Pular para o conteúdo principal

O juiz Moro já teria mandado prender o empresário Moro

Segundo os critérios com que o então juiz Sergio Moro conduziu a Lava Jato —e ele a conduziu, não é mesmo?—, o agora "sócio-diretor" da Alvarez & Marsal estaria em prisão preventiva, que seria decretada no mesmo dia em que se efetuaria um espalhafatoso mandado de busca e apreensão em seus endereços, devidamente acompanhado por ao menos uma equipe de televisão, previamente avisada. Tudo combinado com os parças do MPF. Homens de preto invadiriam a sua casa. Com algum requinte, um helicóptero sobrevoaria a residência para indicar a periculosidade da pessoa sob investigação. Ato contínuo, haveria uma entrevista dos procuradores e do delegado federal encarregados da operação. Nessa oportunidade, então, acusações novas se fariam, ausentes do despacho do juiz que autorizou o espetáculo. E pronto! A defesa não teria o que dizer sem acesso aos autos, escreve Reinaldo Azevedo na sua coluna na Folha, publicada às sextas. Continua a seguir.


No dia seguinte, um repórter farejador de procuradores e delegados vazaria uma informação exclusiva contra o preso.

Moro mandaria prender Moro com base em que fundamento? "Garantia da ordem econômica e conveniência da instrução criminal", conforme estabelece o artigo 312 do Código de Processo Penal, uma vez que o suposto crime investigado é grave: corrupção passiva, segundo dispõe o artigo 317 do Código Penal.

Lá está escrito: "Solicitar ou receber, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, ainda que fora da função ou antes de assumi-la, mas em razão dela, vantagem indevida, ou aceitar promessa de tal vantagem: Pena "“ reclusão, de 2 (dois) a 12 (doze) anos, e multa". Mas Moro fez isso?

"Calma, senhores!", diria o diligente juiz morista. As decisões foram tomadas "em regime de cognição sumária" apenas. É que não existe circo sem espetáculo. Como diria o ministro Luiz Fux, o amigão de Adriana Ancelmo, não podemos permitir "que a Lava Jato seja desconstruída", com o que concorda o punitivismo dedicado de Edson Fachin e Cármen Lúcia, por exemplo.

Depois de ter ajudado a quebrar a indústria de construção pesada no país, inclusive a Odebrecht, Moro se torna "sócio-diretor" da empresa que comanda a recuperação judicial do grupo. A A & M já recebeu R$ 17,6 milhões pelo serviço. Fez o mesmo com a OAS e tem ainda como clientes a Queiroz Galvão e a Sete Brasil, todas elas vitimadas pela dita "maior operação de combate à corrupção da Terra".

O então juiz homologou os benefícios da delação concedidos a diretores de empresas que caíram na teia da Lava Jato e gerenciou as facilidades dos acordos de leniência. Os beneficiários de sua ação são agora clientes da empresa que vai enriquecê-lo. Ganha o pão onde comeu a carne. No terreno moral, o conflito de interesses é óbvio, a menos que o observador já tenha se despedido de tais pruridos. Mas isso é pouco. É preciso que se apure a eventual ocorrência de crime de corrupção passiva.

Como repudio os métodos de Moro e do morismo, não defendo que o ex-juiz e agora empresário seja preso antes de eventual condenação, se condenado for, sempre de olho no 312 do CPP. Ele tem de ter direito àquilo que sempre negou às suas vítimas: as garantias de um Estado democrático e de Direito. Mas, para tanto, precisa ser investigado. Augusto Aras, no entanto, deve se acoelhar.

Aqui e ali, os passadores de pano afirmam que a investigação constituiria uma soma de vinganças: do PT e de Bolsonaro. Assim, mais uma vez, Moro pode se colocar acima da lei e da moralidade, protegido pela mesma esfera de inimputabilidade que levou a Lava Jato a destruir o devido processo legal no país, jogando-nos no buraco do bolsonarismo.

Para arrematar: o juiz Moro rejeitou relatórios da A & M, de que agora o empresário Moro é sócio, segundo os quais o tal tríplex de Guarujá pertencia à OAS, não a Lula. Até o objeto do processo que levou o ex-presidente à cadeia era fraudulento. Faz sentido. O líder petista já estava condenado antes de qualquer investigação, como deixou claro a Vaza Jato.

Por ato falho ou desconhecimento da I & B (Inculta e Bela), a A&M informou nesta quarta que Moro vai se ocupar do "desenvolvimento de políticas antifraude e corrupção".

Bingo!

Reinaldo Azevedo é jornalista, autor de “O País dos Petralhas”.






Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe