadora.




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