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Samuel Wainer, um jornalista vaidoso atacado pela direita e pela esquerda

Samuel Wainer, o jornalista e empresário que fundou o “Última Hora”, já foi objeto de diversos livros. O mais recente, “Samuel Wainer: o homem que estava lá”, de Karla Monteiro (Companhia das Letras, 576 págs., R$ 71,92), é surpreendente. Trata do jornalista, que é o que os leitores vão procurar, mas cuida também do lado pessoal. Foram justamente as cartas e o diário de Bluma Chafir e as memórias de Danuza Leão, duas mulheres-chaves na vida de Wainer, que lhe deram uma nova dimensão, mais rica e variada. Sua única paixão foi a devoção aos três filhos. Não demonstrava ciúmes, nem preocupação com compromissos pessoais. Como diz a autora, “culpa, remorso, arrependimento” nunca estiveram no vocabulário de Wainer. E ele nunca foi um homem fisicamente corajoso: confessava horror à violência. Bluma Chafir, judia de origem, estudou contabilidade e mantinha os pés no chão. Conhecia as maluquices de Wainer com as contas. Quando os dois brigavam, invariavelmente, era por alguma insensatez financeira do marido. Danuza Leão, sua segunda mulher, considera Wainer um péssimo administrador. Ele próprio dizia que não era um bom negociante. “Esbanjador incorrigível”, era duro na negociação, mas frágil na concepção final, escreve Monteiro. Vale a leitura desta ótima resenha de Matías M. Molina, publicada no Valor dia 16/7. Continua a seguir.


Wainer, que ficou no Rio durante décadas, não tinha nenhuma intimidade com o mar, nem com a areia; não sabia nadar nem como enfrentar as ondas. Também não sabia investir para o presente, nem construir um lar. Colocava o dinheiro nos gastos pessoais — dezenas de camisas da moda, meias, sapatos, paletós, bebidas que não se encontravam no Brasil. Era, para os amigos, “perdulário, esbanjador incorrigível”. Em uma viagem a Roma, comprou “três dúzias de camisas finíssimas, seis dúzias de pares de meias de fio-escócia e um jogo de malas Gucci”.

Sua razão de viver era fazer o jornal. Monteiro escreve que Samuel Wainer dava mais atenção ao trabalho do que ao casamento, insinuando que ele empurrava a mulher para algum companheiro.

Dos vários livros sobre Wainer, “Minha razão de viver” é uma obra póstuma, que ele não viu publicada nem sequer escrita e que nos deixa algo inseguros; consta como uma autobiografia que ele não leu. O livro recebeu um violento ataque do colunista político Carlos Castello Branco, mas também elogios de Paulo Francis, que reclamou dos bilionários que receberam subsídios do Banco do Brasil e, ao contrário de Wainer, nunca pagaram. Francis reclama de Augusto Nunes, o editor, dizendo que ele tinha “a voz inconfundível de Samuel Wainer. Não conseguiu ouvi-la”.

“Lacerda e Wainer”, de Ana Maria de Abreu Laurenza, e “Duas vozes de Wainer”, de Joëlle Rouchou, são bons livros que destrincham um lado parcial de sua vida. “Botando os pingos nos is”, de Rivadavia de Souza, é a obra de um inimigo contumaz. A lista de obras sobre o jornalista continua.

Para as mulheres, Wainer era charmoso e encantador. Ele fez um jornal popular, uma folha “varguista”, mas não um jornal governista. Deu espaço para os desenhistas, para charges e os folhetins, que tinham desaparecido. Antes dele, a técnica da diagramação quase não existia. Foi ele quem equipou o departamento fotográfico, o mais completo da imprensa. Ele tinha uma enorme capacidade para animar uma equipe e mania de demitir funcionários.

Foi ele quem convenceu Nelson Rodrigues a fazer, no começo, uma crônica diária com as vagabundas, os barnabés, os comerciários, “A vida como ela é...”. Persuadiu Paulo Francis a deixar de lado uma coluna de teatro por uma crônica diária política candente. Deu espaço às crônicas de Antônio Maria; a Adalgisa Nery, para colocar em letras de forma toda sua irritação. Joel Silveira disse que foi Wainer quem o convenceu, em “Diretrizes”, a ser repórter, e não literato. Em São Paulo, conquistou Ricardo Amaral.

No fim dos anos 1960, ele fez um jornal com poucos recursos e o encheu de jovens como Nelson Motta, Tarso de Castro, Luís Carlos Maciel, Paulo Alberto Monteiro de Barros. Rubem Braga esqueceu dos quase 30 anos de briga e voltou a colaborar.

Monteiro põe a família Wainer na Bessarábia, então no Império Russo, onde nas áreas dos judeus não se podia cultivar a terra — é hoje um território da Moldávia. Ele nasceu em Yedinitz, uma cidade com algo mais de 10 mil habitantes e seis sinagogas. Quando Samuel Wainer tinha nove anos, a família emigrou para o Brasil. Desde menino, tinha o pendor da liderança, não gostava de estudar, mas apreciava a leitura. Em 1928, foi ao Rio e passou a carregar tapetes e ajudar os irmãos. Estudou farmácia e depois direito, sem conseguir formar-se. Eram nove irmãos, mas só uma nasceu no Brasil.

Em 1933, ele conseguiu entrar no jornalismo. Trabalhou no “Diário de Notícias”, por indicação de Wolff Klabin, fazendo comentários para o “Diário Israelita”. Vieram mais tarde a “Revista Brasileira”, de 300 páginas, mais da metade traduzida do “Le Mois”; nela Wainer mal traduzia alguns artigos. Foi onde conheceu Antônio de Azevedo Amaral, um célebre colunista conservador.

Com a entrada na “Revista”, em dezembro de 1933, Wainer casou-se com Bluma Chafir. Era uma jovem que sabia das maluquices de Wainer com as contas — e “o abateu sem fazer força”. Ela, muito bonita, circulava entre os intelectuais, incentivada pelo marido. Wainer sairia da “Revista Brasileira” em 1935 e fez o projeto da “Revista Contemporânea”, que só durou seis edições.

Azevedo Amaral o convidou para ser o secretário da revista “Diretrizes”, na qual recebia todos os meses 2 contos de réis da Light. Ao lado dos artigos de Azevedo Amaral, que discordava do liberalismo, sufrágio universal, voto direto e que divergia tanto do comunismo como do liberalismo, “Diretrizes” tinha ideias avançadas dadas pelos colaboradores que Wainer levou: Jorge Amado, Rubem Braga, Graciliano Ramos, Santa Rosa, Osório Borba, Carlos Lacerda. Ele contratou os comunistas da “Revista Acadêmica” e faria, no futuro, a melhor revista do Brasil, segundo Monteiro.

Wainer rompeu com Azevedo Amaral ao dizer-lhe que havia registrado a “Diretrizes” em seu nome — com total falta de honestidade —, embora as despesas fossem pagas pelo sócio. Azevedo Amaral teve que sair da revista, levando com ele os dois contos da Light.

Divulgou-se a notícia de que Bluma teria um filho de Rubem Braga. Este, alarmado, viajou para o Sul e deixou Bluma fazer o aborto, pago por Wainer, que convidaria a mulher a viver novamente com ele.

Em janeiro de 1939, Carlos Lacerda, um carismático amigo de Wainer, publicou no “Observatório Econômico” um longo artigo sobre a evolução do Partido Comunista Brasileiro. É possível que nada do que foi publicado fosse confidencial, embora a maneira de descrever alguns problemas do partido pudessem ter chocado os comunistas. Na verdade, não se sabe bem o que aconteceu, mas foi esse o ponto de partida do distanciamento de Lacerda do comunismo. Ele chegou a chorar.

Wainer não teve dúvidas em receber dinheiro da embaixada da Alemanha, fruto do acordo Molotov-Ribbentrop, chanceleres da URSS e da Alemanha, de 1939. Posteriormente, Lacerda e Castello Branco viram uma traição de Wainer aos judeus, se bem que “Diretrizes” recebeu contribuições da embaixada dos Estados Unidos, com críticas às democracias francesa e britânica. “Diretrizes”, finalmente, voltou a atacar as forças alemãs a partir de junho de 1941, quando invadiram a URSS.

Em 1941, Wainer transformou “Diretrizes” em uma revista semanal, com a colaboração de Maurício Goulart, que entrou com metade do capital. Foi uma das principais publicações de seu tempo e divulgou algumas das matérias mais candentes. Wainer ficou preso durante 28 dias. “Diretrizes” fechou em julho de 1944 com uma dívida de 200 contos.

Samuel Wainer foi, então, com Bluma aos EUA, com passagens pagas por Osvaldo Aranha. Nessa viagem, Wainer provou como foi pródigo em seus contatos: Rodolfo Ghioldi, o líder comunista argentino; Allen Hayden, do “Chicago Daily News”; Salvador Allende, que os acompanhou em Santiago; Pablo Neruda etc. Em Nova York, depois de escrever vários artigos, conseguiu um emprego com a ajuda de Nelson Rockefeller, até vir ao Brasil, via o encontro de Chapultepec, no México, onde encontrou Orson Welles. Monteiro engana-se ao dizer que Wainer nunca mais pisaria os EUA. Voltou em 1963.

No Brasil, em 1945, ele lançou um “Diretrizes” diário, mas foi um fracasso. Com 2 mil a 3 mil exemplares, João Alberto, um dos financiadores e fiador, tomou conta do jornal. O novo diretor de “Diretrizes” foi Osvaldo Costa (mas não foi diretor de “A Gazeta” de São Paulo, como disseram Wainer e Karla Monteiro), que venderia 40 mil ou 50 mil exemplares. Samuel Wainer viajou a Paris.

Na Europa, foi o único jornalista brasileiro a cobrir o Tribunal de Nuremberg, mas o fez unicamente para o “Diretrizes” diário, além de matérias para vários jornais e para rádio da BBC. Na companhia de Bluma, que também escrevia, viajou o continente europeu. Menos de dois anos depois, quis voltar para o Brasil. Bluma ficou.

No Brasil, Osvaldo Costa pediu a Wainer que levantasse cem contos para “Diretrizes”. Ele pediu o dinheiro para Drault Ernanny, do Banco do Distrito Federal, e se comprometeu a seis reportagens com elogios para as refinarias particulares, publicadas nos Diários Associados. Wainer entregou os cem contos a “Diretrizes” e assumiu os Diários Associados, onde chefiou a redação de “O Jornal”. O aumento de circulação foi conseguido com o reajuste dos jornalistas, disparando o déficit. Ele voltou a ser repórter e cobriu o surgimento do Estado de Israel.

Em fevereiro de 1949, para escrever sobre a importação e produção do trigo, ele descolou uma entrevista com Getúlio Vargas na estância Santos Reis. No encontro, Getúlio só falou bem do presidente Eurico Dutra e comentou o editorial do “Correio da Manhã” dizendo que somente as candidaturas do brigadeiro Eduardo Gomes e de Getúlio Vargas estavam “acima das contingências partidárias, eram imposições da opinião pública”. Getúlio respondeu: “Eu não sou um líder político. Sou, isto sim, um líder de massas”. Do brigadeiro afirmou que era em grande nome, um líder moral e tinha por ele o maior apreço. Quando perguntado se aceitaria ser candidato à presidência, Getúlio disse que somente quando voltasse ao Rio, em abril ou maio, responderia a essa pergunta. A entrevista, bem alinhavada, exagerou a ênfase de algumas respostas. Teve grande repercussão. Getúlio gostou do encontro, e Wainer gostou do entrevistado.

Wainer colocou em “Minha razão de viver” uma conversa que foi considerada a origem da “Última Hora”. Diz que, no dia 2 de fevereiro de 1951, ele teve um encontro com Getúlio em Petrópolis (RJ), do qual, depois de lamentar ausência de jornalistas, surgiu a fundação do jornal.

O problema é que, nesse dia, Getúlio tinha ficado no Rio. A conversa teria sido vários dias depois, em Petrópolis, quando surgiu o jornal, mas não houve nenhum encontro do novo ministério, nenhuma diretriz do governo Vargas, nada mirabolante. Houve apenas um encontro com poucos ministros dos quais saiu o envio de militares aos EUA.

Samuel Wainer, contrariando a orientação de Getúlio, usou e abusou do dinheiro dos bens privados e públicos. Ele comprou um edifício de quatro andares na avenida Getúlio Vargas, que pertenciam ao “Diário Carioca”, e incorporou automaticamente as dívidas desse jornal. Imprimiu o jornal durante dois anos, sem pagar, e herdou uma máquina de imprimir de pouca capacidade. O acervo da “Última Hora”, comprado de improviso, saiu por uma fortuna. Bluma, que havia ficado em Paris em 1945, obteve a separação de Wainer em 1949 e morreu de câncer no mesmo ano. Em suas memórias, Wainer fala pouco dela.

Wainer, que entrava nas salas de ministros de Estado sem se anunciar, se viu na oportunidade de lançar outro jornal, a “Última Hora”, em São Paulo. Um dos patrocinadores foi o conde Francisco Matarazzo. Segundo ele, “Seu Wainer é um grande problema para mim. Quando eu me reúno com os empresários, conta aquelas histórias, fica todo mundo impressionado. No dia seguinte, vai para o jornal e escreve tudo ao contrário do que prometeu para a gente”.

Um percalço de Monteiro está nos textos dedicados a São Paulo, onde a força de Wainer foi reduzida por disputas pelo controle do jornal com Josimar Moreira de Melo e Sérgio Lima e Silva.

Ele lançou dois petardos: primeiro o “Flan”, um jornal semanal de alta circulação, que despertou a ira de Assis Chateaubriand, dono do maior império jornalístico da história do Brasil, temeroso de perder o prestígio de “O Cruzeiro”. Uma lamentável “barriga” da “Tribuna da Imprensa”, quando escreveu que a “Última Hora” deveria estar sob intervenção federal, o que era falso. Lacerda, em lugar de desculpar-se, aproveitou para criar uma Comissão Federal de Inquérito da qual foi o principal instigador. A campanha contra a “UH” não era só da direita; o Partido Comunista Brasileiro também lutava contra a “UH”.

A campanha que Carlos Lacerda fez no rádio e na televisão dizia que os empréstimos de “Última Hora” e empresas afins somavam 285 milhões de cruzeiros — dos quais 25 milhões do Banco do Brasil. A “Última Hora” pagou o Banco do Brasil, mas o mesmo não foi feito pelos atrasos dos outros órgãos de imprensa. Dois pesos, duas medidas.

Outro enorme problema foi a notícia de que Samuel Wainer era da Bessarábia. Ele desmentiu, mas a venda de jornais despencou. “Fiz horrores para conseguir anúncios, vendi minha alma ao diabo, corrompi-me até a medula”, disse ele, que ficou um período preso. Foi aí, na prisão, que conheceu Danuza Leão. Casou-se com ela em 1954 e teve três filhos: Pinky, apelido de Deborah, Samuca (Samuel) e Bruno. Danuza foi um grande amor, era a deusa da redação. “Não sei o que eu faço para agradar a mulher”, dizia ele. Mas dedicava quase todas as noites ao jornal. Ela foi-se embora com Antônio Maria, colunista da “Última Hora”.

Depois veio o atentado a Carlos Lacerda em 1954, o cerco a Getúlio Vargas — ele era, no fundo, o verdadeiro objetivo da caçada a Wainer e o seu fim trágico. O jornal continuou recebendo os subsídios dos presidentes Juscelino Kubitschek e depois de João Goulart.

Samuel Wainer teve a ideia de fazer vários jornais. Surgiram no interior de São Paulo, Belo Horizonte, Rio, Paraná, Rio Grande do Sul, Recife, além de uma edição nacional, tudo como “Última Hora”. Foi seu ponto alto.

Nos últimos meses de Goulart, Wainer viu a briga da direita e da esquerda e esforçou-se em não publicar as matérias mais polêmicas. Tentou lidar com os principais colunistas como Adalgisa Nery e Paulo Francis. Foi o prestador de contas da burguesia com o Executivo e teria sido, há dúvida sobre isso, o encarregado de levar as malas de dinheiro ao PTB.

Em 1963, Wainer viajou aos EUA. Teve vários encontros com Lincoln Gordon, o embaixador americano. A cúpula da “UH” acreditava na continuidade do regime Goulart; só ele, Samuel, pensava que era o fim, como foi.

Com o golpe militar dado, em março de 1964, Wainer preparou sua fuga à embaixada do Chile e depois Paris. Os jornais “Última Hora” foram extintos. Somente o de São Paulo — que seria vendido à “Folha de S.Paulo” — e o do Rio ficaram.

Um lapso de Karla Monteiro foi dizer que o jornal “Gazeta Mercantil” era propriedade da Fundação Cásper Líbero. A folha era da família Levy. Eu fui editor-chefe da “Gazeta Mercantil” nesse período

Enquanto no Brasil seus jornais passaram por apertos, Wainer teve em Paris um período com ideias desencontradas: otimista, eufórico e triste, em busca de reconhecimento. Teve a companhia de Danuza e das crianças. E também dos dólares: US$ 140 mil, mais US$ 4 mil mensalmente de “UH”.

Manteve contatos com a alta burguesia, sonhou em fazer grandes obras, teve os contratos dos jornais e revistas com pagamentos quase de graça. Ele tentou fazer uma revista como a “Europe Modern”, que seria uma versão do “Reader’s Digest”, entrou pelo cano com o cineasta grego Nikos Papatakis. Voltou ao Brasil, em 1977, com uma dívida de US$ 200 mil. No Rio, Wainer declarou que “ser dono de jornal é um poder que deforma. Eu paguei um preço alto, destruí muita coisa à minha volta. Acho que até minha família”.

Em 1977, seu jornal no Rio foi entregue a Janio de Freitas. Este lutou para pôr a casa em ordem, reduziu os ataques ao governo, combateu as brigas internas, lideradas em parte pelo próprio Wainer. Quando Wainer voltou ao Brasil, Freitas devolveu o negócio, depois de ter dado lucro efetivo pela primeira vez na história.

Metade da redação trabalhou sem ser remunerada; a outra metade recebia “vales”. Até as máquinas eram muito ruins; a impressão, difícil de ler. Amador Aguiar, do Bradesco, pagou adiantado cinco anos de aluguel de um andar que a “Última Hora” possuía num prédio da avenida Presidente Vargas, no Rio.

No apagar das luzes, Wainer colocou Washington Novaes para cuidar do jornal. Ele fez uma “folha limpa, elegante. Um jornal bonito”. Mas, na “UH”, a cabeça só podia ser de Wainer. Novaes perdeu o emprego. Ele vendeu o jornal à Metropolitana em 1971, não em 1972 como ele e Monteiro assinalam. Em 1972, Wainer dirigia o “Domingo Ilustrado” dos Blochs. Durou menos de dois anos. Tanto ele como Adolpho Bloch se odiavam. E engavetou o projeto do diário “Agora”.

Veio para São Paulo. Como disse Pinky, a filha: “em São Paulo, uma cidade de imigrantes, meu pai recuperou a autoestima”. Ele editou durante quase dois anos a “UH”, por influência de Octavio Frias de Oliveira, da “Folha de S. Paulo”. Depois foi dirigir “Aqui São Paulo”, semanal. Mas perdeu circulação e a confiança do Paulo Egídio Martins, governador de São Paulo, o maior acionista, e fechou.

Finalmente, ganhou uma coluna na “Folha de S. Paulo”, por obra de Cláudio Abramo, em 1977, quando retomou prestígio e autoridade e declinou um acerto com Carlos Lacerda, que morreu.

Wainer, com os velhos problemas de saúde, morava num modesto apartamento, rodeado de homens e mulheres. “Para mim, era como um Deus”, disse Antônio Prata. “Samuca, sempre de pé, como um gato”, assinalou Paulo Francis.

Morreu em outubro de 1980, vítima da tuberculose e do cigarro. Tarso de Castro: “Samuel era cavalo solto, dos bons, dos belos, dos insuportáveis”. Otto Lara Resende: “O que sempre admirei em Samuel Wainer foi sua obstinada teimosia de viver e sua inesgotável capacidade de reinaugurar-se”.

Matías M. Molina é autor dos livros “Os melhores jornais do mundo” (Editora Globo) e “História dos jornais do Brasil” (Companhia das Letras).



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