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Fala, Fernando Collor!



No Valor, reportagem com o ex-presidente Fernando Collor de Mello. E vale muito a leitura!

Após 30 anos de eleição, Collor pensa em voltar ao Planalto e evita comparações com Bolsonaro

Trinta anos após vitória na primeira eleição presidencial direta pós-ditadura, senador diz que faltou tempo e base no Congresso para governar

Por Ricardo Lessa — Para o Valor, de Brasília

Muitos analistas comparam Jair Bolsonaro (PSL) ao ex-presidente Fernando Collor de Mello, mas o atual senador por Alagoas (Pros), com bom humor, minimiza as similitudes. “Eu tenho senso de autocrítica”, afirma, sorrindo. “As diferenças são muito maiores do que as eventuais semelhanças.”
Quem se lembra do presidente mais jovem da história do Brasil em ação durante seu curto mandato pode estranhar sua referência à autocrítica. Mas os 30 anos passados desde que venceu a primeira eleição direta no país depois da ditadura civil-militar (1964-1985) parecem ter suavizado a retórica daquele impávido político de 40 anos, que caminhava pelo Planalto em passos vigorosos, andava de jet-ski e vestia camisetas com escritos inspiradores, como “Não fale em crise. Trabalhe”.
Aos 70 anos, o presidente afastado em meio a uma forte crise econômica e a uma série de denúncias de corrupção reconhece ter errado - pelo menos uma vez. Diz não ter dado a devida atenção à formação de uma coalizão no Congresso, condição, segundo ele, sine qua non para se governar neste regime presidencialista, que considera uma “carroça”, mal-ajambrada. Sobre seu breve governo, interrompido pelo impeachment, ele o mantém em alta conta. O que faltou? “Tempo”, responde simplesmente.

O pouco tempo que teve para governar, dois anos e meio, deixou suas marcas e uma sucessão de turbulências, como o confisco da poupança, a recessão que se estendeu por 11 trimestres e levou a uma contração de 7,7% do Produto Interno Bruto (PIB) e uma hiperinflação que passou dos 1.000% ao ano. Ao fim de seu mandato, ele chegou a ser avaliado como ruim e péssimo por 68% da população.
Mesmo assim, Collor afirma que deixou um legado. Seus sucessores, diz, seguiram uma agenda positiva que ele inaugurou: abertura ao mercado internacional, diminuição do tamanho do Estado, rigor fiscal. Considera-se injustiçado e acalenta a ideia de voltar à Presidência, para a qual chegou a se apresentar no ano passado como pré-candidato. Não seria eleito, reconhece. “O discurso de campanha de Bolsonaro açulou os instintos mais subalternos do ser humano e encantou a sociedade, que não percebeu que não havia por trás um projeto de país.”
À pergunta do repórter se ele votou em Bolsonaro para presidente, Collor “responde” com um sorriso congelado em seu rosto e um longo silêncio, mais extenso que artigos, parágrafos e alíneas que garantem o sigilo ao eleitor.

Collor entrou na política como prefeito de Maceió, nomeado pela ditadura em 1979. Foi eleito presidente da República por um partido pequeno, o PRN, como Bolsonaro. Autodenominado “caçador de marajás”, adotou um discurso anticorrupção e uma aparência de coragem e determinação, como Bolsonaro. No entanto, para o ex-presidente, o discurso do atual presidente na abertura da Assembleia Geral das Nações Unidas, no dia 25, por exemplo, deixa muito clara a diferença entre os dois. No seu mandato, ele foi anfitrião da Conferência das Nações Unidas pelo Meio Ambiente, a Eco-92, que reuniu representantes de 180 países, no Rio, em junho daquele ano.
“Foi o antípoda” de sua fala inaugural da Conferência de 92. Além disso, causou um “cataclismo”, ao romper com a tradição da política externa brasileira dos últimos 70 anos da busca de consensos e diálogo para resolver conflitos. “Abandonou o ‘soft power’ que nos ajudou a conquistar posições importantes nos organismos internacionais, como na OMC [Organização Mundial do Comércio], na FAO [Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura], no Conselho de Segurança da ONU, na Comissão dos Direitos Humanos.”
O plenário da Assembleia Geral cheio e os fortes aplausos ao dirigente brasileiro, na observação do senador, indicam o interesse externo por aquilo que o atual presidente tem a dizer. E mais, acrescenta Collor, Bolsonaro está sendo reconhecido como um dos líderes mundiais da direita e extrema-direita. O conteúdo do texto lido pelo atual presidente não poderia ser mais distante do proferido há 27 anos por Collor na abertura da Cúpula da Terra.

Em sua primeira frase, dizia: “Pertenço à geração que lançou o grito de alerta contra o modelo de crescimento que caminhava às cegas para o extermínio da vida sobre a Terra”. A frase caberia hoje na boca de Greta Thunberg, a jovem sueca de 16 anos que vem liderando movimentos ambientalistas pelo mundo.
Depois de relembrar essa coincidência, Collor dá a primeira risada descontraída do almoço. “E isso foi há quase 30 anos”, diz. Para o senador, que enfrentou uma onda de manifestações populares, incluindo os “caras-pintadas”, que pediam seu impeachment, o questionamento da geração global mais jovem em relação à política ambientalista do atual governo traz um grande perigo para a economia do Brasil. O boicote dos consumidores, que não dependem de ações de seus governos, a produtos brasileiros, por alegadamente não respeitar o meio ambiente, pode abrir oportunidades a concorrentes internacionais.
As últimas três décadas parecem não ter acrescentado 1kg ao perfil do ex-presidente. Para este “À Mesa com o Valor”, abriu algumas exceções em sua rotina espartana. A primeira delas foi concordar em almoçar, já que de hábito come apenas uma fruta antes das sessões do Senado à tarde. Depois, um lanche. À noite, só uma sopa. Sua refeição mais forte é pela manhã.

Ao A Mano, restaurante aberto há menos de um ano em Brasília, com equipe treinada nos tradicionais Fasano e Gero, de São Paulo, o senador só aparece de vez em quando, à noite. Faz ginástica três vezes por semana, com musculação, caminhada e pequenas corridas, para manter a forma. A outra exceção foi deixar os hábitos mais reclusos no gabinete do Senado e conceder esta entrevista.
Conhecido por ações duras durante seu governo na Amazônia, onde chegou a mandar bombardear pistas de pouso de garimpos, Collor vê as atuais ações contra as queimadas como fracas e pouco eficientes. “Elas lidam com fatos consumados, ‘fait accompli’.” Não é inteligente por parte do atual governo, segundo o senador, atacar a ciência e as instituições montadas para cuidar do meio ambiente. “São instituições, como o Inpe [Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais], reconhecidas internacionalmente”, afirma. “É preciso ouvir o que os cientistas estão dizendo.”
Para Collor, “não dá para tampar o sol com a peneira”. “A mudança climática não é marxismo cultural, está acontecendo diante dos nossos olhos. Não dá para lutar contra a aritmética. Dois e dois são quatro - e pronto. A partir dessa base, vamos adiante. Fora disso, não vamos a lugar nenhum.”

Sobre as referências de Bolsonaro aos presidentes anteriores, que teriam feito pronunciamentos subservientes no plenário da ONU, Collor afirma que não se sente incluído entre eles. “Mas não deixo de lamentar esse tipo de referência.” O ex-presidente argumenta que o tema da soberania, muito tocada no discurso de Bolsonaro, é algo fora de questão. “Se alguém precisa ficar reafirmando isso a todo momento, é porque alguma coisa está errada.”
Segundo Collor, há um outro perigo do atual governo, que é a falta de projeto de país. “As reformas [previdenciária e tributária] estão sendo tocadas sob a liderança do Congresso, com pouca ou nenhuma ajuda do presidente. Depois disso, o que virá? Para onde irá o país?”
Bolsonaro falha, segundo o ex-presidente, quando não se empenha em reunificar a população, depois da profunda cisão resultante da campanha eleitoral. “Brigaram irmãos contra irmãos, amizades foram desfeitas”, observa. “O que se espera de um presidente é que ele tente reaglutinar a população do país. Mas, para isso, é preciso um projeto de país com o qual as pessoas se identifiquem e em torno do qual possam se reunir. E não há.” O presidente Bolsonaro não respondeu ao pedido de entrevista da reportagem.

Chamamos o garçom. O ex-presidente contenta-se com um espaguete com molho Alfredo (creme de queijo). Água sem gás, para acompanhar. “Vinho só em eventos de fim de semana, uma ou duas taças.” A mulher, a arquiteta Caroline Medeiros, e as filhas gêmeas de 13 anos, seguem seu modelo de nutrição e esporte, conta.
Família, afirma o senador, é sempre uma questão para os presidentes. Se Bolsonaro tenta emplacar seu filho, o senador Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), para ser embaixador em Washington, Collor nomeou seu cunhado Marcos Coimbra para ser secretário-geral da Presidência da República e seu primo, o ministro Marco Aurélio Mello, para o STF. Mas foi seu irmão Pedro Collor (1952-1994) um dos grandes detonadores de seu mandato.
Em entrevista à revista “Veja”, em 1992, Pedro acusava diretamente o tesoureiro da campanha de Fernando Collor, Paulo César Farias, mais conhecido como PC Farias (assassinado em 1996), de ser o testa de ferro do presidente, e em seu nome recolher milhões de empresários e dos cofres públicos. Por isso foi julgado e condenado. Cumpria liberdade condicional quando morreu ao lado da namorada, Suzana Marcolino da Silva, na sua casa de praia em Maceió.

O ex-presidente alega que seu ex-tesoureiro agiu sem seu conhecimento ou consentimento. “Paulo César era uma pessoa decente. Talvez tenha se deslumbrado depois da eleição. Mas nunca ocupou nenhum cargo em meu governo, nem de almoxarife.” Sobre a denúncia de seu irmão, atribui a alguma trama shakespeariana. “Por que ele e não eu?, poderia ter Pedro imaginado”, cogita o senador.
Collor foi investigado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que encontrou indícios de crimes como corrupção passiva e formação de quadrilha. Anos depois ele foi inocentado no Supremo das acusações formais.
Seu impeachment, argumenta, foi uma grande injustiça, já que havia renunciado anteriormente. “Não existiria, portanto, um presidente no cargo para sofrer impeachment.” Collor lembra que no caso da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), o STF não lhe cassou os direitos políticos. “Com a mesma lei, dois pesos, duas medidas.”
O confisco das poupanças teria sido um erro de seu governo? O termo “confisco”, para o ex-presidente, é indevido porque todo o dinheiro foi devolvido, como planejado, e confisco se refere a algo que é simplesmente tomado. Collor conta que se reuniu com três economistas antes de tomar posse. Com a inflação passando dos 1.000% ao ano e muito dinheiro no mercado financeiro obtendo lucros em operações “overnight”, os economistas, segundo o senador, concordavam que havia poucas saídas além do enxugamento dos ativos financeiros, mas com alto preço político.
Collor anunciou pacote radical de medidas, incluindo o congelamento dos depósitos bancários e das até então intocáveis cadernetas de poupança. Os saques na poupança ou conta corrente estavam limitados a 50 mil cruzados novos (cerca de R$ 10 mil hoje). A população reagiu com perplexidade, especialmente às medidas de bloqueio do dinheiro. Meses depois o plano começou a fazer água.
“Não foi um erro”, afirma. “O Plano Real só pôde ser feito depois porque houve aquele enxugamento. E tudo foi devolvido com remuneração acima da poupança.” Congelar todos os ativos acima de 50 mil cruzados novos ficou decidido porque pesquisa do Banco Central mostrou que quase 80% da população tinha até aquela quantia na poupança.
Collor, que, como Bolsonaro, reduziu o status da pasta da Cultura, passando de ministério para secretaria, reivindica a paternidade de projetos de seu governo que ainda vigoram, apesar de alteradas ou sob ataques, como a Lei Rouanet. Também surgiram em seu mandato o Estatuto da Criança e do Adolescente e o Código de Defesa do Consumidor. Ele lembra que medidas adotadas em sua gestão, como o fim da reserva de mercado para a informática e queda das barreiras para a importação de carros, continuam funcionando plenamente.
Como Bolsonaro, Collor também se elegeu, há 30 anos, em extremo confronto com o PT e Luiz Inácio Lula da Silva, que tentava pela primeira vez chegar à Presidência. No entanto, diz que essas discórdias ficaram para trás. Reconciliou-se com o petista e participou de sua base eleitoral, desde o primeiro momento em que foi empossado por Alagoas para o primeiro mandato no Senado, em 2007. “Não poderia fazer oposição a ele depois da Carta aos Brasileiros. Era o que eu pensava.”
O ex-presidente Lula, na opinião de Collor, está preso injustamente. Para o senador, a Operação Lava-Jato cruzou a linha. As revelações do site The Intercept, a partir de julho, mostram conduta imprópria do então juiz Sergio Moro, hoje ministro da Justiça de Bolsonaro, e dos procuradores, diz. O ex-presidente demonstra agilidade ao driblar a resposta para a pergunta se apoia a campanha Lula Livre: “Quero que a Justiça reponha as coisas em seus lugares”.
As investigações da Lava-Jato também o envolveram em sete processos. O parlamentar é réu desde 2017, quando o STF aceitou denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República. Collor responde por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e por integrar organização criminosa. “Perseguição pessoal, do ex-procurador Rodrigo Janot”, afirma Collor. “Um canalhão.” Alvo de vários discursos seus no Senado, Janot repetidamente sustenta que Collor é corrupto. O ex-procurador-geral não respondeu aos pedidos de entrevista da reportagem.
Segundo delatores ouvidos pelo Ministério Público, o senador recebeu mais de R$ 20 milhões em propina para facilitar contratos da BR Distribuidora, subsidiária da Petrobras. Os supostos pagamentos reparados pelo doleiro Alberto Youssef, seu auxiliar, Rafael Ângulo e pelo dono da construtora UTC, Ricardo Pessoa, foram feitos entre 2010 e 2014.
O tom acalorado adotado por Collor contra Janot no Senado, em 2015, não é a regra do comportamento do ex-presidente no Senado, geralmente discreto. Neste ano compareceu a 24 das 28 sessões, embora tenha tirado 120 dias de licença. Votou cinco vezes, na maioria para indicação de integrantes do governo. Segundo o Atlas dos Políticos, o senador está em 47º lugar no ranking de desempenho dos parlamentares.
Collor confessa que torceu para que Lula fosse seu adversário na polarizada disputa de 1989, que tinha como outros principais candidatos Leonel Brizola (1922-2004) e Mário Covas (1930-2001). “Brizola ampliava mais, era bom de debate, tinha aquelas frases ótimas”, recorda. “Lula era mais estreito naquele momento.” O petista ficou à frente de Brizola com menos de 1% dos votos e ganhou o direito de disputar o segundo turno com Collor. Os debates foram muito duros, e o senador diz que se arrepende da agressividade daquela campanha.
Em 1991, quando Collor lançou os Ciacs (Centros Integrados de Apoio à Criança), parecidos com os Cieps (Centros Integrados de Educação Pública) criados na primeira administração de Brizola no Estado do Rio (1983-1987), governadores foram convidados para a cerimônia. Collor conta que Brizola o abordou diante da maquete do Ciac, acompanhado do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997), e agradeceu pela adoção de seu modelo nacionalmente. Collor pediu desculpas e o corrigiu. A paternidade do modelo era de Ribeiro, vice-governador do Rio no primeiro mandato de Brizola. “Não liga não. Ele não entende nada”, teria dito o antropólogo, em tom de brincadeira, referindo-se a Brizola.
O próprio Collor havia estudado, no começo dos anos 60, num centro vinculado à então recém-criada Universidade de Brasília, também um projeto que teve a mão de Darcy Ribeiro. Foi uma experiência transformadora na juventude do senador. “Mudou o meu destino.”
Como ex-presidente, Collor se diverte contando essas passagens do tempo em que ocupou o Planalto e afirma que mantém uma postura de colaboração com seus sucessores. “Experiência não se transfere, mas se transmite, sempre que solicitado.” Nos meses que antecederam o impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, ele achou que tinha alguma experiência que poderia transmitir à então presidente.
Num jantar que Dilma ofereceu aos senadores no Palácio do Planalto, Collor diz que tentou alertá-la para os perigos que já rondavam seu mandato. “Parece que todos temiam levantar assuntos que a incomodassem.” Na sua vez de falar, Collor mencionou o movimento que tomava conta do Congresso propondo o impeachment dela. O senador conta que Dilma, ao fim do jantar, tomou outro senador pelo braço para conversar. Em seguida, Collor aproximou-se dele e perguntou qual era o assunto. “Dilma queria saber por que você estava contra ela”, lembra, e sorri.
Sobre os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula, ele diz que mantém relações cordiais. “FHC tornou-se um liberal na economia de fazer inveja a Roberto Campos [1917-2001]”, comenta o senador, que se define como social-liberal e parlamentarista. Aliás, reclama a paternidade dos nomes PSL (atual partido do presidente) e da sigla PSol, que propôs pensando no partido do espanhol Felipe González, seu contemporâneo, líder do Psoe.
Além de político, Collor também é empresário. Ele controla as Organizações Arnon de Mello, dono do grupo de comunicação Gazeta (TV, rádios, jornal impresso, site e gráfica), que entrou com pedido de recuperação judicial às vésperas do leilão de três imóveis para quitar um pedaço das dívidas com a Receita.
De acordo com a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, somam R$ 294 milhões. Diante do pedido, a Justiça suspendeu o leilão, que já estava em sua fase final, entendendo que os bens que seriam vendidos eram cruciais para o funcionamento das empresas. O senador diz que as empresas são vítimas da crise econômica. Ele rebate que as dívidas cheguem àqueles valores. Justifica que muitas delas estão sendo contestadas na Justiça. Mas “os salários não estão atrasados”.
Durante os oito anos que corresponderam à cassação de seus direitos políticos, o ex-presidente se dedicou a escrever suas memórias, que chegam a 674 páginas. Já foi aconselhado a não publicá-las porque comprometeria muita gente. “Não foi para o prelo, e tampouco sei quando irá.”
Questionado se ainda ambiciona liderar o país, Fernando Collor não descarta a possibilidade. “São coisas do destino.”

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