Pular para o conteúdo principal

Valor: coronavírus abre caminho para recessão mundial

Mais um texto de Carlos Rydlewski, publicado no Valor de sexta, 20/3, sobre as consequências da pandemia de coronavírus para a economia mundial. A recessão global já pode ser considerada favas contadas, o próprio Banco Central brasileiro reduziu a expectativa de crescimento neste ano de 2,1% para 0,02%, o que para muitos analistas é uma previsão até otimista. Escreve o autor: já não se trata de discutir se o mundo entrará ou não em um período de recessão. A questão, agora, é saber o quão profunda ela será e quanto tempo vai durar. Essa é a opinião de Barry Eichengreen, professor da Universidade da Califórnia, em Berkeley, e um dos economistas mais renomados da atualidade. Eichengreen ficou conhecido por ter chamado atenção do mundo para os riscos de uma crise global no fim da década passada, em 2008. Na ocasião, como se sabe, acertou o prognóstico. Hoje, sob a pandemia do coronavírus, ele não vê saída para a atividade econômica que não passe pelas agruras de uma queda abrupta.
“Na melhor hipótese, levará entre oito e dez semanas até que os casos da doença atinjam um platô”, diz o economista. “Nos Estados Unidos e na Europa, se tudo der certo, a confiança e os gastos dos consumidores só devem retomar no início do verão [em meados de junho]. Nesse ponto, metade do ano terá ficado para trás. Ou seja, na prática, já estamos em uma recessão global.”
E Barry Eichengreen não é uma voz isolada. Estimativas que apontam para uma retração mundial encorparam de forma robusta ao longo desta semana. Em termos técnicos, uma recessão instala-se em um país quando o Produto Interno Bruto (PIB) registra números negativos por dois trimestres seguidos.
Richard Kozul-Wright, diretor da Divisão de Globalização e Estratégias de Desenvolvimento da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (Unctad), observa que, para a economia global, a contração ocorre quando o crescimento fica abaixo de 3%, medido em PPP (paridade do poder de compra), ou é inferior a 2,5% em termos nominais em um ano. “Com base nessas medidas, o quadro recessivo é certo em 2020”, diz.
Um dos principais economistas da Unctad, Kozul-Wright indicara na semana passada que, sob o efeito do novo coronavírus, a economia global poderia crescer 2% neste ano, registrando perdas de US$ 1 trilhão em todo o mundo. Em um segundo cenário, o avanço seria de minguado 0,5%, ante taxa de 2,6% em 2019. O impacto negativo dessa frenagem custaria US$ 2 trilhões. Kozul-Wright frisou ainda que, entre 117 economias em desenvolvimento, pelo menos um quinto encontrava-se altamente vulnerável a impactos econômicos negativos provocados pela pandemia. De lá para cá, as coisas só pioraram.
Tanto é assim que grandes instituições financeiras estão corrigindo suas previsões sobre o futuro econômico do planeta - e as alterações apontam para baixo. O Goldman Sachs revisou a estimativa de crescimento mundial de 1,2% para 0,4% em 2020. Nesse caso, o PIB americano não sairia do zero no primeiro trimestre e cairia 5% no segundo.
Os economistas do banco de investimentos observaram que a “incerteza em torno desses números é muito maior do que a normal”. Ou seja, há espaço para a situação piorar. Frente a tais fatos, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, mudou radicalmente seu discurso. Em vez de atribuir um papel secundário ao novo coronavírus, ele o transformou em protagonista de uma recessão. Trump admitiu nesta semana que a pandemia pode durar meses e derrubar feio o produto americano.
O Brasil não foge à regra. O Credit Suisse cortou sua projeção para o desempenho do PIB brasileiro de 1,4% para 0% em 2020. O cenário-base é de recessão técnica nos seis meses iniciais deste ano, com contração de 0,1% no primeiro trimestre e de 1,6% no segundo. Um representante de destaque do sistema financeiro, que preferiu não se identificar, diz acreditar que o buraco pode ser mais fundo. Ele considera que os percentuais serão negativos em boa parte do ano tanto no Brasil como no restante do mundo. Aos poucos, diz ele, todas as estimativas vão convergir nessa direção.
E o pessimismo dos agentes econômicos foi além. Ele alcançou os prognósticos de recuperação da atividade global. Até recentemente, as previsões apontavam para uma retomada em “V” dos negócios internacionais. Isso quer dizer que poderia haver uma queda brusca nos primeiros três meses do ano, mas ela seria recompensada por uma rápida ascensão no segundo trimestre. Agora, já se visualiza uma retomada com contornos em “U”. Ou seja, com uma melhora mais lenta.
Como advertiu o empresário americano Mohamed El-Erian, integrante do conselho da Allianz, em artigo publicado nesta semana na revista “Foreign Affairs” (“The Coming Coronavirus Recession”), talvez já esteja na hora de os analistas pensarem em desenhos semelhantes ao “L” (com um retorno bem demorado), ou mesmo, em “I” (com uma forte derrocada, sem perspectiva imediata de recuperação).
“Na verdade, não temos como prever o que acontecerá”, diz Márcio Holland de Brito, professor na Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV-Eesp). “As incertezas ainda são muito grandes, e o problema que enfrentamos não é somente econômico.”
O fato é que o mundo vive uma situação insólita. Até aqui, a forma mais eficaz de lidar com o novo coronavírus, batizado de Sars-CoV-2 (covid-19 é o nome da doença respiratória que ele provoca), preconiza o “distanciamento social”. Assim, todos devem evitar quaisquer aglomerados humanos e o fechamento de fronteiras se generaliza pelo planeta. Ocorre que a lógica por trás de tais medidas é a antítese de tudo que impulsiona o crescimento econômico, a evolução positiva do emprego, a produtividade e a estabilidade financeira.
“Economias e governos modernos são construídos para a interconectividade e a integração”, escreveu Mohamed El-Erian. “A resposta da saúde encerrará um setor econômico após o outro. O resultado será não apenas a ‘desglobalização’ e a ‘desregionalização’, mas também a paralisação maciça nos níveis nacional e local.”
Essa é a armadilha dos dias correntes. Para sobreviver é preciso desmontar um sistema que ganha eficácia por meio da conexão. Para especialistas, fugir desse novo princípio do isolamento representa um tremendo erro. Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia, considera que esse foi o principal equívoco cometido pelo governo americano nos primeiros momentos do combate à covid-19. “No início, acreditou-se que se tratava de um problema chinês”, afirma o economista.
Ele observa que o presidente Trump pensou que barraria a entrada da doença na imigração, restringindo as viagens entre os Estados Unidos e a China ou a Europa. “Se você acha que pode evitar a importação do vírus, vai cometer o mesmo erro das autoridades americanas.” Dessa leitura incorreta, acrescenta Eichengreen, decorreram enganos em série. Eles incluíram a lentidão em adotar “políticas de distanciamento” ou a demora em ampliar a capacidade de hospitalização de pacientes. O resultado, nota o acadêmico, foi fortalecer a atual perspectiva de “uma profunda recessão, que poderá afetar o mundo inteiro de forma negativa”.
Márcio Holland de Brito (da FGV) diz que é fundamental o Estado de bem-estar social funcionar a todo vapor: “Não é ideologia”
O isolamento, uma arma crucial para retardar a propagação do vírus, provoca ainda dois choques na economia global. Por um lado, interrompe a oferta à medida que as fábricas não conseguem produzir, quer por falta de componentes oriundos da China, quer pela ausência de mão de obra, retida em quarentenas. Por outra via, ataca a demanda, uma vez que os consumidores, mesmo quando podem, não circulam para comprar, viajar ou ir a espetáculos.
Como observa El-Erian, esse é o tipo de problema comum em países frágeis, atingidos por grandes desastres naturais, mas altamente incomum em economias avançadas. “Trata-se de mais uma peculiaridade do momento atual”, diz José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV), no Rio. “Vivemos sob dois choques simultâneos.”
Os governos, em geral, e os bancos centrais, em particular, tentam enfrentar essa crise dupla com as ferramentas que possuem. Elas incluem a política monetária, com medidas como a redução da taxa básica de juros, e a política fiscal, com o aumento de gastos públicos, por exemplo. E as autoridades dos países desenvolvidos não estão economizando nessas ações. Ao contrário. Não por acaso, o termo “sem precedentes” dominou o noticiário internacional nas últimas semanas.
Na Alemanha, cujas fronteiras foram fechadas no último domingo, o ministro das Finanças, Olaf Scholz, usou o termo “bazuca” para definir o tipo de impacto que buscava com um conjunto de iniciativas adotadas para conter a crise. O país prometeu “dinheiro ilimitado” às empresas de todos os portes, cuja atividade fosse atingida pelo novo coronavírus. Os empréstimos serão feitos pelo KfW, o banco estatal de desenvolvimento. O ministro da Economia, Peter Altmaier, observou que, pelo porte, as medidas não encontram “paralelo na história do pós-guerra do país”.
O orçamento alemão garante recursos de € 460 bilhões ao KfW, mas outros € 93 bilhões foram acrescidos ao bolo, ampliando o poder de fogo do banco para mais de € 550 bilhões. “Isso é apenas o começo”, disse Altmaier. “As ações de fato surpreendem”, afirma o economista José Júlio Senna. “Principalmente, em se tratando de um país pouquíssimo afeito a abrir mão de um extremo rigor fiscal.” Na França, outro exemplo, o governo anunciou políticas fiscais de “guerra” para enfrentar a covid-19.
Se os alemães Scholz e Altmaier usaram uma bazuca contra a pandemia, o americano Jerome Powell, presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, disparou um míssil na calada do domingo, dia 15. Em uma ação coordenada com presidentes de grandes bancos centrais, Powell colocou sobre a mesa o maior pacote de estímulos que se viu desde a crise financeira internacional, em 2008. Os juros de política monetária foram reduzidos para o intervalo entre zero e 0,25% e estavam entre 1% e 1,25%. O Federal Reserve prometeu ainda comprar US$ 700 bilhões em títulos. Serão pelo menos US$ 500 bilhões em títulos do Tesouro e US$ 200 bilhões em títulos lastreados em hipotecas.
Ocorre que, nem bazucas, nem mísseis foram suficientes para apaziguar o pânico que dominou o mercado nas últimas semanas. O programa anunciado pelo Fed, batizado de “quantitative easing”, ou afrouxamento quantitativo, na verdade teve efeito contrário. Ele provocou um desastre de proporções históricas nas bolsas. Por quê? “A ação do Fed, tomada de maneira incomum em uma tarde de domingo, parece ter sido interpretada como um sinal de que as coisas estavam muito piores do que havia sido indicado anteriormente”, diz Kozul-Wright, da Unctad. “As autoridades estão lutando com as políticas de ontem para reforçar a confiança financeira contra uma crise que é diferente.”
Além do mais, observa José Júlio Senna, as ferramentas dos bancos centrais, em particular as de política monetária, esbarram em limites cada vez mais nítidos. Isso tem a ver com as margens apertadas para a redução das taxas básicas de juros nas economias avançadas, principalmente na zona do euro. Mas também com mudanças estruturais da economia ao longo da última década. Senna acrescenta que medidas fiscais ou monetárias não podem ainda consertar cadeias de suprimento fraturadas, nem levar compradores de volta aos shoppings ou turistas a hotéis e aviões. “Essas políticas não são ruins”, afirma. “Mas não são adequadas para o momento atual.”
Barry Eichengreen observa que todos os instrumentos tradicionais devem ser usados, mas o foco das atenções precisa se voltar para outro campo. “Hoje, as medidas mais importantes para apoiar a economia estão relacionadas à saúde”, diz o economista americano. “O gerenciamento das consequências adversas, diminuindo a propagação da infecção, proporcionará tempo para que o clima mais quente possa ajudar a atenuar a crise, principalmente nos Estados Unidos e na Europa, e modalidades de tratamento médico mais eficazes possam ser desenvolvidas.”
Outros analistas, como Mohamed El-Erian, também apontam que a economia vai se reerguer no momento em que as autoridades de saúde garantirem às pessoas que o novo coronavírus foi contido e a imunidade à doença que ele causa, a covid-19, aumentou. Nesse caso, a recuperação pode ser rápida, mas ainda assim não deve ser instantânea. Em suma, o principal campo de batalha é a saúde.
Ainda assim, frisam os especialistas, é importante que os governos tentem evitar que uma crise transitória (por mais grave e complexa que seja, sabe-se que será superada) se transforme em um problema permanente. O objetivo, portanto, é combater o vírus e não ter de lidar no segundo semestre deste ano com fábricas fechadas e um número ainda maior de trabalhadores desempregados.
E essa não tem sido tarefa simples. Ao longo desta semana, vários focos de estresse deterioraram as expectativas do mercado. Um deles foi o fato de o coronavírus ter avançado em definitivo sobre as Américas, após ter transformado a Europa em seu novo epicentro de propagação. Em contrapartida, entre os chineses, os números da covid-19 estão declinando, o que representa uma boa notícia. No último sábado, dia 14, foram confirmados 99 casos novos. No pico da pandemia, somente algumas semanas atrás, esse número chegou a 2 mil casos por dia, com o registro de até cem mortes.
Na segunda-feira, o mundo também teve uma noção exata do tamanho do rombo aberto na economia chinesa nos primeiros meses de pandemia. O estrago superou as previsões do mercado e fez reverberar as incertezas. De acordo com dados do Escritório Nacional de Estatísticas (NBS, na sigla em inglês) da China, a produção industrial caiu 13,5% em janeiro e fevereiro, em comparação com o mesmo período do ano passado. As vendas do comércio recuaram 20,5% e os investimentos, 24,5%. Tais números também abrem as portas do país asiático para uma recessão, a primeira desde 1976. Naquele ano, o PIB chinês recuou 1,6%, Mao Tsé-tung morreu e o terremoto de Tangshan matou milhares de pessoas.
Sergi Lanau, economista-chefe adjunto no Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), com sede em Washington, apontou ainda para mais um gargalo da crise atual, o que aumenta a instabilidade da economia. “Estamos observando grandes saídas de capital dos mercados emergentes”, disse, enquanto recalculava - sempre para baixo - as previsões de crescimento global. “As saídas de dinheiro são maiores do que eram durante a crise financeira de 2008. O capital estrangeiro financia uma parcela significativa dos investimentos em importações em muitos mercados emergentes. Viver com fluxos estrangeiros mais baixos significa apertar ainda mais os cintos nesses países.”
Kozul-Wright destaca mais um problema rondando o sistema financeiro, embora descarte qualquer semelhança com a crise de 2008. “Mas ele permanece frágil, com alguns pontos de vulnerabilidade preocupantes, principalmente em torno do aumento das dívidas corporativas”, aponta. No mundo, elas são estimadas em US$ 74 trilhões.
O economista Otaviano Canuto, ex-diretor-executivo do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional (FMI), concorda que o novo coronavírus chegou em um momento em que o endividamento das empresas está nas alturas, mas adverte que isso não representa o problema geral. “É preciso olhar caso a caso”, afirma. “Mas alguns setores, como é o caso da aviação, podem ser afetados em cheio.”
A Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata) oferece uma ideia do problema desse segmento. Em 20 de fevereiro, a entidade divulgou uma estimativa segundo a qual o setor sofreria perdas de US$ 29,3 bilhões em 2020 por causa da crise desencadeada pela covid-19. Em 6 de março, o balanço foi atualizado. O prejuízo calculado havia subido para algo entre US$ 63 bilhões e US$ 113 bilhões. E esse levantamento está longe de apresentar números definitivos. Mesmo porque as dificuldades das áreas não cessaram. Ainda segundo a Iata, dentro do segmento, os países mais afetados pelo coronavírus foram China (-23%), Japão (-12%), Cingapura (-10%), Coreia do Sul (-14%), Itália (-24%), França (-10%), Alemanha (-10%) e Irã (-16%).
No Brasil, as previsões de crescimento do PIB despencam com regularidade impressionante, em meio a grandes incertezas. O isolamento, que segundo técnicos é a medida correta a ser tomada, tem um custo econômico elevadíssimo, com consequências que ainda não podem dimensionadas no país. A certeza é que o setor de serviços, que representa 75,8% do PIB brasileiro, deve sofrer uma queda abrupta. “Sabe-se que, aqui, também vale a lógica segundo a qual quanto maior for o gasto com saúde, mais rapidamente vamos recuperar a estabilidade financeira”, afirma Márcio Holland de Brito, da FGV/Eesp.
O economista, porém, diz acreditar que o país passa por um vazio de liderança no enfrentamento do novo coronavírus. “Estamos tendo uma péssima gestão da crise”, afirma, em que pesem as medidas anunciadas até aqui pelo Palácio do Planalto, como a injeção de R$ 147 bilhões para garantir capital de giro das empresas e evitar demissões. “Agora, é fundamental que o Estado de bem-estar social esteja funcionando a todo vapor. Não é ideologia, nem negação do liberalismo. A hora é de abandonar o revanchismo e a polarização.”
O economista Renan Pieri, professor da escola de negócios Insper e da FVG, também aponta para a questão social como o principal alvo das ações. “No Brasil, 41% das pessoas ocupadas são trabalhadores informais, que vendem o almoço para pagar o jantar”, diz Pieri. “É possível até pensar em um programa de renda mínima para essa população.” Nos EUA, os integrantes de grupos mais vulneráveis têm chamado atenção dos especialistas. Isolados, eles se tornam ainda mais frágeis. A estimativa é de que 53 milhões de americanos sobrevivem com salários considerados baixos, com ganhos médios de US$ 10,22 por hora.
Armando Castelar Pinheiro, pesquisador do Ibre/FGV, no Rio, pondera que o Brasil pode aproveitar os exemplos e iniciativas adotados por outros países para ganhar eficiência no combate ao surto. “É importante conter e tentar alongar a ocorrência de casos”, afirma Pinheiro. “Isso até para que as pessoas possam ser atendidas pelo sistema de saúde que o país dispõe.”
Ele considera, contudo, que a pandemia se tornou mais uma fonte de conflitos entre o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e o Congresso. “O que é péssimo para o país”, acrescenta o economista. Na segunda-feira, o “Financial Times” também criticou o líder brasileiro. Em editorial, o jornal britânico apontou que o comportamento belicoso de Bolsonaro compromete o avanço das reformas econômicas no país, cujas finanças públicas ainda permanecem instáveis, com déficit fiscal de 5,9% do produto no ano passado e uma dívida pública de quase 76% do PIB também em 2019. “O momento é muito delicado para esse tipo de confronto”, afirma Pinheiro.
Na perspectiva global, a crise do coronavírus trouxe à tona um problema grave, ainda que pouco visível no mundo desenvolvido. Trata-se do poder devastador desse tipo de contágio. Durante a epidemia da doença provocada pelo vírus ebola, na África Ocidental, o PIB na Libéria caiu de 8,7% para 0,7% entre 2013 e 2014. O fechamento de escolas com duração de meses interrompeu a educação e deixou as crianças vulneráveis à exploração, causando um pico de violência sexual e gravidez indesejada de adolescentes. De acordo com Catherine Machalaba e William Karesh, da EcoHealth Alliance, organização sem fins lucrativos, os custos desses e de outros efeitos secundários da tragédia serão sentidos nos próximos anos, senão nas próximas décadas. Serra Leoa experimentou um declínio semelhante do produto, assim como a vizinha Guiné. O número oficial de mortes na região foi de 11,3 mil.
Catherine e Karesh apontam em artigo recente (“Fight Pandemics Lide Wildfires”), publicado na revista “Foreign Affairs”, que é possível reduzir a intensidade desse tipo de ocorrência. Nos últimos 60 anos, a maioria dos novos patógenos zoonóticos surgiu como resultado de mudanças nas práticas agrícolas, tanto na produção de alimentos como no uso da terra ou no contato com a vida selvagem.
Milhões de pessoas, principalmente em países em desenvolvimento, dependem ainda de mercados de animais vivos para a alimentação. Eles são uma das principais fontes de ameaças para as sociedades, como demonstra o atual surto do coronavírus. As indicações são de que a pandemia começou em um centro comercial desse tipo em Wuhan, na China. Reduzir o número de animas vivos que circulam nesses locais, observa a dupla de especialistas, diminuirá o risco de futuros surtos de doenças infecciosas. Rastrear a origem de tudo poder ser um bom começo para se evitar uma nova crise global dessa proporção e natureza.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

No pior clube

O livro O Crepúsculo da Democracia, da escritora e jornalista norte-americana Anne Applebaum, começa numa festa de Réveillon. O local: Chobielin, na zona rural da Polônia. A data: a virada de 1999 para o ano 2000. O prato principal: ensopado de carne com beterrabas assadas, preparado por Applebaum e sua sogra. A escritora, que já recebeu o maior prêmio do jornalismo nos Estados Unidos, o Pulitzer, é casada com um político polonês, Radosław Sikorski – na época, ele ocupava o cargo de ministro do Interior em seu país. Os convidados: escritores, jornalistas, diplomatas e políticos. Segundo Applebaum, eles se definiam, em sua maioria, como “liberais” – “pró-Europa, pró-estado de direito, pró-mercado” – oscilando entre a centro-direita e a centro-esquerda. Como costuma ocorrer nas festas de Réveillon, todos estavam meio altos e muito otimistas em relação ao futuro. Todos, é claro, eram defensores da democracia – o regime que, no limiar do século XXI, parecia ser o destino inevitável de toda

Abaixo o cancelamento

A internet virou o novo tribunal da inquisição — e isso é péssimo Só se fala na rapper Karol Conká, que saiu do BBB, da Rede Globo, com a maior votação da história do programa. Rejeição de 99,17% não é pouca coisa. A questão de seu comportamento ter sido odioso aos olhos do público não é o principal para mim. Sou o primeiro a reconhecer que errei muitas vezes. Tive atitudes pavorosas com amigos e relacionamentos, das quais me arrependo até hoje. Se alguma das vezes em que derrapei como ser humano tivesse ido parar na internet, o que aconteceria? Talvez tivesse de aprender russo ou mandarim para recomeçar a carreira em paragens distantes. Todos nós já fizemos algo de que não nos orgulhamos, falamos bobagem, brincadeiras de mau gosto etc… Recentemente, o ator Armie Hammer, de Me Chame pelo Seu Nome, sofreu acusações de abuso contra mulheres. Finalmente, através do print de uma conversa, acabou sendo responsabilizado também por canibalismo. Pavoroso. Tudo isso foi parar na internet. Ergue

OCDE e o erro do governo na gestão das expectativas

O assunto do dia nas redes é a tal negativa dos Estados Unidos para a entrada do Brasil na OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Enquanto os oposicionistas aproveitam para tripudiar, os governistas tentam colocar panos quentes na questão, alegando que não houve propriamente um veto à presença do Brasil no clube dos grandes, a Série A das nações. Quem trabalha com comunicação corporativa frequentemente escuta a frase "é preciso gerenciar a expectativa dos clientes". O problema todo é que o governo do presidente Bolsonaro vendeu como grande vitória a entrada com apoio de Trump - que não era líquida e certa - do país na OCDE. Ou seja, gerenciou mal a expectativa do cliente, no caso, a opinião pública brasileira. Não deixa de ser irônico que a Argentina esteja entrando na frente, logo o país vizinho cujo próximo governo provavelmente não será dos mais alinhados a Trump. A questão toda é que o Brasil não "perdeu", como o pobre Fla-Flu que impe