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Dica da semana: Chico Xavier, filme

Um médium espirituoso no trato dos assuntos do Além

Em semana de Oscar, em que todas informações sobre filmes, atores e técnicos concorrentes ao prêmio já se encontram na rede, a Dica da Semana deposita suas fichas em um título atemporal do cinema nacional, que inclui um interessante vídeo histórico da televisão brasileira. Temas como espiritualidade, o sentido da vida ou o que vem depois do “fim” podem sugerir um clima severo, denso. Por esta razão o filme “Chico Xavier”, de Daniel Filho, talvez surpreenda ao relatar, de modo leve e bem-humorado, a história do mais famoso médium brasileiro, duas vezes indicado ao Prêmio Nobel da Paz e agraciado por numerosos títulos e honrarias. Além da incansável dedicação em aliviar a dor física ou da alma de quem o procurasse, com atenção especial a consolar mães que perderam filhos, Chico publicou 412 livros, com venda de 40 milhões de exemplares e renda integralmente revertida a instituições beneficentes.
Produzido em 2010 a partir da biografia “As vidas de Chico Xavier”, do jornalista Marcel Souto Maior, o filme mostra as várias fases da vida de Chico (1910-2002), o que inclui desafios desde a primeira infância. São instantes iniciais tristes na narrativa em que, com a perda da mãe aos cinco anos de idade, o pequeno é levado a morar com uma madrinha que o submete a maus-tratos, o que vem se somar à situação de execração geral de que é alvo por causa dos fenômenos de comunicação com o plano invisível. Para a Igreja Católica da época, um caso claro de satanismo, devendo o pequeno ser castigado e repelido.
Já rapaz, empenhado no atendimento fraterno de quem buscava nele aconselhamento ou intervenção espiritual, Chico recebeu a revelação de seu mentor, o austero Emmanuel, que conduziria seu aprendizado e atividades dali em diante. Ao propor esclarecer a Chico os fenômenos que vivenciava desde a infância e acompanhá-lo na jornada de ajudar o próximo, Emmanuel o advertiu de que não seria um caminho fácil e sim, de muito trabalho e sofrimento. O rapaz estava pronto: sua vida sempre fora assim. Ouviu então que, para começar, o objetivo seria psicografar 30 livros. E atender a três condições. Primeira: disciplina. Segunda: disciplina. Terceira: disciplina.
No filme, as diferentes fases da história têm como ponte uma entrevista concedida por Chico Xavier ao programa Pinga-Fogo, da extinta TV Tupi, em 1971. A entrevista ficou famosa pela participação surpreendente do médium e entrou para a história da TV brasileira pelo recorde de audiência (75%), que jamais se repetiu. Transmitido ao vivo, com plateia e participação do público em casa, que ligava para enviar perguntas, o programa teve sua duração estendida até o limite, ficando quase três horas no ar.
No vídeo original, disponível na internet, é possível acompanhar a reversão do ambiente operada por Chico à medida que respondia sem desvios às muitas perguntas, variadas, polêmicas, sempre de modo claro, assertivo, contundente às vezes. Homossexualismo, aborto, sofrimento, vegetarianismo, todos assuntos. Em vez de um apresentador ou um jornalista à espera do convidado, havia um verdadeiro comitê de intelectuais à espera do convidado dispostos a desmascarar a possível farsa do mineiro que, tendo estudado apenas o primário, discorria sobre assuntos de toda ordem e complexidade.
Anos antes, outra experiência com a mídia havia impactado a vida de Chico. Em 1944, seu trabalho já chamava a atenção no país e seus livros, assinados por poetas e escritores falecidos, eram um enigma para especialistas literários. Dois repórteres da revista Cruzeiro foram então disfarçados a São Leopoldo, Minas Gerais, onde vivia o médium e se apresentaram com nomes falsos, fingindo ser estrangeiros, dispostos a conseguir revelar a possível fraude. Sob insistência, Chico aceitou responder a perguntas por psicografia, atendendo pedidos de alta complexidade, inclusive em outros idiomas. Na despedida, os visitantes agradeceram e se foram, cada um levando como presente uma obra psicografada. Sem dados que evidenciassem charlatanismo, a matéria foi produzida com tom desfavorável, levantando questionamentos sobre a seriedade dos fenômenos e de seu autor. Ao fim do dia, já em casa, um dos repórteres telefonou para o parceiro de reportagem. Perguntou se ele lera a dedicatória no livro que haviam ganhado. O amigo não vira, foi ver e voltou quase incrédulo. Em ambos exemplares, a dedicatória fora feita com o nome verdadeiro de cada um e assinada por Emmanuel. Por Denise Brito em 7/2/2020.



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